DESCONTROLE NA CADEIA
Presidiários zombam das autoridades ao postar comentários e imagens da rotina atrás das grades em sites de relacionamento
Uma febre entre os jovens está disseminada nas cadeias gaúchas. Presos zombam da sociedade postando em redes sociais imagens tiradas dentro dos presídios. Além de fotos, comentários em sites de relacionamento revelam o dia a dia atrás das grades de uma das maiores prisões da Serra, a Penitenciária Industrial de Caxias do Sul (Pics). A prática, comum também em outras casas prisionais do Estado, expõe o descontrole nas cadeias.
Aexibição virtual desafia as autoridades, que não conseguem impedir a entrada de telefones nos presídios, tampouco bloquear o sinal de celular. Pior: provavelmente a internet tem sido um canal alternativo de comunicação entre integrantes de quadrilhas recolhidos nos presídios e comparsas em liberdade.
Os apenados não têm receio de mostrar o rosto ou, até mesmo, de fazer pose. É o caso de Everson Ataíde dos Santos, o Cazuzinha, 21 anos, preso na Pics por receptação desde 2010. Ele abriu uma conta no site em fevereiro deste ano. Desde então, divulgou duas fotos de dentro da cela. Em uma conversa, publicada no dia 22 de março, um amigo de Everson comenta: “vagabundo, logo, logo tu ta no mumdao”. Nove horas mais tarde, o apenado responde: “É nos, mano veio”. O parceiro é um ex-apenado que deixou o sistema prisional em outubro.
Registro do momento de lazer dentro da cela
Em 8 de março, mais um detento postou fotos tiradas enquanto assistia à TV dentro da cela da Penitenciária Industrial de Caxias do Sul. A conta no Facebook havia sido criada um mês antes. Após ter a progressão de regime para o semiaberto autorizada pela Justiça, Marcelo Tomaz Feijó, 32 anos, ganhou liberdade provisória, decretada na quarta-feira.
Da mesma forma que deixam imagens e recados na página virtual, os presos também têm a opção de conversar de forma sigilosa com qualquer pessoa online. A reportagem apurou que presos do Complexo de Charqueadas, além de usarem internet contam com tablets.
*Colaboraram Adriano Duarte e Francisco Amorim
RÓGER RUFFATO* | CAXIAS DO SUL
Detentos alugam celulares
Detentos de Caxias são investigados pela Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe) há alguns meses. O delegado regional penitenciário, Roniewerton Pacheco Fernandes, ressalta que a maior dificuldade não é impedir a entrada dos telefones, mas sim os chips. Um único celular pode ser usado por dezenas de presos.
– O aluguel de aparelhos virou um grande comércio dentro das cadeias. Podemos apreender um celular, mas quantos chips estão vinculados a ele? – pondera Roniewerton.
Em média, a Susepe identifica de dois a três presos todos os meses com telefones nas celas. Geralmente, agentes corruptos facilitam o ingresso dos equipamentos ou visitantes levam os aparelhos nos órgãos genitais. Os telefones, embalados em invólucros de borracha, não são captados pelos detectores.
O esquema é beneficiado pela ineficácia da lei. Além de branda – detenção de três meses a um ano –, a legislação só prevê punição para quem é pego entrando, intermediando ou facilitando o ingresso de celulares nas prisões. Ou seja, detento flagrado não é atingido pela lei. No máximo, responde a procedimento disciplinar, cuja punição é o isolamento, sem direito a visita por até 30 dias, ou a prorrogação de prazo por algumas semanas para progressão ao semiaberto. Já o visitante tem a entrada proibida nas cadeias por 180 dias.
Presos têm tablets com conexão 3G
Com a entrada descontrolada de celulares nos presídios, o uso das redes sociais é apenas um dos efeitos visíveis da proliferação dos smartphones entre os presos. Sites como o Facebook, no entanto, são usados para diversão, não apenas para negócios ilegais.
– Encontramos até tablets nas celas. Preso ter Facebook é apenas consequência disso. É comum vermos fotos dos detentos dentro da cela com a família em visita – explica o juiz Sidinei Brzuska, da Vara de Execuções Criminais de Porto Alegre.
Aparelhos com 3G são vendidos por R$ 300. Conforme Brzuska, o uso de redes sociais é mais comum entre as detentas. Algumas criam perfis falsos para namorar.
Diferentemente de torpedos e salas de bate-papo da internet, as redes sociais normalmente não são empregadas para planejar crimes com comparsas. O objetivo seria bem mais simples, como explica o delegado Heliomar Franco, do Departamento Estadual de Investigações do Narcotráfico (Denarc):
– As redes são usadas na prisão para se exibir.
Conforme o delegado, as páginas pessoais são mais comuns entre presos menos conhecidos. Líderes de bandos e facções dificilmente são flagrados postando fotos ou vídeos. O mais comum, nesses casos, é que comparsas do lado de fora atualizem os perfis de seus chefes com informações que eles repassam por telefone.
Sistemas para bloquear são discutidos há 10 anos
Há uma década, as autoridades vêm renovando o anúncio de medidas que jamais se concretizaram. No Estado, desde 2006, promessas e testes com bloqueadores de sinal se sucedem sem conseguir silenciar os presos. Atualmente, segundo o delegado penitenciário regional, Roniewerton Pacheco Fernandes, está em teste um sistema importado da China no complexo de Charqueadas.
– O bloqueio de sinal é complicado e de custo elevado. O sistema geralmente faz sombra nos presídios e no entorno. Por esse motivo, as operadoras ampliam a potência do sinal, e as ligações se tornam facilitadas. Seria preciso uma legislação mais abrangente, algo que obrigasse as empresas a bloquear o número e o aparelho descoberto pela polícia – opina Roniewerton.
34.945 celulares foram apreendidos nas prisões do país em 2012 numa média de 4 a cada hora
Uma febre entre os jovens está disseminada nas cadeias gaúchas. Presos zombam da sociedade postando em redes sociais imagens tiradas dentro dos presídios. Além de fotos, comentários em sites de relacionamento revelam o dia a dia atrás das grades de uma das maiores prisões da Serra, a Penitenciária Industrial de Caxias do Sul (Pics). A prática, comum também em outras casas prisionais do Estado, expõe o descontrole nas cadeias.
Aexibição virtual desafia as autoridades, que não conseguem impedir a entrada de telefones nos presídios, tampouco bloquear o sinal de celular. Pior: provavelmente a internet tem sido um canal alternativo de comunicação entre integrantes de quadrilhas recolhidos nos presídios e comparsas em liberdade.
Os apenados não têm receio de mostrar o rosto ou, até mesmo, de fazer pose. É o caso de Everson Ataíde dos Santos, o Cazuzinha, 21 anos, preso na Pics por receptação desde 2010. Ele abriu uma conta no site em fevereiro deste ano. Desde então, divulgou duas fotos de dentro da cela. Em uma conversa, publicada no dia 22 de março, um amigo de Everson comenta: “vagabundo, logo, logo tu ta no mumdao”. Nove horas mais tarde, o apenado responde: “É nos, mano veio”. O parceiro é um ex-apenado que deixou o sistema prisional em outubro.
Registro do momento de lazer dentro da cela
Em 8 de março, mais um detento postou fotos tiradas enquanto assistia à TV dentro da cela da Penitenciária Industrial de Caxias do Sul. A conta no Facebook havia sido criada um mês antes. Após ter a progressão de regime para o semiaberto autorizada pela Justiça, Marcelo Tomaz Feijó, 32 anos, ganhou liberdade provisória, decretada na quarta-feira.
Da mesma forma que deixam imagens e recados na página virtual, os presos também têm a opção de conversar de forma sigilosa com qualquer pessoa online. A reportagem apurou que presos do Complexo de Charqueadas, além de usarem internet contam com tablets.
*Colaboraram Adriano Duarte e Francisco Amorim
RÓGER RUFFATO* | CAXIAS DO SUL
Detentos alugam celulares
Detentos de Caxias são investigados pela Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe) há alguns meses. O delegado regional penitenciário, Roniewerton Pacheco Fernandes, ressalta que a maior dificuldade não é impedir a entrada dos telefones, mas sim os chips. Um único celular pode ser usado por dezenas de presos.
– O aluguel de aparelhos virou um grande comércio dentro das cadeias. Podemos apreender um celular, mas quantos chips estão vinculados a ele? – pondera Roniewerton.
Em média, a Susepe identifica de dois a três presos todos os meses com telefones nas celas. Geralmente, agentes corruptos facilitam o ingresso dos equipamentos ou visitantes levam os aparelhos nos órgãos genitais. Os telefones, embalados em invólucros de borracha, não são captados pelos detectores.
O esquema é beneficiado pela ineficácia da lei. Além de branda – detenção de três meses a um ano –, a legislação só prevê punição para quem é pego entrando, intermediando ou facilitando o ingresso de celulares nas prisões. Ou seja, detento flagrado não é atingido pela lei. No máximo, responde a procedimento disciplinar, cuja punição é o isolamento, sem direito a visita por até 30 dias, ou a prorrogação de prazo por algumas semanas para progressão ao semiaberto. Já o visitante tem a entrada proibida nas cadeias por 180 dias.
Presos têm tablets com conexão 3G
Com a entrada descontrolada de celulares nos presídios, o uso das redes sociais é apenas um dos efeitos visíveis da proliferação dos smartphones entre os presos. Sites como o Facebook, no entanto, são usados para diversão, não apenas para negócios ilegais.
– Encontramos até tablets nas celas. Preso ter Facebook é apenas consequência disso. É comum vermos fotos dos detentos dentro da cela com a família em visita – explica o juiz Sidinei Brzuska, da Vara de Execuções Criminais de Porto Alegre.
Aparelhos com 3G são vendidos por R$ 300. Conforme Brzuska, o uso de redes sociais é mais comum entre as detentas. Algumas criam perfis falsos para namorar.
Diferentemente de torpedos e salas de bate-papo da internet, as redes sociais normalmente não são empregadas para planejar crimes com comparsas. O objetivo seria bem mais simples, como explica o delegado Heliomar Franco, do Departamento Estadual de Investigações do Narcotráfico (Denarc):
– As redes são usadas na prisão para se exibir.
Conforme o delegado, as páginas pessoais são mais comuns entre presos menos conhecidos. Líderes de bandos e facções dificilmente são flagrados postando fotos ou vídeos. O mais comum, nesses casos, é que comparsas do lado de fora atualizem os perfis de seus chefes com informações que eles repassam por telefone.
Sistemas para bloquear são discutidos há 10 anos
Há uma década, as autoridades vêm renovando o anúncio de medidas que jamais se concretizaram. No Estado, desde 2006, promessas e testes com bloqueadores de sinal se sucedem sem conseguir silenciar os presos. Atualmente, segundo o delegado penitenciário regional, Roniewerton Pacheco Fernandes, está em teste um sistema importado da China no complexo de Charqueadas.
– O bloqueio de sinal é complicado e de custo elevado. O sistema geralmente faz sombra nos presídios e no entorno. Por esse motivo, as operadoras ampliam a potência do sinal, e as ligações se tornam facilitadas. Seria preciso uma legislação mais abrangente, algo que obrigasse as empresas a bloquear o número e o aparelho descoberto pela polícia – opina Roniewerton.
34.945 celulares foram apreendidos nas prisões do país em 2012 numa média de 4 a cada hora
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