quarta-feira, 21 de abril de 2010

O CAOS - Jornal Zero Hora desvenda a corrupção dentro das cadeias do RS

CORRUPÇÃO NA CADEIAS 1 - Em meio a celas superlotadas e longe da fiscalização da sociedade, alguns agentes penitenciários subornam, facilitam acesso a armas e a celulares e torturam presos - CARLOS ETCHICHURY E JULIANA BUBLITZ - Zero Hora -18/04/2010 - a íntegra e os contapontos podem ser lidos no ZH Online e na versão impressa.

Dentro das cadeias gaúchas, protegidos pela cumplicidade de presos e de seus familiares, agentes penitenciários gaúchos são acusados de vender drogas e celulares, liberar apenados sem autorização judicial e extorquir e torturar presidiários. Face oculta do caos instalado nas decrépitas e superlotadas penitenciárias do Rio Grande do Sul, a realidade não se restringe às celas: ultrapassa muros e grades e repercute na vida de inocentes, fora das prisões, em todo o Estado.

Investigações desencadeadas por órgãos como Ministério Público, Polícia Civil e Polícia Federal demonstram que as ações ilícitas de alguns servidores da Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe) contribuem, direta e indiretamente, para a multiplicação de crimes como homicídios, furtos e roubos. A maior parte dos casos, porém, sequer é investigada. Já que os delitos praticados pelos funcionários das cadeias gaúchas têm criminosos como vítimas ou comparsas, raramente chegam ao conhecimento das autoridades. Quando chegam, não são prioritários.

Caberia à Susepe coibir abusos e punir ilícitos no cárcere. Mas a estrutura da superintendência, ancorada nos anos 60, década de sua criação, conspira a favor da impunidade. Na Susepe, nada impede que o corregedor de hoje, responsável por reprimir desvios e depurar o órgão, seja o carcereiro de amanhã, abrindo e fechando celas no fundo de uma galeria, ombro a ombro com um colega por ele investigado. O resultado é uma corregedoria permissiva, que pune condutas suspeitas transferindo funcionários – foi o que aconteceu com um agente indiciado pela Polícia Federal suspeito de participar de uma quadrilha de furto e roubo de veículos desarticulada no Estado. É um exemplo, mas há dezenas de situações semelhantes.

Medidas drásticas, como demissões, são incomuns. Em uma década, apenas 12 agentes foram expulsos num universo de 2,5 mil concursados. Para efeito de comparação, em igual período a Polícia Civil, com 5 mil integrantes, expurgou da corporação 165 maus policiais – um número sete vezes superior.

– A nossa legislação é diferente. Há uma sindicância e, posteriormente, o processo é enviado para a Procuradoria-geral do Estado (PGE), que decide sobre a demissão. Creio que foge da nossa atribuição eu afirmar o porquê de as demissões serem menores no sistema penitenciário. Em média, são instaurados entre 250 e 350 procedimentos por ano. Nos últimos cinco anos, 419 servidores sofreram algum tipo de punição – diz o corregedor-geral da Susepe, Homero Diógenes Negrello.

É nesse contexto que proliferam extorsões, achaques e espancamentos, como o ocorrido semana passada na Penitenciária Regional de Caxias do Sul. Flagrada pelas câmeras de vídeo da própria instituição, as imagens de agentes torturando presos abalaram a prisão que a Susepe considera modelo no Estado. São tantas as denúncias que promotores da Vara de Execuções Criminais (VEC) da Capital decidiram agir. Até 2008, eles informavam à Polícia Civil, à corregedoria e à colegas do MP que atuam nas áreas criminais sobre os indícios de crime. Com exceções, a apuração era pífia. Agora, eles mesmo investigam. O resultado, ainda tímido, já é percebido. No ano passado, 10 agentes foram presos e pelo menos 30 denunciados. De hoje a terça-feira, Zero Hora revela, em uma série de reportagens, como o crime corrói o cárcere.

Agentes contribuem para crime nas ruas

Embora tenham como epicentro as superlotadas cadeias gaúchas, as consequências das relações entre agentes penitenciários e o mundo do crime não se esgotam no cárcere. Do lado de fora das grades, as atitudes de servidores corrompidos repercutem na vida de inocentes, engrossando as estatísticas de delitos como homicídios, furtos e assaltos. Além de receberem regalias em troca do pagamento de propina – entre elas a permissão para sair da prisão e cometer crimes –, prisioneiros obtêm livre acesso a telefones celulares, transformados em armas dentro de celas e galerias. Por meio de ligações escusas, detentos comandam o tráfico de drogas, ordenam execuções e determinam ataques. O problema é tão grave que, no ano passado, a Vara de Execuções Criminais (VEC) da Capital fez um rastreamento em sete prisões da Região Metropolitana atrás de celulares. Foram detectados nada menos do que 361 telefones móveis em uso e pelo menos 650 chips. Para juízes, promotores e policiais, não restam dúvidas de que, por trás desse descontrole, está a conivência de alguns agentes penitenciários corruptos.

Ao esquadrinhar os passos de um grupo de extermínio que vinha aterrorizando a população de Canoas nos últimos anos, agentes da 1ª Delegacia da Polícia Civil do município descobriram que seus líderes mandavam matar desafetos de dentro da Penitenciária de Alta Segurança de Charqueadas (Pasc). Por meio de telefones celulares, não apenas eram encomendados assassinatos, como também ouvidos os gritos de vítimas agonizando no momento da morte. Mais de 30 pessoas perderam a vida – entre elas inocentes, sem ficha na polícia. Não se descarta a possibilidade de que os criminosos contassem com a cobertura de servidores da Superintendência de Serviços Penitenciários (Susepe) para fazer as ligações livremente.

À frente de uma megaofensiva deflagrada pela Polícia Federal para desarticular uma das maiores e mais perigosas quadrilhas de furto e roubo de veículos do Estado, o delegado Rafael França indiciou um agente penitenciário por suspeita de participação em um esquema que deixou centenas de gaúchos a pé. Composto por mais de 70 pessoas, o grupo investigado pela PF seria responsável por uma rede criminosa completa, que atacava motoristas, adulterava carros, falsificava documentos e vendia automóveis clonados. O funcionário da Susepe Rodolfo Linck Oliveira, 57 anos, conhecido como Velho Linck, seria uma peça chave na organização, que, segundo os investigadores, tinha conexões em Santa Catarina, no Paraguai e no Uruguai.

Por não levantar suspeitas e gozar de benefícios em função do cargo, Linck seria responsável, conforme França, por guardar em sua casa, no bairro Sarandi, em Porto Alegre, armas usadas pela quadrilha e carros clonados. Um desses veículos – um Meriva com placas frias – foi flagrado na residência do suspeito.

– Linck dava um caráter lícito à quadrilha, afinal, quem iria dar uma batida na casa de um agente? Ninguém desconfiava dele, por isso ele cuidava das armas e dos carros clonados – diz França.

Ao todo, 72 pessoas foram denunciadas por envolvimento. Linck foi preso enquanto trabalhava, no Instituto Penal Miguel Dario, na Capital, e levado ao Presídio Central, de onde foi solto após10 dias de reclusão. O agente foi denunciado pelos crimes de formação de quadrilha e receptação e atualmente responde à Justiça em liberdade. O processo está tramitando na 1ª Vara Criminal do Foro do Sarandi, na Capital. Conforme a Susepe, Linck foi transferido para outro presídio e continua trabalhando.

A extorsão vista sob dois ângulos - Depoimentos de uma agente penitenciária e de presos revelam como funciona a venda de favores e de celulares dentro das penitenciárias gaúchas


Segundo uma agente - Com 20 anos de carreira, agente detalha que corrupção nas penitenciárias conta, muitas vezes, com a conivência dos diretores das casas.

Segundo os presos - Revelações feitas por presidiários à Justiça ajudam a compreender por que condenados continuam usando celulares para praticar crimes.

Madre Pelletier: agentes sob suspeita

Uma investigação do Ministério Público, concluída em dezembro, revela que quatro servidores da Susepe lotados na Penitenciária Feminina Madre Pelletier teriam colaborado com criminosas ligadas ao tráfico. Entre os denunciados, está Silvia Terezinha Rangel Silva, ex-diretora da penitenciária. nfira seis pontos da denúncia:lulares para presas, escoltariam apenadas em passeios irregulares e receberiam dinheiro de traficantes. A investigação resultou no afastamento prévio da servidora do cargo.

A seguir, ZH revela como agiria o grupo formado por agentes da lei denunciados pelo MP por formação de quadrilha, peculado, incitação ao crime e associação para o tráfico. Como são funcionários públicos, a Justiça aguarda manifestação dos suspeitos para decidir se instaura ou não processo penal.


Um mimo do Paraguai

Às 16h33min de terça-feira, dia 2 de setembro de 2008, o telefone do auxiliar de serviços gerais Valdir Antonio Perez tocou na penitenciária feminina. Do outro lado da linha, o namorado de Leila Maria Ferreira da Silva, presa por tráfico de drogas e uma das 470 detentas do estabelecimento. Funcionário da Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe), Perez teria pedido um celular ao namorado da traficante. O presente, segundo o MP, chega às mãos do servidor nove dias após a conversa. O aparelho, utilizado por Perez, era emprestado para Leila conversar com o namorado – traficante residente em Foz do Iguaçu (PR). Numa das conversas interceptadas pelo MP, Perez teria oferecido sua conta-corrente para que o homem depositasse dinheiro para Leila e sua irmã, Rosânia Maria Ferreira da Silva, também presa.

R$ 2 mil para agente

Funcionário da Susepe, o agente penitenciário Vladimir Vilhena Pereira teria recebido, de acordo com promotores, complemento salarial de familiares de presos. Em 4 de outubro de 2008, um sábado, uma mulher teria prometido enviar dinheiro para as irmãs Leila e Rosânia e, junto, o valor correspondente ao acertado com Pereira. O dinheiro, diz a interlocutora em conversa flagrada com autorização judicial, seria depositado na conta do advogado das presas, que repassará para Pereira. Antes de se despedir, ela avisa para o agente penitenciário: ... em ligação telefônica, informa a VLADIMIR (Pereira) que vai enviar dinheiro para as apenadas LEILA e ROSÂNIA e junto um valor destinado ao agente penitenciário, aquele previamente ajustado e que será depositado na conta do advogado das presas, referindo, ainda, que se VLADIMIR (Pereira)“precisar de mais alguma coisa é só falar que ele mandará”. Vinte e quatro horas mais tarde, a irmã das presas Leila e Rosânia avisa que R$ 300 estavam disponíveis na conta do advogado. Um mês depois, ao anoitecer do dia 12 de novembro, Pereira teria se encontrado com a irmã das presas Leila e Rosânia na Rodoviária de Porto Alegre. Conforme o MP, o agente teria recebido R$ 2 mil no encontro.

Celular emprestado para detentas

Funcionários públicos estariam emprestando os seus celulares particulares para bandidos. Foi o que teria ocorrido no dia 8 de novembro de 2008, às 9h33min. Naquela manhã, o agente penitenciário Vladimir Vilhena Pereira faz uma ligação e alcança o aparelho para uma presa. Durante o diálogo, ROSÂNIA solicita, com insistência, que verifique um notebook para a filha de VLADIMIR (Pereira), com o melhor preço que estiver no Paraguai, bem como este fale... para obter informações, na Argentina, relativo a um motor de automóvel da marca Peugeot para o mesmo agente penitenciário”.

Presas avisadas de inspeções

Servidores do Estado revelavam, com antecedência, a realização de inspeções periódicas feitas pelo Batalhão de Operações Especiais (BOE). Em 2 de fevereiro de 2009, o agente Vladimir Vilhena Pereira teria avisado que PMs realizariam, no dia seguinte, uma revista minuciosa na penitenciária. Programada em conjunto pela corregedoria da Susepe, MP e Brigada Militar, a operação, destinada a recolher armas, drogas e celulares, realmente aconteceu, mas fracassou. Associados para o tráfico Para o MP, a complacência de funcionários públicos vai além da tolerância com o tráfico e o consumo de drogas. Promotores identificaram indícios de que a direção do Madre Pelletier associou-se ao tráfico na prisão. Num dos trechos da denúncia oferecida à Justiça, consta: “... Rangel (Silvia Terezinha Rangel Silva, ex-diretora do Madre Pelletier), com poderes ilimitados dentro da penitenciária, uma vez que diretora do estabelecimento, entregava drogas à apenada Salete Fátima Machado.

Cantina privada


Promotores descobriram que as mordomias garantidas a três presas recolhidas no Pelletier incluíam celas individuais – numa penitenciárias onde 470 criminosas ocupam espaço destinado a 239 mulheres – e passeios escoltados por agentes penitenciários. Gozando da confiança da direção, Maria Cristina Silva Corrêa escolhia as demais apenadas que a assessoravam na cozinha. Utilizando gás, energia, fogão, freezer e geladeiras, pagos com impostos arrecadados pelo Estado, ela cozinhava bolos, pães, salgados e doces vendidos para presas. Segundo a denúncia, criaram “uma verdadeira cantina paralela” autorizada pela direção. A divisão dos lucros, sustentam os promotores, ocorria quando Cristina saía “escoltada” para fazer compras.

COMENTÁRIOS DO BENGOCHEA - ESTA MATÉRIA DEVERIA MOTIVAR OS GOVERNANTES DESTE PAÍS QUE OCUPAM CARGOS NO EXECUTIVO, NO LEGISLATIVO E NO JUDICIÁRIO PARA ENTRAREM NUM ACORDO PARA FAZEREM UMA REENGENHARIA NO SISTEMA DE ORDEM PÚBLICA VIGENTE NO PAÍS. COMO SE VÊ O CAOS PRISIONAL É FRUTO DA OMISSÃO, DA INÉRCIA E DA NEGLIGÊNCIA DO ESTADO, REPRESENTADO PELOS TRÊS PODERES CONSTITUINTES. DE NADA ADIANTA MANTER A VISÃO MÍOPE OLHANDO O CAOS DO SISTEMA PRISIONAL APENAS PELA ÓTICA DA EXECUÇÃO PENAL. TUDO O QUE ESTÁ OCORRENDO É QUE O BRASIL NÃO TEM SISTEMA DE ORDEM PÚBLICA, INVESTE EM INSTRUMENTOS FALIDOS E MANTÉM LEIS ESDRÚXULAS, BENEVOLENTES E DIVERGENTES QUE IMPEDEM A APLICAÇÃO COATIVA DA JUSTIÇA, A FISCALIZAÇÃO E A OBSTRUÇÃO DA AÇÕES CORRUPTAS, CRIMINOSAS E ÍMPROBAS DENTRO DO SERVIÇO PÚBLICO.

A SOCIEDADE DEVERIA SE REVOLTAR COM ESTA NOTÍCIA, JÁ QUE NÃO HAVENDO A REABILITAÇÃO DO APENADO, AS PUNIÇÕES DE PRISÃO NÃO TÊM MAIS RAZÃO DE EXISTIR, POIS NÃO ATENDEM OS ANSEIOS PARA A PAZ SOCIAL.

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