sábado, 15 de junho de 2013

DE ONDE SÃO OS PRESOS DO PRESIDIO CENTRAL?


ZERO HORA 15/06/2013 | 16h01

Quase metade dos criminosos deveria estar em municípios da Grande Porto Alegre ou do Interior

Francisco Amorim e Letícia Costa


A escassez de cadeias provisórias na Região Metropolitana e no Interior transforma o Presídio Central em um depósito de seres humanos. É o que constatou Zero Hora ao investigar o local de residência de cada um dos 4.501 presos que habitam os pavilhões da maior prisão do Estado. Quase a metade dos criminosos (45,3%) deveria estar presa em municípios da Grande Porto Alegre ou do Interior.

— O principal fator que leva a estes números é que não existem presídios de regime fechado nestas localidades. Nos últimos 30 anos, muitos que existiam foram fechados. Estamos fazendo agora o processo inverso, buscando as cidades da Região Metropolitana para que se construam casas prisionais nestes municípios — diz o titular da Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe), Gelson Treiesleben.

Pela Lei de Execução Penal, cada comarca — no Estado são 164 — deveria ter pelo menos uma cadeia pública, a fim de manter a proximidade do preso com o seu meio social. Conforme a Susepe, porém, o Rio Grande do Sul tem 98 casas prisionais, entre estruturas para regime fechado e semiaberto. Para o Central, são levados, em média, 37 novos presos por dia.

— Não tem (presídio) em várias comarcas importantes. Um exemplo é Tramandaí, que não tem uma vaga no sistema prisional — analisa o juiz Sidinei Brzuska, da Vara de Execuções Criminais (VEC) de Porto Alegre.

Além de contrariar a legislação, a distância dos presos encarcerados da cidade onde moravam é apontada como um dos tantos pontos que dificultam a ressocialização. O superintendente da Susepe e o promotor de Justiça de Controle e Execução Criminal Gilmar Bortolotto concordam que a convivência familiar contribui para a recuperação.

— O preso depende da família para ter assistência. A ideia da Lei de Execução Penal faz parte de um projeto de recuperação, mas nunca vingou — lamenta Bortolotto.

O sacrifício dos familiares para visitar os presos é revertido, em alguns casos, na mudança de endereço dos parentes para um local mais próximo à cadeia. Na maioria das vezes, contudo, a distância afasta o preso do convívio familiar.

— Se for olhada a origem (do preso), o problema se agrava muito mais, porque pode ser que a família esteja ainda mais longe, no interior do Estado. Ela é um suporte que deve ser utilizado o tempo inteiro, porque são poucos os valores que os presos mantêm. Temos que nos apegar neles para trazê-lo de volta, quando possível — diz o promotor.

Professor do mestrado em Direitos Humanos do UniRitter, Dani Rudnicki alerta para uma contradição.

— As pessoas querem que eles (criminosos) sejam presos, mas querem que seja longe do seu município — pondera Rudnicki, que é membro do núcleo de pesquisa Violência e Cidadania da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).


As 10 cidades gaúchas com mais presos

1) Porto Alegre — 2.464

2) Canoas — 195

3) Gravataí — 145

4) Novo Hamburgo — 125

5) São Leopoldo — 124

6) Viamão — 124

7) Alvorada — 113

8) Guaíba — 79

9) Esteio — 47

10) Sapucaia do Sul — 47


ENTREVISTA: Dani Rudnicki, advogado, pesquisador e professor
Zero Hora — A distância do preso da família dificulta a possibilidade de ressocialização?
Dani Rudnicki — Hoje quem mais dá assistência são as igrejas evangélicas. A família dá um suporte para o preso, melhora a qualidade de vida dele e muitas se sacrificam por isso. Muitas vezes, a mulher se prostitui, continua traficando para ajudar o preso.

ZH — Qual o maior problema que o recebimento de presos de outras cidades ocasiona no Central?
Rudnicki — De fato é a superlotação. O correto é que toda cidade tenha presídio. A existência de diversos presídios na Região Metropolitana seria fundamental, facilitaria o deslocamento das famílias, acarretaria menos custos.

ZH — Muitos municípios não querem receber presídios. Por quê?
Rudnicki — São questões políticas que acabam prevalecendo. Todas as cidades têm pessoas que praticam crimes e elas têm que albergar estas pessoas. A ideia de que a cidade irá perder investimentos é uma não é correta porque, na verdade, a instalação de uma casa prisional pode atrair empresas. Presídios são uma fonte de mão de obra barata, atraem indústrias. Também existe a crença de que a região em volta de presídio é perigosa. E não é. Ninguém vai roubar em volta de presídio, não mais do que se faz em outros lugares. Até provavelmente menos, pois tem uma concentração de polícia no local.


Resistência dificulta implantação de cadeias

Para tentar manter os presos mais próximos de suas famílias, a Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe) enfrenta um problema que vai além da falta de casas prisionais: a resistência das moradores e de administradores municipais.

O caso mais recente, recorda o superintendente da Susepe, Gelson Treiesleben, é Campo Bom, no Vale do Sinos. Com 28 presos cumprindo pena ou esperando condenação no Presídio Central, a cidade está em 13º lugar no ranking dos que mais mandam apenados para a maior cadeia do Estado. Sem uma estrutura própria para abrigá-los, o município rejeitou, com direito a uma faixa estampando a frase "Campo Bom não quer presídio", a intenção do governo em abrigar uma estrutura de regime semiaberto.

— Algumas cidades estão mais sensíveis, outras nem tanto. Canoas, Guaíba e Arroio dos Ratos estão sendo parceiras. Nesta gestão, tivemos o exemplo de Campo Bom que não quis receber um presídio. A prefeitura alegou que o assunto não havia sido conversado — conta Treiesleben.

Na época, o executivo ponderou que estava defendendo os interesses da comunidade. Passados alguns meses, o prefeito de Campo Bom, Faisal Karam, prefere não tocar mais no assunto.

Há quatro anos, uma situação parecida ocorreu no 7º município com mais presos no Central, Alvorada, na Região Metropolitana. A negativa ocorreu nos mesmos moldes de Campo Bom. O prefeito da época, João Carlos Brum, reclamou da falta de diálogo do Estado com a administração local e disse que a instalação afastaria investimentos. O projeto, que previa a capacidade para 450 presos, foi deixado de lado.

Na opinião do promotor de Justiça de Controle e Execução Criminal, Gilmar Bortolotto, a aversão vem do inconsciente da população. É como se pensassem que os presos não merecem tal estrutura ou que possa aumentar a criminalidade.

— As comunidades rejeitam e o pensamento político ratifica. A comunidade em geral, quando lembra para quem será feito aquele espaço público, não traz o pensamento de humanização — diz o promotor.

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