SOB CONTESTAÇÃO
400 presos serão monitorados. Apenados do semiaberto usarão tornozeleiras, mas Ministério Público teme que equipamento seja empregado no regime fechado
MARCELO GONZATTO
Após uma década de idas e vindas, o programa de monitoramento eletrônico de presos deverá ser anunciado pelo governo gaúcho, semana que vem, com a liberação inicial de 400 apenados do regime semiaberto. Mas a medida entrará em vigor sob contestação. Embora o Piratini pretenda utilizar o sistema para desinchar as prisões, o Ministério Público não concorda com a substituição da pena pela tornozeleira. Promotores deverão analisar caso a caso enquanto um recurso é apreciado pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
Mesmo em vias de entrar em vigor, ainda terá de enfrentar a contrariedade do MP. O problema, segundo o promotor do Centro de Apoio Operacional Criminal David Medina da Silva, é que o Estado contemplará detentos do semiaberto, permitindo que durmam em casa em vez de ocupar vaga em estabelecimento penal.
– Não é unânime que seja possível substituir uma pena no semiaberto por prisão domiciliar, como seria o caso. Temos um recurso no STF para discutir isso, porque a aplicação do monitoramento por falta de vagas não é prevista legalmente – sustenta Silva.
Para o MP, a medida só poderia ser aplicada em condições como a de presos provisórios (sem condenação definitiva) ou em casos em que é permitida a prisão domiciliar, como devido a problemas de saúde.
O governo estadual só deverá se manifestar após o lançamento do programa, a ser feito pelo governador Tarso Genro terça ou quarta-feira da próxima semana. A Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe) confirma que serão contemplados de início 400 apenados do regime semiaberto na Região Metropolitana. A medida será estendida para o Interior. Conforme dados de dezembro, o Estado tem 29,2 mil presos – 5,8 mil deles no semiaberto – para 21,4 mil vagas.
O juiz Sidinei Brzuska, da Vara de Execuções Criminais, entrou em acordo com o Estado para amenizar a falta de espaço nas cadeias
– Não temos vagas, e todos os dias deixamos presos soltos sem controle. Houve concordância para o uso (da tornozeleira) em determinadas pessoas, em determinadas condições, como substituição à prisão – afirma Brzuska, referindo-se à necessidade de ter trabalho regular.
ENTREVISTA - “É preciso cuidado para evitar estigmatização”
Carlos Gadea/doutor em Sociologia
Para o professor de Sociologia da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos) Carlos Gadea, que realiza pesquisas na área de violência urbana, o controle à distância de apenados pode ter impacto positivo para reduzir a ocupação dos presídios e recuperar apenados – desde que não seja a única medida. Para o especialista, o Estado precisa oferecer apoio ao apenado além de tornozeleira. Confira trechos da entrevista:
Zero Hora – Como o senhor avalia a implantação do monitoramento a ser anunciada pelo Estado?
Carlos Gadea – Acho que terá um impacto positivo. É uma política que pode ser considerada como humanização da pena. Tem a ver com uma questão estratégica, também, para enfrentar a superlotação dos presídios. É uma alternativa para penas menores, ou para apenados que têm boa conduta. Em outros lugares onde se está aplicando, como no Uruguai, a receptividade é boa.
ZH – Já faz uma década que se fala em implantar esse tipo de programa no Estado. Por que é tão difícil tirá-lo do papel?
Gadea – Acho que é principalmente pela burocracia, pela forma para distribuir verbas, esse tipo de coisa, tudo envolve processos longos e burocráticos. Muitas vezes, essas coisas demoram até de maneira independente da vontade política. Não acredito que exista resistência popular à ideia. O importante é ver os dados concretos, e o índice de reincidência é baixo.
ZH – Há preocupações como a estigmatização. Quais os riscos do monitoramento eletrônico?
Gadea – É preciso acompanhar essa política com cuidado para evitar estigmatização. O monitoramento deve ser um caminho para reinserção social, com controle, mas com ajuda do Estado para dar oportunidades ao preso. Dar capital social a ele, ajudá-lo a construir uma rede de relações para que se dê bem na vida. Se não ocorrer isso, vai bater contra a parede e voltar à prisão.
FRASES
Sidinei BrzuSka juiz da Vara de Execuções Criminais - "A previsão é de uso para controle de presos em saídas temporárias, não para abertura de vagas. Acertamos com o governo que seria beneficiado o preso com trabalho, porque já circula na rua, só que sem tornozeleira."
Para o professor de Sociologia da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos) Carlos Gadea, que realiza pesquisas na área de violência urbana, o controle à distância de apenados pode ter impacto positivo para reduzir a ocupação dos presídios e recuperar apenados – desde que não seja a única medida. Para o especialista, o Estado precisa oferecer apoio ao apenado além de tornozeleira. Confira trechos da entrevista:
Zero Hora – Como o senhor avalia a implantação do monitoramento a ser anunciada pelo Estado?
Carlos Gadea – Acho que terá um impacto positivo. É uma política que pode ser considerada como humanização da pena. Tem a ver com uma questão estratégica, também, para enfrentar a superlotação dos presídios. É uma alternativa para penas menores, ou para apenados que têm boa conduta. Em outros lugares onde se está aplicando, como no Uruguai, a receptividade é boa.
ZH – Já faz uma década que se fala em implantar esse tipo de programa no Estado. Por que é tão difícil tirá-lo do papel?
Gadea – Acho que é principalmente pela burocracia, pela forma para distribuir verbas, esse tipo de coisa, tudo envolve processos longos e burocráticos. Muitas vezes, essas coisas demoram até de maneira independente da vontade política. Não acredito que exista resistência popular à ideia. O importante é ver os dados concretos, e o índice de reincidência é baixo.
ZH – Há preocupações como a estigmatização. Quais os riscos do monitoramento eletrônico?
Gadea – É preciso acompanhar essa política com cuidado para evitar estigmatização. O monitoramento deve ser um caminho para reinserção social, com controle, mas com ajuda do Estado para dar oportunidades ao preso. Dar capital social a ele, ajudá-lo a construir uma rede de relações para que se dê bem na vida. Se não ocorrer isso, vai bater contra a parede e voltar à prisão.
FRASES
Sidinei BrzuSka juiz da Vara de Execuções Criminais - "A previsão é de uso para controle de presos em saídas temporárias, não para abertura de vagas. Acertamos com o governo que seria beneficiado o preso com trabalho, porque já circula na rua, só que sem tornozeleira."
David Medina da Silva promotor de Justiça - "O uso será implantado para ‘pessoas que deveriam ficar presas no regime semiaberto, por falta de vagas. Nosso receio é de que a medida acabe aplicada no regime fechado pela mesma razão."
COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - Tudo muito bom, tudo muito bonito, mas quem vai fazer o monitoramento, o acompanhamento e a vigilância, baseado em acordos entre poderes corporativos? Sem um sistema de justiça criminal com papéis definidos em lei, deveres e responsabilidades, não vai funcionar, mas vai gerar gastos, desmoralização, descaso e inoperância do Estado. Já há exemplos disto. A sugestão que dou é a criação de um Departamento de Justiça para o monitoramento dos apenados, podendo contratar terceirizados para fazer o acompanhamento, o monitoramento e a vigilância da condicional, com poderes de oficial para determinar o corte do benefício que é o uso de tornozeleira. Sim, o uso de tornozeleira deve ser considerado um benefício para agregar mais liberdade e tirar o apenado da cadeia, e não como um instrumento para constranger e estigmar, como sugere o Dr.Gadea.
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