domingo, 19 de dezembro de 2010

O DESAFIO DE TRANSFORMAR PROMESSAS EM PRESÍDIOS

O desafio de transformar promessas em presídios - JOSÉ LUÍS COSTA, Zero Hora, 18/12/2010.

De 2003 até dezembro deste ano, o número de presos cresceu 86,4%, enquanto o de vagas aumentou apenas 32%. Antes mesmo da posse, o futuro secretário da Segurança Pública, Airton Michels, anunciou a intenção de criar 3 mil novas vagas. Resta saber se conseguirá cumprir a meta

Na primeira manifestação após ser confirmado como futuro secretário da Segurança Pública, o promotor de Justiça Airton Michels fez um anúncio: pretende iniciar em 2011 a construção de até oito presídios, gerando 3 mil vagas.

A medida é mais do que necessária: faltam 12,1 mil vagas, e o sistema prisional é, disparado, a maior fonte de dor de cabeça da segurança pública. Mas será que Michels terá condições de cumprir sua meta?

Nesse quesito, o governo anterior, de Germano Rigotto, e o atual, de Yeda Crusius, ficaram devendo. Somados, prometeram, em anúncios solenes, erguer 25 novas prisões para o regime fechado. Mas, na prática, de 2003 até hoje, apenas uma, a Penitenciária Regional de Caxias do Sul, saiu do papel para, literalmente, ser concretizada com areia, cimento, tijolos e barras de ferro.

Nesse período, enquanto o número de presos cresceu 86,4%, o de vagas aumentou apenas 32%. Rigotto deu início a duas prisões novas (Caxias do Sul e Santa Maria). Yeda deu a largada em outras duas (Arroio dos Ratos e a feminina de Guaíba), além de construir oito albergues emergenciais.

A maior parte das cadeias não saiu do chão, especialmente, por falta de terrenos, problemas com projetos e licitações e resistência de prefeitos. As repetidas promessas descumpridas incomodam representantes do Ministério Público e do Judiciário, cuja principal atribuição é zelar pelo cumprimento adequado das penas.

Oito anos, nenhuma vaga

O juiz Sidinei Brzuska, da Vara de Execuções Criminais de Porto Alegre, tem sobre a mesa do seu gabinete pilhas de expedientes remetidos ao governo, cobrando melhorias nas cadeias, anexados a dezenas de cópias de anúncios oficiais extraído do site do Palácio Piratini, prometendo novos presídios.

Ele lamenta que, na prática, a maior parte das obras são “adaptações, remendos e puxadinhos”.

– Que bom seria se pudéssemos colocar os presos nessas vagas prometidas. A Região Metropolitana tem 13 mil dos 31 mil presos do Estado e, há oito anos, não tem uma nova prisão em regime fechado.

Brzuska lembra que em um dos anúncios do atual governo, ele foi presenteado com um pen drive, contendo a relação das novas obras e guardou o utensílio na gaveta.

– Dias depois, diretores de prisões me procuraram, lamentando que não tinham onde colocar mais presos. Aí, eu ofereci o pen drive para eles – conta, resignado.

O último investimento de peso em novos presídios aconteceu na segunda metade do governo de Antônio Brito (1995 a 1998). Com dinheiro da venda de empresas estatais, prometeu construir sete novas cadeias visando a desativar o Presídio Central de Porto Alegre.

Começou a erguer cinco, inaugurou três – as penitenciárias moduladas de Charqueadas, Ijuí e de Uruguaiana. As outras duas foram entregues pelo governo Olívio. Mas o Presídio Central seguiu de pé, e cada vez mais abarrotado, com problemas estruturais e cercado de lixo.

Susepe busca figura de um “interventor”

Em relação às novas cadeias que pretender edificar a partir de janeiro, Michels enfatiza com voz grave que a ideia é “iniciar” as obras em 2011. Ele quer aproveitar os R$ 150 milhões reservados para seis prisões prometidas por Yeda, cujas obras foram embargadas pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE) por falta de licitação.

– É preciso assumir, tomar conhecimento do assunto e aguardar a decisão do TCE. Desconheço o tipo de contrato que foi firmado – alerta.

Mais do que construir prisões, Michels terá a missão de reorganizar a Susepe, cuja imagem vem sendo arranhada pelo quadro de calamidade em que se encontra – um em cada três presídios e albergues interditados por superlotação, fugas em massa e presos cumprindo pena em casa.

Em entrevistas, Michels fala em resolver problemas de gestão, mas está com imensas dificuldades para encontrar um superintendente.

– A situação exige uma autoridade de fora do quadro de servidores, uma espécie de interventor, para tentar recolocar a situação nos eixos – afirma um dos futuros assessores de Michels.

UMA CULTURA A SE MUDAR - GILMAR BORTOLOTTO, Promotor de Justiça da Promotoria de Controle e Execução Criminal de Porto Alegre.

Nos últimos oito anos, o número de presos tem crescido quase três vezes mais do que o de vagas criadas. Há necessidade de ver a segurança como um sistema que começa pela prevenção, passa pela atividade policial e jurisdicional e pode desaguar no sistema carcerário.

A falta de estabelecimentos torna o sistema uma ficção, terminando por atingir a todos, inclusive as comunidades que não aceitam presídios. Se o local onde as penas devem ser executadas representa garantia de degradação, estamos dando um péssimo exemplo. Um presídio não deve servir para retirar o que resta de dignidade em um detento.

Aos prédios é necessário que se some uma política de humanização e valorização funcional. É toda uma cultura a ser alterada. Se estamos nessa situação, é bom olhar para trás e encontrar as causas que geraram tudo isso.

COMENTÁRIO DO BENGOCHEA

Segundo o Direito Administrativo Brasileiro, a função precípua do Poder Executivo é a conversão da lei em ato individual e concreto - função administrativa(Hely Lopes Meirelles, pg 55, 2000). Pois bem. Aqui no RS, há dispositivo constitucional que prevê a política prisional a ser adotada. Além disto, existem normas que regulam os direitos humanos em todo o mundo e o tratamento do Estado para com seus presos.

CONSTITUIÇÃO DO RS - "Art. 137 - A política penitenciária do Estado, cujo objetivo é a reeducação, a reintegração social e a ressocialização dos presos, terá como prioridades: I - a regionalização e a municipalização dos estabelecimentos penitenciários; II - a manutenção de colônias penais agrícolas e industriais; III - a escolarização e profissionalização dos presos.§ 1º - Para implementação do previsto no inciso III, poderão ser estabelecidos programas alternativos de educação e trabalho remunerado em atividade industrial, agrícola e artesanal, através de convênios com entidades públicas ou privadas."

Ocorre que vários governos instalados no Poder Executivo do RS não cumpriram os objetivos da política penitenciária do Estado previstas na constituição, não implementaram os programas e nem respeitaram os direitos humanos dentro dos presídios, simplesmente porque o Ministério Público (controle e execução criminal, o Poder Judiciário (supervisão prisional)e o Poder Legislativo (fiscal dos atos do Executivo) não cumpriram o dever de denunciar, processar, julgar, responsabilizar e punir quem desrespeita a lei maior do Estado e é conivente com prática de crimes contra direitos humanos, oportunizando que seres humanos sejam depositados em celas superlotadas, degradantes, ociosas e inseguras. Esta omissão tem permitido o domínio das cadeias pelos presos, o descontrole dos benefícios penais e o desprezo àquelas pessoas presas que poderiam ser ressocializadas e que ficam embrutecidas, violentas e reféns de facções, doenças, tortura, execuções, vícios e estupro, devido à falta de aplicação da lei e das políticas prisionais, da inércia da defensoria e da cegueira da justiça e do MP.

Não quero acreditar que os poderes fiscal, supervisor e controlador da execução penal garantem a impunidade do Poder Executivo para não se indispor com a classe política, responsável pelo tratamento e aprovação de direitos e prerrogativas dos membros destes poderes. Mas fica a pergunta para quem quiser responder - Que motivos impedem o Judiciário, o Ministério Público e a Defensoria agirem contra o Poder Executivo e exigirem uma posição do Poder Legislativo em defesa dos direitos humanos e prisionais?

A cultura que deve ser mudada é nestes poderes. Onde a justiça é fraca e tolerante, não há respeito às leis e nem garantia de direitos. Se ela for coativa, presídios serão construídos, as leis respeitada e os direitos dos presos garantidos na plenitude do ser humano que são.

Está na hora de mostrarem que está crítica é uma falácia.

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