A Execução Penal é um dos extremos do Sistema de Justiça Criminal, importante na quebra do ciclo vicioso do crime pela reeducação, ressocialização e reinclusão. Entretanto, há descaso, amadorismo, corporativismo e apadrinhamento entre poderes com desrespeito às leis e ao direito, submetendo presos provisórios e apenados da justiça às condições desumanas, indignas, inseguras, ociosas, insalubres, sem controle, sem oportunidades e a mercê das facções, com reflexo nocivo na segurança da população.
segunda-feira, 26 de abril de 2010
CORRUPÇÃO NAS CADEIAS - Traficante transforma celular em arma para executar inimigos e quem se atreve a enfrentá-lo
Aparelho vira arma na mão de traficante
O ingresso de celulares nos presídios permite que condenados pela Justiça, que deveriam ser segregados do convívio social, continuem comandando quadrilhas de assaltantes, liderando o tráfico, ordenando execuções, determinando punições de desafetos.
O áudio de um grampo telefônico autorizado pela Justiça, obtido por Zero Hora, revela o que um dos mais perigosos traficantes do Estado faz com um celular nas mãos quando alguém o desafia.
Às 21h10min de 31 de maio de 2008, um sábado, Paulo Ricardo Santos da Silva, o Paulão, estava aborrecido numa das celas da Penitenciária de Alta Segurança de Charqueadas (Pasc). Paulão havia tomado conhecimento de que uma jovem, filha de um amigo da Vila Maria da Conceição, da Capital, teria dito que não o temia. Irritado, o traficante, hoje foragido, ordenou a Alexandre Medeiros Flores, o Nani: “fure” ou “quebre” o marido da jovem, um homem identificado apenas como Baba.
A seguir, um diálogo assustador:
Alexandre Medeiros Flores – Fala.
Paulão – Viu, quebra o Baba.
Flores – Quem?
Paulão – O Baba, quebra o Baba.
Flores – Tá.
Paulão – Quebra, quebra ele. Ou fura ele. O que tu quiser, mas quebra ele.
Flores – Tá.
Paulão – Não precisa dizer nada, só quebra ou fura ele.
Flores – Tá.
Paulão – Diz pra ele assim, viu?
Flores – Hum?
Paulão – Isso é pra tua mulher continuar dizendo que não tem medo de ninguém, entendeu. Tu tá apanhando porque a tua mulher não pode apanhar, porque é filha de um amigo meu. Entendeu? Tu vai apanhar pela tua mulher.
Flores – Ahã.
Paulão – Qualquer... agora tá dizendo que não tem medo de mim, meu!
Flores – Tá, vou resolver isso aí.
A Delegacia de Homicídios investiga o desfecho desse diálogo para descobrir o destino do marido da mulher destemida, que ousou enfrentar o chefão do tráfico na Maria da Conceição.
Susepe não informa os telefones usados
A Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe) não informou à Justiça quantos celulares são utilizados durante o expediente de trabalho por agentes penitenciários que atuam nas cadeias da Região Metropolitana. O pedido foi formalizado pela Vara de Execuções Criminais em setembro passado.
A partir da informação de que havia pelo menos 361 celulares em funcionamento nas sete principais prisões do Estado, em agosto de 2009, Sidinei Brzuska, juiz da VEC, solicitou o número dos aparelhos dos servidores civis e militares em atividade. A ideia era saber, a partir das informações repassadas pela Brigada Militar e pela Susepe, quantos dos 361 telefones eram utilizados legalmente pelos servidores dos seis presídios. A Brigada Militar respondeu: havia 24 em poder de PMs no Presídio Central e outros nove a serviço dos militares, na Penitenciária Estadual do Jacuí (PEJ).
A Susepe, porém, não informou à Justiça. Há pelo menos duas hipóteses para ausência de manifestação. A melhor: o acúmulo de trabalho tem atrasado o comunicado à Justiça. A pior: o silêncio sugere que a superintendência não sabe quantos celulares são usados pelos servidores nas prisões.
Diante da desinformação, o magistrado expediu o ofício número 90/2009, em 9 de novembro, reforçando a solicitação e alertando:
“...não havendo manifestação, todos os aparelhos móveis serão considerados irregulares.”
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