quarta-feira, 6 de abril de 2011

OS PRESOS, A JUSTIÇA E O CONTRATO SOCIAL

Jean-Jacques Rousseau - autor da obra "Do Contrato Social"


A Justiça brasileira prende muito e seletivamente. E o contrato social? - Gerivaldo Neiva - Juiz de Direito - 15/03/2011

Há alguns dias publiquei aqui no blog um breve comentário sobre a recomendação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) ao governo do Estado do Amapá para construção de mais presídios. Naquele comentário, observei que o Brasil, em números reais, já era o terceiro país do mundo em população carcerária com quase meio milhão de presos, perdendo apenas para Estados Unidos e China.

Evidente que não se pode basear um estudo com base apenas em números reais, pois há que se relativizar a população carcerária com a população de cada país, ou seja, estabelecer um quadro comparativo da população carcerária por cada 100 mil habitantes, por exemplo.

País - Presos p/ 100 mil habitantes

Brasil - 259 presos por 100 mil habitantes;
Espanha - 159
Canadá - 117
Portugal - 112
Áustria - 103
Grécia - 102
Bélgica - 97
França - 96
Holanda - 94
Alemanha - 85
Suécia -78
Japão - 59

Fonte: http://www.kcl.ac.uk/depsta/law/research/icps/worldbrief/ e Infopen/MJ

Com relação à escolaridade da população carcerária brasileira, segundo dados do Ministério da Justiça, 75,26% dos presos tem até o ensino fundamental completo. Somando-se esses com aqueles que tem até o ensino médio, o percentual é de 93,22%. Os presos com curso superior completo não somam 0,5% da população carcerária brasileira.

Com relação aos tipos de crimes cometidos, apenas 11,84% praticaram crime contra a vida; 50,42% praticaram crime contra o patrimônio e 24,83% praticaram crime de tráfico, ou seja, 75,25% da população carcerária brasileira praticou crime contra o patrimônio e tráfico de substância entorpecente. Enquanto isso, apenas 0,13% dos presos cometeu crime contra a administração pública.

Em conclusão, esses números mostram claramente que o Brasil prende muito e seletivamente, ou seja, tem uma relação de presos por habitante bem superior a outros países ditos civilizados; os presos são, na grande maioria, analfabetos e, consequentemente, sem qualificação profissional e, por fim, mais de 75% dos presos cometeram crime contra o patrimônio (furto e roubo) ou por envolvimento com o tráfico.

Em outras palavras, os presos do Brasil são pobres, analfabetos, desqualificados, delinquentes comuns, envolvidos com drogas, não-sujeitos de direito, em permanente estado de exceção, excluídos do contrato social... Logo, sem nenhum compromisso ou respeito ao "nosso" Estado Democrático de Direito, às "nossas" instituições, à "nossa" propriedade e à "nossa" moral e bons costumes.

Por fim, reafirmo o entendimento de que é mesmo uma “ladainha” simples e fácil de ser rezada a proposta de construção de mais presídios e reafirmo o entendimento de que o Brasil precisa rever sua política criminal com relação à pena de prisão, pois mais do que presídios, a população jovem, pobre e excluída deste país precisa de oportunidades sociais para que também faça parte do contrato social proposto pela modernidade.

Fonte: http://gerivaldoneiva.blogspot.com/2011/03/justica-brasileira-prende-muito-e.html

COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - Está com a razão o autor do artigo ao dizer "que o Brasil precisa rever sua política criminal", mas esquece que a prisão é a forma da sociedade mostrar sua inconformidade punindo os autores de ilicitudes. Estão indo para a prisão a "população jovem, pobre e excluída" porque estes a justiça consegue alcançar, pois a maioria não tem dinheiro para pagar uma defesa decente e proativa, para levar o seu caso para as cortes supremas ou para conseguir benefícios penais mais rápidos.

Enquanto "estes" ficam presos, esquecidos em prisões imundas, os mais poderosos e aquinhoados financeiramente ficam impunes recebendo penas alternativas ou soltos por liminares. Por isto as estatísticas mostram apenas o preso pobre e excluído que ficam anos na cadeia sem julgamento.

Outro fato lamentável é o Poder Judiciário esquecer que é Estado e que é o poder que tem o dever de supervisionar a execução penal já que compete à autoridade judicial a determinação da prisão, o processo, as liminares, o julgamento, a sentença, a pena, o regime a ser cumprido, os benefícios penais, as licenças e a soltura. É pela postura conivente e omissa do Poder Judiciário que o Poder Executivo permanece com sua política penitenciária criminosa e afrontosa aos direitos humanos. Para não se indispor com a classe política, a justiça prefere sacrificar o cidadão soltando os presos.

Se um dia os magistrados se revoltassem contra esta situação, a política penitenciária seria outra, pois os políticos adotariam outra postura para não perderem as benesses do poder diante de um processo penal e de impeachment.

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