ÂMBITO JURÍDICO
Miza Tânia Ribeiro Marinho Ghader
Resumo: Neste trabalho tem como objetivo buscar aqui, analisar esta tendência que vêm se expandindo internacionalmente e tendo como reflexo no país sob vários aspectos. A Privatização do Sistema Prisional Brasileiro vem sendo debatido e se tornando como uma grande forma de saída para o caos do sistema prisional em nosso país. Será tratada neste trabalho, questões históricas ao que refere-se a ideia moderna de prisão, assim como a contextualização do que é o inferno nas prisões brasileiras. O trabalho ainda faz abordagem sobre as experiências de privatização de presídios que ocorrem nos Estados Unidos e aqui no Brasil, tendo em vista a questão das críticas ao modelo sob o prisma jurídico, econômico, político. Este trabalho trata do atualíssimo problema da privatização dos presídios brasileiros, incluindo seu impacto tanto no Direito Penal quanto na sociologia que envolve estudos relativos ao direitos, pelo qual há o envolvimento de estudos relativos ao direito de punir do Estado.[1]
Palavras-chave: Privatização. Sistema Prisional. Brasileiro.
Abstract: This work has as objective to analyze this trend that has expanding internationally and having as reflected in the country under some aspects: The Privatization of Brazilian Prisional System comes being debated and if becoming as a great form of exit for the chaos in our country prisional system. It will be treated in this work, historical questions related to the modern idea of prison, as well as the contextualization about what is the hell in the Brazilian prisons. The work still makes an approaching about the experiences of privatization of penitentiaries that occur in the United States and in Brazil, in a view about question of the critical model under the legal, economic, politician point. This work deals with the most current problem about privatization of Brazilian penitentiaries, including its impact in such a way in the Criminal law as well in the sociology view that involves studies related to the rights, specially to the right of the State punishment.
Keywords: Privatization. System Prison. Brazilian.
Sumário: 1. Introdução. 2. A pena e o direito de punir. 2.1. Histórico. 2.2. A privatização do Sistema Prisional. 2.3. Aspectos Históricos. 2.4. Aspectos Políticos. 2.5. Aspectos Éticos. 3. Arrendamento de prisões. 3.1. Gerenciamento privado de estabelecimentos prisionais. 3.2. Gerenciamento privado dos serviços penitenciários. 3.3. O Modelo Norte Americano. 3.4. A privatização do sistema prisional. 4. O surgimento da ideia privatizadora do sistema prisional. 4.1. Altos custos. 4.2. A humanização da pena de prisão. 5. O modelo apaqueano. 6. Conclusão. Referências.
1 INTRODUÇÃO
Sobre o tema abordado, antes de mais nada, há de se ter em primeiro lugar o entendimento do significado de “privatização”, como funciona a terceirização de serviços e não a ser entendido, como forma de venda de imóvel público. A privatização, pode-se dizer que é a entrega ao particular de encargo público, em outras palavras, entende-se que privatizar nada mais é do que a entrega do serviço público para que seja executado por terceiros, mediante compensação financeira, mas onde o Poder Público continua com o seu poder normativo, fiscalizador, de intervenção e complementador, quando razões de ordem pública determinarem.
Sobre o tema abordado, antes de mais nada, há de se ter em primeiro lugar o entendimento do significado de “privatização”, como funciona a terceirização de serviços e não a ser entendido, como forma de venda de imóvel público. A privatização, pode-se dizer que é a entrega ao particular de encargo público, em outras palavras, entende-se que privatizar nada mais é do que a entrega do serviço público para que seja executado por terceiros, mediante compensação financeira, mas onde o Poder Público continua com o seu poder normativo, fiscalizador, de intervenção e complementador, quando razões de ordem pública determinarem.
Em suma pode até se enfatizar que ninguém que medo ou receio de se aproximar de um político que já tenha sido preso, ou condenado se fosse o caso, até mesmo se tivesse cometido um homicídio, o mesmo voltaria para vida política e com um bom marqueteiro, até se elegeria novamente; mas infelizmente isso não acontece com pelo menos a minoria e das pessoas que por algum motivo, se depararam com uma situação desconfortável e que acabaram chegando ao ponto de pagar não só a pena, mas também com sua própria vida moral.
Há momentos vividos dentro da faculdade de direito, em que aprendi como as leis respeitam o ser humano, mas ainda não consegui aprender como o ser humano não respeita as Leis. Pois não bastam estarem no papel normatizadas, precisam ser aplicadas.
2 A PENA E O DIREITO DE PUNIR
O novo modelo de gestão empresarial do sistema prisional, em países como os Estados Unidos, a Inglaterra, a França e, e, especial o Brasil, produz reflexos profundos no Estado; logo na condição de detentor do exclusivo do monopólio da força e, por via de consequência, na essência da pena de prisão e do próprio direito de punir.
Com o passar dos tempos e das civilizações, obviamente, o direito de punir sofreu variações, principalmente com o surgimento do Estado. Segundo Eugenio Raúl Zaffaroni diz que a pena “há vários séculos procura um sentido e não o encontra, simplesmente, porque não tem sentido a não ser como manifestação de poder”. Em suma pode-se destacar as três formas de punição do início dos tempos; como a Punição Privada, a Divina e a Pública.
No que se refere a Punição Privada, desde os primórdios da civilização, onde não havia sociedade organizada e por consequência não existindo a figura do Estado, pois os homens viviam em clãs ou tribos e ligados pelos laços sanguíneos. Ocorria que se alguém infligisse dano a outra pessoa seria punido mediante ato da própria vítima ou de seus familiares, pela razão do mal sofrido.
Nesta época a punição Privada é considerada pela maioria dos autores como o marco inicial na evolução da pena, no que há de se convir, que tal punição se trata de nada mais do que uma vingança exercida pela própria vítima ou por seus familiares pelo motivo do mal sofrido. Sendo a vida do homem primitiva, entende-se que eles se sentiam protegidos pelo fato de viverem em família, unidos pelo fato de terem o mesmo “vínculo de sangue”; e por este motivo de seu origem a “vingança de sangue”, porque eles entendiam que isso era uma espécie de dever sagrado, pela razão de que um membro de uma determinada família teria de matar um membro de uma outra família, se por um acaso fosse vítima de um homicídio. Mas caso tal agressão fosse de um outro grupo, desvinculado destes laços de sangue, surgiria o início de uma grande guerra entre os grupos.
Percebe-se que nesta época tal vingança pessoal, não havia nenhuma proporção entre areação do ofendido e a ação do agressor, pois tais vinganças eram exercidas sem limites e sem nenhum tipo de controle, já que não havia uma forma de poder administrativo, mas o que existia era somente a preocupação com a punição e não com a causa do delito ocorrido.
Tendo a “Lei de Talião” em seu surgimento – abordando-se o respaldo por suas inúmeras legislações, como o Código de Manu e o Código de Hamurabi, a punição “Privada” desapareceu, mas houve a continuação da aplicabilidade só que maneira diferente, ou seja, a pena passou a guardar certa proporção em relação ao delito cometido.
Punição Divina, o jus puniendi possuía uma forma religiosa e havia com fundamento a justiça divina, pela qual a punição era representada a própria vontade dos deuses. O gregos, o hindus, os romanos, os babilônicos, os chineses, os egípcios e os persas adotaram tal maneira do direito de punir. Os deuses tinham uma influência muito profunda na vidas dos homens da Antiguidade, que surgia a interferência deles até no próprio julgamento do criminoso, onde pode-se ter como exemplo Orestes, filho do Rei Agamemnon e da Rainha Clitemnestra (de Micenas resectivamente).
“Na fase da vingança divina, o jus puniendi possuía um cunho religioso e tinha seu fundamento na justiça divina. A punição representava a própria vontade dos deuses. Os babilônios, os gregos, os romanos, os hindus, os egípcios, os persas e os chineses adotaram essa forma do direito de punir” (CORDEIRO, 2006, p.13).
A respeito da ilegalidade é constantemente vivida,conforme a quantidade de dispositivos jurídicos que se tem, para que se possa ser mantido no mínimo à estas pessoas ,a garantia da dignidade humana. Onde determina o artigo 3º da LEP : “Ao condenado e ao internado serão assegurados todos os direitos não atingidos pela sentença ou pela lei”.
Existe uma distância imensa entre a prática da realidade penal e o ideal normativo, dentro dos presídios. Logo, em nossa Constituição Federal em seu artigo 5º, III, estabelece que “ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante”, e no dentro do referido artigo no inciso XLIX, rege que : “ é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral. Tendo em vista que dentro da Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) e na Convenção Americana de Direitos Humanos (1969), em seus respectivos artigos 5º e em 5º,§ 2º. Onde pode-se ser consideradas as regras mínimas para o tratamento dos prisioneiros da ONU (1957) e também a Resolução nº 14/94 do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária. Diante da vasta lista de dispositivos jurídicos que foi mencionada, não deveriam ser desprezadas pelo Estado e ser tê-las como base para as políticas penitenciárias.
A Lei de Execução Penal é uma bela obra de ficção pela qual se encontra em nosso ordenamento jurídico brasileiro; criada para que se possa servir de orientação quanto as orientações e formas que a pena seria cumprida, por cada preso.
A Lei 7.210 /84, já nasceu morta, assim como muitas no Brasil. Pois pode-se ter esta visão da referida Lei pelo fato de em seus artigos 10 e 11, disporem sobre as espécies de assistência à que o preso tenha direito, que diz:
“Art. 10 - A assistência ao preso e ao internado é dever do Estado,objetivando prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em sociedade.
Parágrafo único: A assistência estende-se ao egresso.
Art.11 - A assistência será:
I - material;
II - à saúde;
III - jurídica;
IV – educacional;
V - social;
VI - religiosa.”
No artigo 12 da referida Lei, no tocante de seu conteúdo que fala à respeito da Assistência Material, se fazendo trazer a realidade dos presos, contrariam e muito o conteúdo de tal dispositivo legal. Quando o referido artigo rege que: “[...]fornecimento de alimentos,vestuário e instalações higiênicas.”, logo percebe-se que acontece ao contrário do que a Lei estabelece, pois se tem seres humanos vivendo em celas e corredores,onde os mesmos são obrigados a conviverem no meio de ratos e baratas, sem mencionar no mal cheiro que se exala de cada cela, pois não há higiene dentre eles. Assim, como o vestuário, não se tem. O esgoto pode ser visto a céu aberto, onde acontece em presídios de nosso país.
2.1 Histórico
Os primórdios bíblicos atestam os primeiros conceitos de sanção como decorrência de flexão de condutas em tese tipificadas. O conceito mítico do bem e do mal e a transgressão de normas estabelecidas sobre um poder supremo avocando o direito de punir nos remete a pena decorrente do pecado original, ruptura do preceito proibitivo da “árvore do conhecimento do bem e do mal”, pois mesmo Adão e Eva tendo plena consciência sobre tal advertência pelo ato que seria praticado, tornaria “crime de desobediência”, perante a ordem dada pelo Supremo Deus.
Na qual resulta-se na existência de uma tipificação, fruto da árvore proibida com a respectiva sanção, direito de punir Soberano de DEUS, em seu cumprimento sumário da pena, à saber, a partir daquela data o homem e mulher passariam a sofrer fisicamente e psicologicamente as sanções impostas pelo Senhor Deus (trabalho e labuta árdua em prol dos seus sustentos), além da expulsão de ambos do jardim do Éden. Conforme sita a bíblia sagrada em seu livro de Gênesis cap. 3: 16-19.
Destarte, é de bom alvitre ressaltar que o primeiro homicídio da história da humanidade fora perpetrado por um dos nossos ancestrais, a saber: Caim contra Abel seu único irmão, e que sua forma punitiva também fora imposta pelo Criador, em Gênesis cap.4: 9-12. Tirando assim de Caim as bênçãos que outrora este fazia jus, conotando desta forma, uma punibilidade excessiva conforme preceituavam os padrões éticos, religiosos e acima de tudo morais daqueles tempos. Observando-se assim o surgimento dos primeiros fatos relatados de cumprimento de sentença na história da humanidade.
Há ainda que se ressaltar a existência de várias outras modalidades de crimes e punições, dentre as quais a mais extrema de todas, ou seja, apedrejamento até a morte para os que viessem descumprir os ordenamentos previamente estabelecidos tendo como exemplo: adultério, homicídio, roubos, entre outros conforme determinava a cultura e costumes de cada comunidade especificamente desde os tempos primórdios da humanidade.
Sendo que em sua maioria, tais procedimentos foram passados diretamente a Moisés (provavelmente o primeiro desembargador do mundo), por Deus.
Pois Moises foi o único que teve a honra da por DEUS de julgar as pessoas pelos seus atos/crimes, conforme o capítulo de Êxodo cap. 18: 21-26.
Vale se ressaltar pra a realidade do mundo em que vivemos,pois conforme diz Bittencourt : “a prisão é uma solução amarga porém necessária”, onde se faz necessária a junção das palavras de Muñoz Conde: “sem a pena não seria possível a convivência em sociedade”.
2.2 A privatização do sistema prisional
Com o entendimento de Edmundo Oliveira , a ideia de prisão encontra seu antecedente mais remoto no início da civilização, quando as tribos primitivas prendiam o inimigo em cavernas, para a proteção da família e da tribo. Ainda faz citação como, por exemplo, o da prisão privada na história antiga, a masmorra, utilizada pelos hebreus.
Acontece que naquela época não havia ainda a figura do Estado e nem tão pouco a ideia de seu surgimento, assim como não havia sociedade politicamente organizada, e a soberania tinha o conceito desconhecido, logo não se pode falar em antecedente da prisão privada.
O surgimento da ideia de privatização do sistema penitenciário foi antevista no ano de 1.761 por Jeremy Bentham, onde fazia a defesa da entrega da administração das prisões à particulares, pela qual poderiam fazer uso como fábricas.
Na visão deste idealizador do panóptico, se fazia contrato com a administração e podendo até auferir lucros. Pois mesmo nesta época, neste século de XVIII, Bentham, teve já o entendimento dos possíveis abusos que poderiam surgir desta maneira de encarceramento, logo ele entendia que o contratante poderia te administrar a sua maneira, desde que não maltratasse, que não passem fome e que não houvesse mortes em grande número.
Destarte que Bentham, de acordo com seu entendimento havia muitas maneiras de se ter vantagens que se apresentou pelo panóptico, a mencionar:
“1) Vigília constante do inspetor;
2) Economia pois o trabalho de inspeção poderia ser feito apenas por uma pessoa e de modo bastante rigoroso;
3) Da mesma forma que os prisioneiros, os subordinados ao inspetor estariam sob constante e rigorosa vigília por parte deste.”
Na visão deste idealizador do panóptico, se fazia contrato com a administração e podendo até auferir lucros. Pois mesmo nesta época, neste século de XVIII, Bentham, teve já o entendimento dos possíveis abusos que poderiam surgir desta maneira de encarceramento, logo ele entendia que o contratante poderia te administrar a sua maneira, desde que não maltratasse, que não passem fome e que não houvesse mortes em grande número.
Fazia-se desnecessárias o uso de ferros ou castigos severos nos prisioneiros, pois com total ausência de motins, brigas, aglomerações ou até mesmo conspirações.
Havia ainda a questão que o panóptico permitia uma economia considerável aos cofres públicos, pois com a inexistência de qualquer forma ou possibilidade de fuga tornava desnecessário o gasto com uma construção de economicamente cara, ou seja, o edifício panóptico proporcionava uma adequação de punição, uma reforma necessária e aos cofres públicos uma considerável economia.
O surgimento da ideia contemporânea de privatização dos presídios veio através do sistema penitenciário falido, de forma onde a pena de prisão, forma de sanção ainda aplicada em maioria dos crimes, encontra-se de declínio, marcada por tamanha crueldade e responsável pelo perdimento da pessoa do “preso” , com o retorno da vida em sociedade.
Alguns Estados norte-americanos , no século XIX ,como Nova Iorque, faziam uso de estabelecimentos penitenciários a empresas privadas; assim como exemplo das prisões de Auburn e Sing-Sing, onde se teve esta experiência fracassada pelo motivo de várias denúncias de maus tratos e pelos abusos físicos cometidos contra os próprios reclusos.
Outro fato que levou à contribuição do insucesso desta empreitada, foi a utilização da mão-de-obra de forma gratuita dos presos pelos empresários gestores de tais prisões, dando-lhes uma proporção de um custo menor na produção e , com esta situação colocava os concorrentes em tamanha desvantagens , onde se resultou em grandes protestos.
Na Espanha, houve alguns estabelecimentos penitenciários que foram administrados por religiosas, mas sem a intervenção estatal, que foi o caso da “Casa Galera de Mujeres de Alcalá de Henares”.
Para Phil Smith, três fatores foram decisivos para que a ideia de privatizar prisões fosse retomada pelos Estados Unidos no século XX, a saber: 1) a ideologia do mercado livre; 2) o aumento exacerbado do número de prisioneiros; 3) o aumento dos custos da prisão.
Um estudo aprofundado do fenômeno da privatização das prisões, deve-se situar imprescindívelmente o tema no contexto histórico, político, social e econômico onde ensejou a proliferação desta maneira de gerenciamento de estabelecimentos penitenciários.
Somente há pouco tempo o preso começou a ser visto como “sujeito de direitos”, no que se deixou se ser apenas objeto da execução penal, portanto sendo-lhe assegurado o devido respeito à dignidade através de um tratamento justo e humano, podendo possuir a pena apenas em caráter ressocializador.
Se direcionando para as condições subumanas e também precária que são oferecidas ao recluso nos estabelecimentos prisionais, onde se verifica que não o cumprimento dos objetivos propostos em relação a pena prisional.
Por outro lado o índice de criminalidade teve um grande aumento a reincidência com índices enormes, o surgimento dentro dos próprios presídios que são as organizações criminosas, onde se faz um verdadeiro Estado paralelo, tendo em vista também a corrupção de alguns agentes penitenciários e policiais se alastrou. Estas características mencionadas são facilmente encontradas em inúmeros países do mundo e, mas em especial em nosso próprio país.
Sob a incapacidade comprovada do Estado para administrar o sistema prisional, assegurando os presos em sua custódia os direitos humanos, e em face da sua total impossibilidade de dar meios para que a pena, possa cumprir seus objetivos de prevenção, retribuição e de ressocialização, é que têm surgido algumas experiências quanto à forma de gerenciamento prisional.
Neste contexto é que a privatização está ganhando espaço em seu favor.
Para alguns defensores da ideia de privatização, se percebe que veêm a diminuição dos gastos do Estado com relação ao setor penitenciário, desta forma também como a eficiência que pode ser alcançada pela iniciativa privada na consecução dos fins da pena.
O Estado vem perdendo ao passar dos dias, no mundo globalizado em que vivemos, seu caráter intervencionista, seno assim inclusive nas áreas sociais, outrora regidas por políticas de natureza pública, como se faz o caso de previdência , da educação, da saúde. Sendo assim, que nesse Estado de mínima intervenção que a ideia de privatização dos presídios verificou este terreno fértil, segundo o qual o lucro é o principal, ou , senão o único objetivo.
Na incapacidade de proporcionar um excelente nível de ensino, de forma que não erradicar o analfabetismo, como também proporcionar um ótimo rendimento escolar, aos poucos o Estado ( e quando se à referência é apenas do Brasil) pode-se dizer que “se foi lavando as mãos” na área educacional, embora esteja em sua responsabilidade. E assim permitindo que particulares investissem na construções e no próprio gerenciamento de escolas e universidades, fazendo com que o sistema particular de ensino, se tornasse um filão de ouro, onde se é capaz de contrair lucros exorbitantes. Onde não pode se deixar de salientar que as escolas em via de regra, têm grande valia no seu oferecimento nível educacional aos seus alunos em relação aos da rede pública de ensino.
Por outro lado o sistema de saúde pública, se caracteriza pelo quadro de funcionários que são mau-remunerados, de hospitais incapazes de abrigar a grande demanda de pacientes, onde não há bons equipamentos. Onde o próprio Estado levou ao particular uma boa opção no mercado da saúde, e de maneira muito rentável.
A deficiência da previdência pública, que se impossibilita de prestar seu serviço de forma razoável a seus segurados e beneficiários, vitimada pela corrupção que se generalizou, que o Estado abre novamente espaço de forma rentável neste setor da previdência privada.
Destarte, que nem o próprio Direito Penal teve como escapar destes efeitos do neoliberalismo. Sendo que o Direito Penal tutela os interesses da coletividade, que se têm como interesse de salvar e guardar os bens que são “caros” ao indivíduo, assim como a liberdade, a vida e a honra.
Com o surgimento da globalização da economia, o Direito Penal teve que se adaptar a uma nova roupagem, através de lei criminalizadoras de condutas. Contudo, prevendo em maioria restrições à liberdade, ora pela flexibilidade na atuação dos órgãos encarregados da justiça penal.
De acordo com Luiz Flávio Gomes, são sete os pecados capitais do Direito Penal globalizado:
“1) hipertrofia irracional (caos normativo); 2) instrumentalização (do Direito Penal); 3) inoperatividade, seletividade e simbolismo; 4) excessiva antecipação da tutela penal (prevencionismo); 5) descodificação; 6) desformalização (flexibilização das garantias penais, processuais e execucionais); e 7) prisionalização (explosão carcerária).”
Ao editar as leis o legislador brasileiro , eventualmente edita em caráter descriminador e despenalizador, tendo como objetivo de satisfazer ao Estado oferece uma resposta estatal, ao comportamento delitivo, e de forma mais eficaz e formal.
Nossa própria Constituição Federal, em seu artigo 98, inciso I, estabelece que a União, No Distrito Federal e nos Territórios, e os Estados, criariam juizados especiais, “competentes para a conciliação, o julgamento e a execução de (...) infrações penais de menor potencial ofensivo, mediante os procedimentos oral e sumaríssimo”, podendo ser feita a transação.
A Lei nº 9.099/95, em sua conformidade que se instituiu aos Juizados Especiais Cíveis e Criminais, cujo a inauguração de um novo modelo de justiça penal, denominado-se consensual, onde o Ministério Público, em alguns casos previstos na legislação, pode se dispor da persecutio criminis através da aplicação de aplicação de institutos despenalizadores e descarcerizadores, a saber que: suspensão condicional do processo e a transação penal.
Destarte que a Lei nº 9.714/98, em sua alteração a redação da Parte Geral do Código Penal, onde se observou novas formas de modalidades de penas alternativas, assim como ampliou as possibilidades de aplicabilidade de substitutivos penais à pena privativa de liberdade cuja condenação não ultrapasse de a quatro anos e também quando o crime não tenha sido cometido com violência ou mesmo com grave ameaça à pessoa, e desta forma nos crimes culposos, qualquer que seja a pena aplicada.
Ao mesmo tempo em que na legislação penal sendo aplicada em uma postura moderna, como a que é estabelecida nas Leis nº 9.099/95 e na Lei nº 9.714/98, mas em relação à mídia e a sociedade não há resistência do Brasil, tendo em vista que a própria sociedade está assustada com índice enorme e que vêm crescendo a cada dia, assim como a ousadia dos criminosos, onde ocasionalmente não deixa de envolver no ordenamento jurídico leis rigorosas, com penas mais severas, de forma a serem cumpridas em regime de preferência integralmente fechado.
A tendência da privatização do sistema penitenciário, não teve como o Brasil resistir levada a efeito pelos Estados Unidos e, copiando tal ideia, vem adotando ainda que forma lenta, um modelo novo de gerenciamento prisional. Onde surge a cobiça do empresariado agora no rentável mercado das prisões.
A forma abordada de privatização, que vem surgindo como uma onda, na questão da proposta da prestação de determinados serviços e tendo com isso a qualidade de baixo preço, e que não há um bom resultado, podendo ser vista no setor de telefonia, esgoto e água.
Logo, tendo visto a questão do envolvimento da privatização e a terceirização do sistema prisional tem mais complexidade, de forma que não pode ser vista somente pelo lado lucrativo.
2.3 Aspectos históricos
Destarte que foi visto que desde o fim da vingança privada e do surgimento do Estado, sempre foi considerado o direito de punir sendo uma característica inerente do ente estatal, seno o único que tem legitimidade para exercer o monopólio do uso da força física, através dos órgãos encarregados para este fim, sendo “solo El Estado puede ejercitar El ius puniendi de maneira imparcial, institucional e coactiva”.
Porém vivia-se o homem em um estado de pobreza , sendo que a liberdade era exercida sem qualquer limite, em um constante estado de guerra, onde renuncia a sua porção individual de liberdade em favor do Estado.
O homem perdia assim sua liberdade natural e um direito ilimitado em relação a tudo o que fosse desejável. Por outro lado, havia o ganho a liberdade civil e o direito à propriedade, assim prevalecendo a vontade geral. Onde se deixava o homem de ser um “ animal estúpido e limitado”, se transformando em contrato social “ num ser inteligente, num homem”.
Diante do pacto social existente, passou o Estado a exercer, através da soberania, um poder absoluto sobre seus membros, onde era o único detentor do poder, pois ditava as leis, executava e interpretava e, tudo em prol do bem comum.
A sociedade ficou indissociável do conceito de Estado, sendo assim considerada um de seus elementos essenciais. Defendida por Jean Bodin como elemento essencial do Estado, uma e indivisível, indelegável e irrevogável, a soberania encontra seus fundamento no momento histórico que culminou com o surgimento do Estado moderno, o qual procurava se desvincular de forma definitiva do poder da Igreja, devendo ser assentado numa monarquia independente e absoluta, sem sofrer ingerências do poder secular.
Beccaria (2000, p.41) via a soberania como a soma das porções de liberdade individual, sacrificadas pelo homem em favor do bem comum, sendo o soberano “o seu legítimo depositário e administrador”.
“Sendo a soberania um poder absoluto do Estado perante os seus membros, unidos pelo pacto social e refletindo a vontade geral, ela jamais poderia ser alienada ou dividida, sob pena de destruição do próprio corpo político. Era justamente pela soberania que o Estado exercia o monopólio legítimo do uso da força física.” (CORDEIRO, 2006, p.71).
De igual forma, a soberania era considerada indelegável, não podendo o Estado transferi-la a outrem, visto que a vontade geral não poderia jamais ser transferida.
Sem querer aqui adentrar nas incansáveis discussões acerca das teorias do Estado, sob as mais variadas concepções, dentre elas a de cunho sociológico, o fato é que, representando o domínio dos mais fracos pelos mais fortes (Franz Oppenheimer), o poder organizado para a opressão de uma classe por outra (Karl Marx), tendo como seu fundamento a força (Leon Trotsky), não se pode olvidar que ao longo dos tempos o Estado é tido como único entre com o direito de utilizar-se da violência de forma legítima, seja ela física ou material.
Dentro do seu poder de império, é o Estado o único ente com o poder de estabelecer regras de comportamento, dispondo dos meios materiais necessários para fazer que elas sejam observadas, exercendo, assim, o monopólio da coação organizada e incondicionada. Sendo a execução penal uma consequência do direito de punir, representa ela também o jus imperium do Estado”.
Dentro do seu poder de império, é o Estado o único ente com o poder de estabelecer regras de comportamento, dispondo dos meios materiais necessários para fazer que elas sejam observadas, exercendo, assim, o monopólio da coação organizada e incondicionada. Sendo a execução penal uma consequência do direito de punir, representa ela também o jus imperium do Estado”.
Assim, a soberania serviu para justificar tanto o poder supremo do monarca sobre os demais poderes existentes à época, quanto sobre cada um de seus súditos.
“Sendo a soberania um poder absoluto do Estado perante os seus membros, unidos pelo pacto social e refletindo a vontade geral, ela jamais poderia ser alienada ou dividida, sob pena de destruição do próprio corpo político. Era justamente pela soberania que o Estado exercia o monopólio legítimo do uso da força física” (CORDEIRO, 2006, p.71).
Em outras palavras, sob o prisma da teoria contratualista, a privatização dos presídios importa na delegação da soberania do Estado, único ente com o poder de legislar, prender, julgar, punir e executar seus julgados, através de seus diversos órgãos.
Ora, é da essência do Estado exercer “o monopólio social da coação organizada, o poder incontrastável de ditá-la e impô-la indistinta e irresistivelmente a todos os grupos sociais”, esclarece Cordeiro (2006), portanto, a ideia privatizadora dos presídios abre caminho para que um determinado grupo social passe a exercer o poder de coerção física sobre outro grupo social, numa verdadeira negação do Estado.
De outra forma, renunciando o Estado a parcelas de sua soberania, precedentes estarão abertos para que grupos,facções e instituições venham a enfraquecê-lo, comprometendo assim, a sobremaneira e a supremacia do poder político estatal.
Vendo por outro lado, a punição tem sido utilizada e defendida como método de controle do crime, justificando o próprio direito de punir do Estado, com seus mecanismos punitivos a serem empregados pelos órgãos destinados a exercê-lo.
A forma de punição tem variado conforme o momento histórico vivenciado por determinada sociedade, porém, não se deve esquecer que a punição ao longo dos tempos, de um modo mais ou menos intenso, sempre guardou consigo um certo ranço de vingança, nunca se desvinculando de sua finalidade retributiva. Conforme Oswaldo Henrique Duek Marques (2000):
“(...) não pode ser afastada da pena sua função de veicular e canalizar a demanda primitiva por vingança demanda essa que traduz uma realidade do inconsciente coletivo. De fato, não se pode excluir da reação punitiva essa função, tão-somente porque a punição encontra arrimo nos textos legislativos ou porque é referendada pela ordem social.”
Portanto, nunca tendo a pena se desvinculado de seu caráter retributivo, sendo vista pela sociedade como forma de vingança a ser aplicada ao criminoso que violou as regras sociais impostas, parece inadequada a transferência da responsabilidade de sua execução para o particular, numa verdadeira anomalia histórica.
É de ressaltar que, mesmo monopolizando o exercício da força física, ao longo da história da Humanidade, o Estado sempre se valeu de abusos e excessos a pretexto de controlar o crime, através da aplicação de penas humilhantes, brutais, como ocorreu durante o Estado absolutista. E continuou servindo-se de tais práticas mesmo nos Estados liberal, social e neoliberal, onde a tortura foi e ainda é meio utilizado para a obtenção de confissões e as condições de encarceramento atingem formas subumanas, tornando a pena privativa de liberdade de um verdadeiro tormento para aquele que a cumpre.
Mesmo em se tratando dos documentos internacionais,nem mesmo eles, como a Declaração Universal de Direitos do Homem, as Regras Mínimas para a Prevenção do Delito e Tratamento do Delinquente, a Convenção contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanas ou Degradantes, ou a consagração nas constituições modernas da dignidade humana como fundamento do Estado Democrático de Direito, foram suficientes para conter os abusos do Estado diante dos direitos humanos mais elementares do homem livre e, em especial, do preso.
O Estado com todas as suas normas de proteção à dignidade humana e à liberdade e, com todos os órgãos encarregados de fiscalizar tais direitos considerados fundamentais ao próprio Estado de Direito, não conseguiu eliminar os abusos de decorrentes da execução da pena privativa de liberdade, logo pode-se imaginar o que poderá ocorrer se tal responsabilidade for transferida para o particular? Não poderia ser um visão pessimista prever o remoto da vingança privada, num retrocesso histórico sem precedentes.
Destarte que a situação do recluso, por vezes, impõe a utilização da força letal por parte da administração prisional,onde esta, para manter a ordem é dotada de uma certa discricionariedade e também a disciplina no estabelecimento, onde é uma decorrência da própria soberania do Estado.
Entretanto, se faz há menção da preocupação com a transferência desta discricionariedade para o particular, onde poderá dar azo a abusos que escaparão por completo ao controle do Judiciário e das demais instituições que são encarregadas de velar pela fiel execução da pena privativa de liberdade.
Em face das dificuldades em investigar e apurar responsabilidades sobre desvios da execução penal, favorecimento à fuga de presos, corrupção de agentes penitenciários, violência policial e crimes no interior dos presídios controlados pelo Estado e fiscalizados por suas instituições, mais complicado ainda será fazê-lo num estabelecimento prisional privado.
“Também em decorrência do direito de punir, é comum a utilização da força física pelo Estado para conter rebeliões, motins e fugas nos estabelecimentos prisionais, geralmente, ocorrendo excessos, como aconteceu na Casa da Detenção do Carandiru, em 1992, um exemplo claro do uso da força física abusiva por parte do ente estatal, sob os olhos das câmeras de televisão, da sociedade e do mundo, culminando com o assassinato de pouco mais de uma centena de detentos” (CORDEIRO, 2006, p.74).
Então, como admitir a transferência da utilização da força física para o particular? Sob o comando de quem? Sob a responsabilidade de quem? Como permitir que um indivíduo funcionário de uma empresa privada adentre num estabelecimento prisional para conter uma rebelião, fazendo uso de armas e de violência contra presos julgados e punidos pelo Estado? Quem dará a ordem de invasão? Quem fornecerá as armas? Como fica a responsabilidade do Estado em relação ao preso de um estabelecimento prisional privado? Até onde vai essa responsabilidade?
Tais indagações, apesar de já questionadas, jamais foram respondidas a contento pelos defensores da privatização dos presídios.
Charles Logan (2002):
“Ao enumerar dez categorias para estudar o assunto da privatização das prisões, dentre elas propriedade, qualidade, custo, responsabilidade, quantidade, segurança, corrupção, assevera que para qualquer problema levantado em relação às prisões privadas existe um semelhante para as prisões públicas. Por esse raciocínio, excessos no uso da força física contra os presos podem ocorrer tanto nas prisões privadas quanto nas públicas, contudo, o Estado e o particular devem obediência à lei. Eis uma resposta evasiva e óbvia.”
Uma das questões cruciais que envolvem a problemática da privatização das prisões consiste justamente na indelegabilidade do jus puniendi, como característica da própria soberania do Estado.
Transferir a execução da pena privativa de liberdade, parte indissociável do direito de punir, para a iniciativa privada implica uma delegação do próprio jus puniendi, capaz de comprometer a soberania do Estado que, até então, desde o fim da vingança privada, sempre foi o detentor exclusivo do exercício da força física sobre o indivíduo.
Transferir a execução da pena privativa de liberdade, parte indissociável do direito de punir, para a iniciativa privada implica uma delegação do próprio jus puniendi, capaz de comprometer a soberania do Estado que, até então, desde o fim da vingança privada, sempre foi o detentor exclusivo do exercício da força física sobre o indivíduo. Ademais, o Estado é responsável por cada um de seus cidadãos, em especial, aqueles que se encontram sob sua custódia. A transferência dessa responsabilidade abre espaço para que os direitos humanos mais elementares sejam violados, distantes de qualquer controle.
No entendimento de Luis Fernando Camargo e Barros Vidal, a privatização tem em seu significado em que a entrega pelo Estado ao particular da tutela do bem mais caro ao homem – a liberdade. E diz mais, “é a negação do Estado pela usurpação dos poderes a ele conferidos pelo indivíduo; é flanco aberto e direto à superação do Estado”.
A iniciativa privada, ao se responsabilizar pela execução penal, poderá cumprir tal tarefa de forma parcial, estando sujeita às pressões populares, levando a aplicar aos presos sob sua custódia, procedimentos diversos daqueles fixados pela sentença condenatória, uma vez que fora do controle do Estado. A vingança privada poderia retroceder no tempo.
A privatização dos presídios coloca em risco a segurança jurídica, o princípio da inocência e a própria função do Estado na condição de responsável pela execução penal. Outrossim, contraria a essência do pensamento liberal – ainda encontrada e nossa própria Constituição Federal -, marcada pela limitação do poder do Estado ante o indivíduo.
Declara Newton Fernandes (2000) que:
“(...) inicialmente, o Estado, seja do ponto de vista moral, seja do ponto de vista jurídico, não está legitimado para transferir a uma pessoa, natural ou jurídica, o poder de coação de que está investido e que é exclusivamente seu, por ser, tal poder, violador do direito de liberdade. Além disso, seria intolerável que um indivíduo, além de exercer domínio sobre outro, aufira vantagem econômica do trabalho carcerário. (...) Sendo a execução penal, uma atividade jurisdicional indelegável, pode-se concluir que a administração penitenciária é, também, indelegável e só poderá ser exercida pelo Estado. A violação da indelegabilidade da atividade jurisdicional importa em inconstitucionalidade. (...) A Lei de Execução Penal, além de proibir que o trabalho carcerário seja gerenciado por empresas privadas, proíbe, também a delegação da gestão penitenciária aos participantes.”
Para que se tenha uma ideia do real significado da privatização dos presídios, basta analisar a informação prestada por Raymundo Baptista de Oliveira, diretor do Centro de Treinamento de Profissionais de Segurança Thor e presidente da ASIS, ao dizer que nos Estados Unidos da América as condições dos presos são consideravelmente melhores em relação ao Brasil, as celas são individuais, as delegacias abrigam apenas presos provisórios por curto período de tempo, “a violência na prisão é duramente reprimida para que se mantenha a ordem e possibilite a recuperação dos detentos”.
O que traz grande preocupação é justamente a forma empregada pelos administradores das prisões privadas para coibir a violência no interior de seus estabelecimentos, mediante a utilização de métodos repressivos que fogem por completo ao controle do Estado e, pior, quando não se encontram legitimados para tanto.
Ademais, a experiência norte-americana vivenciada pelos estabelecimentos prisionais privados não é tão deslumbrante e cheia de êxito quanto se alardeia.
2.4 Aspectos políticos
Situação não menos preocupante a envolver a privatização dos presídios diz respeito à possibilidade desse rentável mercado de controle do crime propiciar um incentivo cada vez maior à criminalidade e também à adoção de políticas de encarceramento, tal como se constata nos Estados Unidos, cujo índice de encarceramento é o segundo maior do planeta.
“O modelo econômico neoliberal globalizado tem demonstrado que os seus tentáculos são irrefreáveis, ressentindo-se os seus efeitos nas economias do mundo inteiro, daí porque se argumenta que a lucratividade da privatização dos presídios poderá levar ao incentivo do aumento da criminalidade e das taxas de reincidência, uma vez que o encarceramento passará a ser sinônimo de lucro. Enfim, a avidez capitalista por lucro poderá fazer do crime uma verdadeira industriam” (CORDEIRO, 2006, p.78).
Numa visão tipicamente capitalista, as empresas privadas que administram as penitenciárias volvem os olhos apenas para os estabelecimentos capazes de gerar lucros, aqueles considerados “ponta leve do sistema”, ou seja, os estabelecimentos de pequena e média segurança, deixando o Estado responsável pelo setor mais problemático do sistema prisional.
O desinteresse das empresas pela administração de presídios considerados de segurança máxima se dá pelo fato de implicar maior custo (investimentos em equipamentos de alta tecnologia) e maior preocupação (rebeliões, fugas). Ao contrário do que acontece na “ponta leve do sistema”, onde o investimento é menor e o lucro é garantido.
“Tornando-se a prisão um negócio lucrativo sob variados ângulos, gerando lucros para empresas de construção e engenharia, de equipamentos de segurança, eletrônica, alimentação, etc., aqueles que sonham com sua destinação para o cumprimento de pena decorrente de delitos de média e alta gravidade se tornarão vozes no espaço, e a estes sucederão os lobistas, os empresários desse novo modelo industrial, que cada vez mais alimentarão o rentável caldeirão do aprisionamento” (CORDEIRO, 2006, p.79).
Recaem sobre a Corrections Corporation of America (CCA), uma das maiores empresas do ramo da administração prisional, sérias denúncias de corrupção e relações escusas com o Estado do Tennessee, onde possui estreita amizade com as mais altas autoridades. Inclusive, a CCA está sendo investigada pelo possível pagamento de propinas que giram em torno de um milhão de dólares para administrar o South Central Correctional Center, em Pikeville. Igual suspeita recai sobre vários outros contratos adquiridos pela CCA.
O incentivo ao crescimento da indústria do encarceramento nos Estados Unidos, constatou-se que não é feito apenas pelas empresas, mas também pelos próprios sindicatos de guardas prisionais, defensores ardorosos da expansão das prisões privadas, afinal, implica mais contratações de guardas, salários mais altos e maiores benefícios.
Denuncia Eric Lotke que o ganho médio anual de um guarda de prisão na Califórnia é superior ao que ganham professores de escolas e universidades. Diante dessa peculiar e favorável situação, os sindicatos chegam até a fazer “lobby por sentenças mais longas e leis mais duras”.
2.5 Aspectos éticos
A dor, o sofrimento, os maus-tratos, a perda da auto-estima, a estigmatização, o rompimento de laços familiares e afetivos, a violência cotidiana sofrida no interior da prisão, enfim, todos esses aspectos negativos, dentre tantos outros, são indissociáveis do encarceramento, até mesmo complementares à pena privativa de liberdade, especialmente no Brasil, onde a triste situação carcerária foi denunciada de forma irrepreensível pela HumanRights Wacht, que entendeu ser necessária uma constante fiscalização internacional do tratamento dos presos no país.
É nesse contexto de inevitável imposição de sofrimento ao recluso que grande crítica tem sido feita à privatização dos presídios, uma vez que possibilita o auferimento de lucro em detrimento do “sofrimento humano”.
Para Cordeiro (2006, p.80): “Transformar o preso em mero instrumento de obtenção de lucro, indiscutivelmente, fere a sua dignidade, deixando-o completamente à mercê de sua própria sorte, distanciado de qualquer controle estatal”.
A dor e o sofrimento como fonte de lucro traz uma certa inquietação, pois quanto maior a dor e o sofrimento maior será o lucro obtido, e quanto maior o número de aprisionamento maior o número de estabelecimentos prisionais e de empresas particulares a administrá-los.
“A privatização das prisões reflete um problema de natureza especialmente ética, uma vez que a sua força motriz é a maximização do lucro, o que impede a necessária preocupação com os direitos dos presos. Ademais, nas prisões públicas, os administradores são agentes públicos, representantes do Estado” (CORDEIRO, 2006, p.80).
Parece até incoerente que o Estado, através de seus diversos agentes – no caso do Brasil, todos os agentes públicos concursados – prendam, acusem, julguem o homem e ao final entreguem ao particular a tarefa de executar a pena imposta, mediante o auferimento de lucro.
Nesse diapasão, poder-se-ia chegar ao absurdo de começar a se pensar em privatizar a polícia, o Ministério Público e a magistratura, afinal, se a tarefa-fim da persecução criminal foi privatizada, por que não fazê-lo logo em seu nascedouro?
É de se atentar que muitas funções, outrora de caráter eminentemente público, no âmbito do sistema policial, judiciário e penitenciário, estão sendo privatizadas.
O setor da segurança privada cresceu vertiginosamente em relação ao da segurança pública, com grande aumento na contratação de guardas privados em relação a policiais. A criação dos tribunais arbitrais tem deslocado muitas demandas do Judiciário para serviços privados de mediação e arbitragem. Alguns estados vêm contratando empresas particulares para construírem e administrarem estabelecimentos penitenciários.
Desse modo, não há como conter uma certa preocupação diante da dúvida em relação a quem caberá conter esse desenfreado e lucrativo mercado da dor. De igual forma, se constata uma inquietação sobre o interesse em se conter a criminalidade e o crime organizado. Talvez não possa mais sequer interessar a alguém investir em políticas sociais capazes de inibir a delinquência, principalmente a juvenil.
Passando o preso a ser objeto de lucro, não interessará à empresa, segundo uma visão mercantilista, a sua ressocialização, sendo “evidente que não interessaria a uma empresa privada ressocializar ninguém, muito pelo contrário, um homem ressocializado seria menos um em suas celas”, destaca Moreira (2002, p.55).
Também não é pessimismo imaginar que o objetivo da execução penal seria completamente desvirtuado, uma vez que a finalidade ressocializadora seria relegada a segundo plano, em detrimento da lucratividade que o preso passa a representar. Assim, Carvalho (1994, p.113) afirma:
“(...) as penitenciárias particulares transtornariam o objetivo da execução penal, subordinando a reinserção social do preso ao lucro que ele representa, não só pela taxa paga pelo Estado, como também por ser, no interior do presídio, mão-de-obra barata, dócil e manipulável.”
Como bem observou Eric Lotke, “as companhias de prisões privadas constituem hoje um novo ingrediente na economia dos Estados Unidos”.
Sinonimizando o encarceramento a obtenção de extraordinários lucros, compreensível a atitude das empresas desse ramo em fazer verdadeiras campanhas publicitárias para influenciar a opinião pública a exigir maior rigor na punição e, portanto, mais prisão.
Essa atitude já tem se concretizado, basta ver o quanto os noticiários de televisão e os jornais primam em mostrar exaustivamente a ousadia do crime e a impossibilidade dos operadores jurídicos de manter por detrás das grades os transgressores da ordem jurídica, violadores da paz social.
Outrossim, a publicidade dos produtos a serem utilizados pela indústria do encarceramento evidencia a completa banalização da situação do homem preso, reforçando o novo papel que assume na economia neoliberal, ou seja, de mero objeto de lucro.
Segundo Nils Christie, a Corrections Today é a revista da American Correctional Association encarregada de fazer toda a publicidade do setor, e os anúncios nela encontrados são os mais variados possíveis, vejamos alguns que merecem ser transcritos:
“Penitenciária e cadeia do condado de Albany. 64 dormitórios ‘estilo cadeia’ (...) construída em seis meses. (anúncio da empresa Beestel).
PULSEIRA DE PRESO
Identifique o preso com uma pulseira à prova de água. Dois fechos de metal garantem um sistema de identificação não-transferível e durável. Não são necessárias ferramentas especiais para fechar nossos fechos metálicos. Disponíveis sistemas de escrita na superfície ou de inserção de cartões. SECURBAND, a solução para a identificação do preso
Alguns presos adorariam apunhalar, retalhar, espancar, esmurrar e queimar você. Mas não vão conseguir atravessar sua roupa STAR Special Tactical Anti-Riot (Tática Especial Antimotim).
A superlotada prisão do condado de Dekalb, perto de Atlanta, Geórgia, abriga mais de 1.200 presos. No inverno de 1989, as autoridades decidiram começar a colocar nos presos pulseiras de código de barras com a mesma base tecnológica do código de barras usado nas lojas e roupas e nos supermercados.”
Além dos anúncios acima transcritos, a revista Corrections Today faz publicidade de empresas fornecedoras de alimentos para as prisões, anunciam modelos de armas modernas não-letais, gás lacrimejante, celas portáteis, algemas forradas, cadeiras imobilizantes, cinturões eletrificados de descarga mortal, sistemas de vigilância eletrônica, etc.
Existe até o “salão da carceragem”, um evento com duração de cinco dias, onde são expostos serviços e produtos do setor, reunindo todos os profissionais da área, tendo por responsável a American Correctional Association. Uma agência corretora de administradoras de prisão assim anuncia:
“Prisões privadas: maximize o retorno de investimentos nesta explosiva indústria... enquanto encarceramentos e condenações permanecem em crescimento, ganhos serão obtidos – lucros dos crimes. Suba no andar térreo desta crescente indústria agora!”
Como se pode extrair da leitura desses anúncios, está ocorrendo nos Estados Unidos uma verdadeira banalização da prisão, instituição encarregada de privar o indivíduo do bem maior depois da vida.
“Inúmeras outras empresas do ramo da telefonia, treinamento de guardas, lavanderia, alimentação, etc., oferecem serviços especializados para as prisões privadas, num custo mais baixo, variável de 5% a 15% em relação ao setor público”, expressa Cordeiro (2006, p.84).
Porém, essa propalada economia deve-se ao fato de tais empresas pagarem salários inferiores aos guardas e funcionários, além da discutível qualidade dos serviços prestados. Com a privatização das prisões, o encarcerado volta a ser visto como mero objeto, sendo sua desgraça uma fonte de lucro cobiçada pelo empresariado ávido de rendimentos, tudo isso aliada à conivência de um Estado cada vez mais desinteressado com os problemas sociais.
E não é só isso, nos Estados Unidos, as empresas da indústria do encarceramento recrutam para seus quadros os mais altos funcionários do governo ligados à área penitenciária, “a fim de difundir no Estado a ideia segundo a qual o recurso ao setor privado é o meio indicado, ao mesmo tempo eficiente e econômico, para perseguir a inelutável expansão do aprisionamento da miséria”.
A privatização das prisões ainda tem o condão de afastar por completo a participação da comunidade na execução da pena, participação essa tão salutar e capaz de excelentes resultados, a exemplo do quem têm feito as APACs no Brasil.
Além do aspecto ético da questão que envolve a privatização dos presídios, acrescente-se um aspecto outro de natureza simbólica que, segundo a American Bar Association, não somente a autoridade judiciária como também todo o sistema judiciário ficam enfraquecidos “quando um prisioneiro olha para o uniforme de seu guarda e, em vez de encontrar um emblema em que lê: “Federal Bureau of Prisions” ou “State Department of Corrections”, ele vê um que diz: “Acme Corrections Company?”.
A atividade jurisdicional – aqui compreendida como processo criminal, a sentença condenatória e a prisão – reveste-se de um simbolismo em que o Estado exerce toda a sua autoridade sobre cada cidadão. Portanto, delegar parte dessa autoridade a um particular representa um enfraquecimento de seu poder de coação e coerção sobre o indivíduo que vive sob a égide de suas leis.
O uso de símbolos é, decerto, uma forma eficiente de difundir uma ideologia, crença ou ideia entre os indivíduos. Por isso muitos estadistas recorreram ao uso de símbolos, tal como ocorreu com Hitler, que, através da suástica nazista, conseguiu despertar o fascínio de seu poderio entre os alemães e o temor entre os judeus.
3 ARRENDAMENTO DE PRISÕES
No arrendamento das prisões não ocorre privatização propriamente dita, não se podendo falar aqui em execução da pena privativa de liberdade por parte da iniciativa privada, a exemplo do que ocorre nos modelos de gerenciamento privado dos estabelecimentos prisionais e dos serviços penitenciários.
Por esse modelo, a empresa privada constrói o estabelecimento prisional às suas próprias expensas e, em seguida, arrenda o imóvel ao Estado, a quem caberá a execução da pena privativa de liberdade em toda a sua plenitude.
A participação da empresa particular se limita ao projeto, financiamento e construção do presídio, não promovendo qualquer atividade e afeta à execução da pena.
“Tratando-se de arrendamento ou leasing, depois de determinado período de tempo, em geral longo, o imóvel passa a ser de propriedade do Estado. Nos Estados Unidos da América, alguns estados têm preferido esse modelo de arrendamento ou leasing, por não importar num excessivo custo aos cofres públicos, muito além dos valores que podem ser destinados ao setor penitenciário” (CORDEIRO, 2006, p.90).
A maior crítica a essa alternativa de arrendamento de prisões se dá justamente pelo fato de burlar a necessária aprovação popular, por meio de plebiscito, para o endividamento estatal além dos limites previstos pela legislação. Ou seja, o Estado contrai uma dívida que não passa sob o crivo do cidadão, numa espécie de burla à democracia norte-americana.
Para melhor entender, nos Estados Unidos, se o gasto com o setor penitenciário ultrapassar os limites previstos, é necessária a realização de um plebiscito para autorizar tal gasto.
Entretanto, dificilmente o resultado do plebiscito será favorável, devido à antipatia da sociedade em investir dinheiro público nesse setor. Assim, o Estado fica com o sistema penitenciário à beira de um colapso, a necessitar de mais prisões e maior disponibilidade de celas, sujeito à intervenção judicial, sem, no entanto poder investir recursos para solucionar o problema.
3.1 Gerenciamento privado de estabelecimentos prisionais
Alguns dos estabelecimentos prisionais norte-americanos adotam o modelo privatizador em seu sentido amplo, sendo plena a participação da iniciativa privada na execução penal.
“A iniciativa privada é responsável não só pela construção da unidade prisional, mas também pela sua administração e controle, não havendo nenhuma participação do Estado, nem mesmo mediante a realização da segurança externa do estabelecimento penitenciário”, afirma Cordeiro (2006, p.88).
A privatização é total, havendo a completa entrega da execução da pena pelo Estado ao particular.
Para se ter uma ideia da amplitude da interferência do particular nesse tipo de gerenciamento prisional, em determinadas unidades penitenciárias norte-americanas, a iniciativa privada é responsável, inclusive, pela execução da pena de morte.
3.2 Gerenciamento privado dos serviços penitenciários
Através desse modelo, também conhecido como terceirizador ou de co-gestão, o Estado celebra um contrato com a empresa privada, por um determinado período, para que esta administre um estabelecimento penitenciário, recebendo, para tanto, o devido pagamento pelos serviços prestados.
“Os serviços contratados com a iniciativa privada geralmente dizem respeito aos serviços de hotelaria (alimentação, vestuário, lazer, etc.) cabendo também à empresa contratada fornecer aos presos serviços médico-odontológicos, assistentes-sociais, psicólogos, psiquiatras e advogados, além de ofertar trabalho e educação” (CORDEIRO, 2006, p.89).
Os estabelecimentos prisionais que adotam esse modelo, normalmente, são penitenciárias industriais, onde empresas privadas são ali instaladas para a utilização da mão-de-obra carcerária. A França – e com alguma semelhança o Brasil – tem optado pela terceirização dos presídios, também chamada de co-gestão, regime de dupla responsabilidade, compartilhado ou, ainda, sistema misto.
3.3 O MODELO NORTE-AMERICANO
Os Estados Unidos deram um grande salto no estudo da criminalidade através dos trabalhos sociológicos desenvolvidos pela escola de Chicago, quando então o crime passou a ser visto não como um fenômeno patológico, individual, biológico, mas sim como fenômeno social, pela qual se origina produto da “desorganização social” de uma determinada sociedade, numa área ou ambiente (físico, social e cultural) determinante, por onde desorganização essa provocada, principalmente, pela industrialização e pela urbanização.
Na década de 70, os Estados Unidos abandonaram a ideia socializadora da pena de prisão para lhe imprimir um sentido retributivo novo, tendo com esse movimento recebido a denominação de neoclássico.
Ocorre que com o neoclassicismo, os movimento da “Law and Order” e “Control and Punishment” ganharam espaços de forma consideráveis.
Onde se atestou o neoclassicismo que o modelo socializador, até então em voga nos Estados Unidos, não alcançaria solucionar ou mesmo amenizar a grave situação penitenciária.
A superlotação das prisões era uma realidade que refletia o aumento da criminalidade. Sendo que os índices de reincidência atingiam níveis absurdos e, em última análise, a ressocialização do criminoso mostrava-se um utopia. Logo, enfim, era preciso buscar novas alternativas para tal problemática penitenciária norte-americana.
A ideia de privatização do sistema prisional teve assim início nos Estados Unidos, precisamente na década de 80, sendo expandida para a Europa e chegando ao Brasil no término da década de 90.
No início, a intervenção da iniciativa privada na administração das prisões foi feita a pretexto de resolver o difícil problema carcerário dos Estados Unidos, sendo de uma maneira mais econômica pro Estado.
Destarte que, além de uma promissora economia a ser feita pelo Estado, a forma de ideia de privatização dos presídios representava um novo vilão a ser explorado pela forma privada, com a perspectiva de altíssimos lucros, razão que o empresariado norte-americano passou a exercer forte pressão para que esta ideia fosse concretizada, onde tendo por fim o Estado cedido.
Há de se salientar que a privatização dos presídios nos Estados Unidos não se constituiu numa regra, sendo adotada apenas por alguns Estados, em uma parcela ainda diminuta de estabelecimentos, porém em franca expansão.
Conforme o ilustre Raúl Cervini “em meados de 1989 haviam vinte penitenciárias privadas nos Estados Unidos sendo que, em 1922 este número passou para trinta e dois, tendo atingido no final de 1993 quarenta e três penitenciárias”.
De acordo com o jornal Estado de São Paulo, existiam 51 prisões privadas funcionando nos Estados Unidos até o ano 1997, abrigando desta forma, cerca de 10% dos condenados pela justiça.
Logo, foram dói os fatores decisivos para que o Estados Unidos acolhesse o modelo privatizador em alguns presídios, a saber: os altos custos decorrentes do excessivo encarceramento, sendo provocados pela política conhecida por “tolerância zero”.
Predominou por muito tempo e porque não dizer que ainda predomina o entendimento de que o estabelecimento prisional deveria ser gerenciado por uma administração dotada de poderes ilimitados e absolutos, sem nenhuma forma jurisdicional, assim , sem qualquer obediência ao princípio da legalidade, que por muito tempo foi consagrado nas diversas legislações do mundo, partindo da Revolução Francesa.
Em Estado democrático de direito, administração penitenciária também deve se preocupar com o princípio da legalidade, por conta de ser reduzida ao máximo a discricionariedade que outrora lhe fora conferida sem limites.
As prisões, nos Estados Unidos da América, em sua administração é apoiada pela doutrina do “ hands off ” , exercia um quase ilimitado poder na execução da pena de prisão, fugindo por completo ao controle do Judiciário.
Conforme a doutrina do “hands off”, os juízes e tribunais federais norte-americano não interferiam em matéria de execução penal, a cargo exclusivo das penitenciárias com quase absoluta discricionariedade.
O recluso ao ingressar no sistema penitenciário norte-americano, sofria uma espécie de “morte civil”, absolutamente privado de todos os seus direitos constitucionais, desta forma ficava a mercê da administração penitenciária.
Por volta do fim dos anos 70, todos os estados norte-americano, praticamente, adotavam o sistema de sentenças indeterminadas, ou seja, depois de proferido o veredicto de culpa, a sentença se limitava a dispor que o réu seria condenado pelo tempo previsto na legislação, desta maneira não havendo especificação acerca de sua duração. Pois era o órgão que estabelecia o tempo mínimo e máximo de duração da pena, de forma que caberia a esse órgão conceder ou não o benefício da liberdade condicional. Já o judiciário não interferia na execução penal, seara pertencente apenas à esfera administrativa.
Por outro lado, o crescimento da população carcerária norte-americana demandava um gasto superior na construção e administração de estabelecimentos penitenciários e, que como nem sempre isso poderia ser possível, o déficit de vagas nas prisões fazia-se sentir em detrimento das péssimas condições de alojamento dos encarcerados, estimulando a ocorrência de violentas e constantes rebeliões.
Muitos movimentos de direitos civis irromperam pelas Estados Unidos exigindo condições melhores de encarceramento, pela maneira de assegurar os direitos humanos mais elementares, e dentre os quais o tratamento condigno, prisões salubres e o término das violências e abusos cometidos contra o preso.
Devido à este contexto caótico de violação dos direitos humanos dos presos que o Judiciário norte-americano veio a intervir no sistema penitenciário de maneira constante, colocando de lado a política do “hands-off”, de certa forma obrigando vários estabelecimentos provisionais a reduzir sua população carcerária, de modo a assegurar condições mínimas de dignidades aos presos.
Logo, o jurídico norte-americano começou a exigir do Estado a adoção de providências com o fito de atenuar as péssimas condições oferecidas aos encarcerados, de modo especial, a construção de novos estabelecimentos penitenciários, para que pudesse melhorar o problema de superlotação.
Então, a Suprema Corte dos Estados Unidos começou a proferir decisões reconhecendo ao recluso o direito de obter o amparo do Judiciário em qualquer caso de violação dos direitos civis por parte da administração penitenciária de qualquer Estado da confederação.
No ano de 1987, “60% dos Estados se encontravam sob ordem judicial para a redução de superlotação. Já em 1989, nada menos do que 42 Estados, inclusive o Distrito de Colúmbia, recebendo ordens para reduzir a superlotação”.
De forma que no ano de 1985, quase todos os Estados da confederação já haviam sido objeto de intervenção judicial em razão das condições péssimas de SUS estabelecimentos penitenciários, tendo exceção dos Estados do Alasca, Minnesota, Montana, Nebraska, Dakota do Norte, Nova Jérsei, Nova Iorque e Vermont.
Devendo somar-se a isso, decorrendo de abusos de ordem moral e física cometidos pela administração penitenciária contra seus custodiados várias foram as indenizações que Estados norte-americanos tiveram de pagar a eles, por determinação judicial.
Segundo Jhon D. Donahue que, “entre junho de 1983 e junho de 1984, cerca de 19 mil ações judiciais foram interpostas por seus presos, insurgindo-se contra a reiterada violação de seus direitos civis nas prisões norte-americanas”.
Tendo como consequência inevitável, o abandono gradativo da predominante doutrina do hands off troxe sérios prejuízos ao Estado, que teve de destinar uma maior verba para o sistema penitenciário. A situação precária carcerária norte-americana exigia um alto investimento na construção de estabelecimentos prisionais para alocar de forma adequada a crescente população carcerária. Essa exigência esbarrava na insuficiente disponibilidade orçamentária para tal fim. Para que se contornasse tal escassez de recursos junto à área penitenciária, o Estado teria de tomar empréstimos no mercado, em longo prazo e as taxas de juros. E se fosse ultrapassado o limite previsto em lei para os empréstimos, a obtenção de verba somente seria possível se autorizado por intermédio de plebiscito.
Tal dificuldade na obtenção de recursos para a construção de estabelecimentos prisionais nos Estados Unidos, mediante a tomada de empréstimos, aliada à antipatia do eleitorado em concordar com o plebiscito, tal como ocorreu no Estado de Nova Iorque em 1981, incentivou a procura de alternativas outras por parte dos Estados para viabilizar a solução do problema da superlotação carcerária, através da privatização dos presídios.
Portanto é importante frisar-se que a adoção de uma política destinada à construção de presídios nos Estados Unidos, por meio da iniciativa privada, teve como óbice a própria legislação, que cobrava a realização de um plebiscito, através do qual a população autorizaria a liberação de verbas para tal objetivo, de forma que esta medida é morosa e antipática à sociedade. E a via alternativa para driblar esse entrave legal fio o arrendamento e o financiamento de prisões por parte da iniciativa privada, mediante o pagamento de consideráveis taxas de juros, tornado desnecessária a consulta popular.
Na realidade a população norte-americana clamava aos seus governantes um maior rigor na aplicação de sanções, inclusive na questão de crimes considerados de menor gravidade. E como consequência, a problemática decorrente da superlotação carcerária só se agravava ainda mais.
A sociedade norte-americana, em sua recusa de pagar por celas de prisão que insistia em manter ocupadas, fez com que as autoridades públicas procurassem meios para driblar a escassez de recursos para o sistema penitenciário, por meio da contratação de empresas para administrar estabelecimentos penitenciários, de forma que não precisaria da aprovação popular, fato este que favoreceu sobremaneira a expansão da política de privatização dos presídios nos Estados Unidos.
Colocando a união do útil ( a ”solução” do problema do Estado em obter verba para construção das prisões) ao agradável ( a avidez de lucros pela iniciativa privada), o problema penitenciário norte-americano pareceu resolvido.
Estando diante de tal situação, Thomas Beasley, empresário do ramo imobiliário e de seguros, proprietário da Corrections Corporation of América (CCA) e ex-presidente do Partido Republicano do Estado do Tennessee, teve a ideia da criação de prisões privadas, propondo-se a resolver o problema prisional e, também ganhar bastante dinheiro.
Com isso teve o apoio do governador pelo Partido Republicano do Tennessee e o apoio financeiro de outras empresas. Thomas Beasley construiu em 1983 a prisão de Silverdale, situada na localidade de Chattanooga, no condado de Hamilton, com capacidade para 500 reclusos.
As prisões norte-americanas, a partir de Silverdale, adquiriram uma nova feição, onde as violações constantes dos direitos civis, as péssimas condições de higiene, os abusos e salubridade ficaram para trás.
Através da Súmula de 1981, a Suprema Corte dos Estados Unidos, posicionou-se no sentido de que inexistia óbice de caráter constitucional á ‘implantação de prisões privadas, cabendo a cada Estado avaliar as vantagens advindas destas experiências, em termos de qualidade e segurança, nos domínios da execução penal”.
De forma que, não foi somente o entrave legal para a obtenção de recursos por parte dos Estados, para resolverem o problema penitenciário e a superlotação da interferência privada no sistema prisional norte-americano.
Tendo em vista, a crescente violência na sociedade norte-americana levo ao país à adoção de uma legislação de tolerância zero, tendo marcada o endurecimento das leis penais e pelo agravamento das sanções, cobrando uma maior intervenção do Estado e, subseqüentemente, provocou um relevante aumento no índice de encarceramento.
Nos Estados Unidos da América, a crença de que pensar que o crime seria como uma conseqüência de carência sociais e pessoais ( como conhecimento, oportunidades, temperamentos, habilidades, etc.) significava transferir a responsabilidade para a sociedade, tendo em vista de que o crime seria algo incapaz de ser controlado. Mas que por outro lado, esta mesma crença considerava os autores dos crimes “como autómatas, antes que seres humanos responsables que deben aceptar lãs consecuencias de SUS aciones”.
A assertiva de que a sociedade norte-americana, não é exagerada, pois vivenciou a passagem do Estado de bem-estar social para um verdadeiro Estado prisional, o que tende ao agravamento em virtude do encarceramento, tendo se transformado em sinônimo de lucratividade.
A idéia difundida nos Estados Unidos, foi de que poderia haver uma redução na criminalidade na proporção em que o encarceramento fosse aumentado. Desta maneira, a pena de prisão passou a ser vista sob dois aspectos: a) intimidatório, uma vez que a redução que a redução da impunidade e o endurecimento das penas têm o condão de desestimular o cometimento de crimes; b) incapacitatório, pois quanto maior o número de pessoas mantidas na prisão, maior o número de criminosos incapazes de cometer delitos.
Nos Estado Unidos, a política desenvolvida de “ tolerância zero”, e sendo expandida pelo mundo inteiro, especialmente recepcionada pela Inglaterra a pretexto de redução da criminalidade, nada mais é do que a ausência de um Estado social e econômico, e com suas conseqüências daí decorrentes,mediante a presença de um Estado penitenciário e policial.
Os benefícios sociais nos Estado Unidos, passou a se ver com a destinação às classes menos favorecidas como um verdadeiro estímulo à inatividade e, diante do alarmante índice de desemprego ocorrendo no país, à margem do mercado de trabalho passaram a ser vistas como perigosas, daí porque da política de “ tolerância zero” sempre se concentrou nos bairros pobres, levando a uma verdadeira “penalização da miséria”.
Das teorias do controle, tem como eixo fundamental que se concentra na ideia de que um eficaz controle do crime exige um rígido combate por parte das forças encarregadas de inibi-lo.
Pode-se verificar a teoria da oportunidade, por exemplo, acredita que a prática criminosa de ser desestimulada pela atuação eficaz dos órgãos de controle, do contrário, haverá um incentivo ao cometimento de um crime, ou seja, “é a ocasião que faz o ladrão”.
A política de tolerância zero teve seu fundamento na “brokem windws theory” ou teoria das janelas quebradas, segundo a qual:
“uma simples janela quebrada é um sinal de que ninguém se importa ou cuida daquele imóvel e isso leva a outros danos e que uma situação individual de desleixo pode contaminar toda uma área, que entra numa espiral de deterioração tanto quanto das relações sociais de que é palco.”
Portanto, tal teoria da janelas quebradas, e o descaso das autoridades com relação ao pequeno delito é flanco aberto para o cometimento de crimes mais graves, pois devendo ser aquele tão duramente combatido e reprimido quanto estes.
As pequenas infrações reprimidas, prevenidos estariam os crimes de maior gravidade, portanto, seria necessário também um maior entrosamento entre a polícia e a comunidade, devendo assim o policial conhecer a comunidade onde exerceria sua atividade, tendo o conhecimento de todos os seus problemas, de modo a poder combatê-lo de uma maneira mais eficaz e efetiva.
Destarte que, o policiamento comunitário é tido como imprescindível para a prevenção do crime.
A presença física do agente policial na comunidade inibe a desordem e a criminalidade. Neste sentido, Kelling e Coles são defensores do “foot patrol”, ou seja, do patrulhamento a pé, da figura do agente policial que percorre a pé as ruas do bairro, muito mais eficaz do ponto de vista da prevenção, do que dos agentes policiais motorizados, que nada mais fazem do que circularem de carro. Aos desordeiros basta, portanto, esperar que passe o carro da polícia, para continuar a desordem, o que torna-se muito mais difícil com o patrulhamento a pé.
3.4 A privatização do sistema prisional
Observa-se que a ideia de privatização do sistema penitenciário nos moldes semelhantes aos atualmente existentes remonta ao século XVIII, quando Jeremy Bentham defendia a entrega da administração das prisões ao particular mediante contrato, por meio do qual este poderia auferir lucros. Em contrapartida, o Estado teria uma considerável economia pecuniária.
A referida ideia ganhou força nos séculos XX e XXI, tanto assim é verdade que no Brasil e em diversos países do mundo várias penitenciárias estão sendo administradas pela iniciativa privada.
Segundo Cordeiro (2006, p.50):
“A administração de prisões por empresas privadas – consistente no fornecimento de equipamentos de segurança à guarda armada, da construção ao gerenciamento – tem se mostrado um lucrativo negócio, contribuindo sobremaneira para incentivar a existência de uma verdadeira indústria do controle do crime, em que empresários lucram com o aumento da criminalidade e todos os seus efeitos, dentre eles o aprisionamento excessivo. Claro que, Evidente que, quanto mais pessoas são presas em estabelecimentos penitenciários privados, mais lucrarão as empresas envolvidas no ramo.”
O lucrativo negócio que se tornou a participação do empresariado na execução da pena privativa de liberdade suscita a certeza de que a iniciativa privada não se preocupará devidamente com a reabilitação do preso, visto ser seu objetivo maior o recebimento de lucro.
Ademais, as empresas que se encontram instaladas nesses estabelecimentos, utilizando-se da mão-de-obra do preso, farta e barata, reforçam o descompromisso do empresariado em relação ao preso que trabalhou em sua fábrica, não lhe interessando se, ao sair da prisão, ele voltou a não a reincidir.
De forma concomitante, tal situação contribui para que o Estado, ao transferir sua responsabilidade de executar a pena prisional para o particular, despreocupe-se por completo dos fins da pena de prisão, em especial, da finalidade ressocializadora. Servirá, ainda, para aumentar o desinteresse e a apatia da sociedade para discutir e colaborar com a melhoria do sistema penitenciário.
Cordeiro (2006) ainda explica que apesar do discurso de redução de gastos utilizado pelo Estado para justificar o incentivo desse modelo privatizador de gerenciamento prisional, foram mostrados os altos custos do encarceramento sob a responsabilidade da iniciativa privada, bem como as inúmeras vantagens daí decorrentes, dentre elas a utilização da mão-de-obra do recluso, bem menos onerosa em relação ao homem livre.
4 O SURGIMENTO DA IDEIA PRIVATIZADORA DO SISTEMA PRISIONAL
Para Edmundo Oliveira, a ideia de prisão privada encontra seu antecedente mais remoto no início da civilização, quando as tribos primitivas prendiam o inimigo em cavernas, para a proteção da família e da própria tribo. Cita ainda como exemplo remoto da prisão privada na história antiga, a masmorra, utilizada pelos hebreus.
Destarte que nesta época não se havia ouvia falar sequer no surgimento da ideia de Estado, nem tão pouco existia a sociedade politicamente organizada.
Já sobre o conceito de soberania era desconhecido; assim, não se pode falar propriamente em antecedente da prisão privada. Ademais, nos primórdios da civilização humana, a privação da liberdade tinha um fim meramente custodial, não se constituindo em pena, na atual acepção da palavra.
Para Cordeiro (2006, p.51):
“A ideia de privatização do sistema penitenciário, em moldes semelhantes ao do mundo contemporâneo, conforme já salientado, fora antevista em 1761 por Jeremy Bentham, que defendia a entrega da administração das prisões a particulares, os quais poderiam usá-las como fábricas”.
Para o idealizador do panóptico, a administração da prisão deveria ser feita mediante contrato, podendo os administradores auferir lucros. Mesmo naquela época, no século XVIII, Bentham já atentava para os eventuais abusos que poderiam advir dessa forma de encarceramento, destarte, entendia que o contratante poderia administrar a prisão da maneira que lhe aprouvesse, desde que os presos não fossem maltratados, não passassem fome e não morressem em número excessivo.
A arquitetura do panóptico havia uma vigilância total dos presos, não somente pelos guardas do presídio, mas também pelos familiares daqueles, curiosos de um modo geral e pela sociedade. Logo, os abusos porventura cometidos pelos administradores poderiam facilmente ser verificados, ensejando a ruptura do contrato de administração.
As portas desses estabelecimentos deveriam ser completamente abertas aos curiosos, “o grande e aberto comitêdo tribunal do mundo”. Bentham sugeriu também que as operações realizadas pelos administradores das prisões fossem controladas de forma ilimitada, podendo ser examinadas e devendo ainda ser publicadas para o conhecimento de todos.
De acordo com Bentham (2000), várias eram as vantagens apresentadas pelo panóptico: 1) vigília constante do inspetor; 2) economia, pois o trabalho de inspeção poderia ser feito apenas por uma pessoa e de modo bastante rigoroso; 3) da mesma forma que os prisioneiros, os subordinados ao inspetor estariam sob constante e rigorosa vigília por parte deste.
O sistema de vigilância chamado de panóptico , havendo o princípio da inspeção total, permitia-se então que não somente os prisioneiros, mas assim como o inspetor e também seus próprios subordinados ficavam dentro da total vigilância , desta forma poderia se resolver um problema pela qual insistia em ocorrer: quem guarda os próprios guardas.
Por sua vez, a total ausência de contato dos prisioneiros entre si tornava impossível a existência de motins, aglomeração, brigas ou conspirações e, consequentemente, fazia-se desnecessária a utilização de ferros ou castigos severos nos prisioneiros.
A utilização do trabalho do preso refletia o fim utilitário da pena, pois, além de auxiliar na sua reforma, possibilitaria que o Estado fosse compensado pelo cometimento do crime e pela custódia dispendiosa do criminoso.
Na visão de Cordeiro (2006, p.53):
“O panóptico permitia ainda uma considerável economia aos cofres públicos, conquanto a inexistência de qualquer possibilidade de fuga tornava desnecessário o gasto com uma construção cara. Em outras palavras, o edifício panóptico propiciava uma adequada punição, uma necessária reforma – através do silêncio – e uma considerável economia pecuniária aos cofres públicos.”
É possível observar na sequência, inúmeras semelhanças existentes entre o modelo prisional idealizado por Jeremy Bentham e o atual modelo de privatização do sistema prisional, caracterizado pela adoção do princípio da inspeção total, através do monitoramento de todo o estabelecimento por circuito interno de televisão e vídeo, pela celebração de contrato entre o Estado e o particular para a administração da prisão, pela importância dada ao trabalho prisional, dentre outros aspectos.
A ideia contemporânea de privatização dos presídios surgiu em meio a um sistema penitenciário falido, onde a pena de prisão, forma de sanção ainda aplicada na grande maioria dos crimes, encontra-se em franco declínio, marcada por uma excessiva crueldade e responsável pelo completo perdimento da pessoa do preso para o retorno da vida em sociedade.
Nos meados do século XIX, alguns dos estados norte-americanos, como Nova Iorque, entregaram a gestão de estabelecimentos penitenciários a empresas privadas, a exemplo das prisões de Auburn e Sing-Sing. Porém, essa experiência restou fracassada diante das varias denúncias de maus-tratos e abusos físicos cometidos contra os reclusos. Um outro fator que contribui para o insucesso dessa empreitada foi a utilização da mão-de-obra gratuita dos presos pelos empresários gestores dessas prisões, propiciando-lhes um menor custo na produção e, consequentemente, colocando os demais concorrentes numa posição de evidente desvantagem, o que gerou grandes protestos.
Na Espanha, alguns estabelecimentos penitenciários chegaram a ser administrados por religiosas, sem qualquer interferência estatal, como foi o caso da Casa Galera de Mujeres de Alcalá de Henares.
Para Phil Smith, três fatores foram decisivos para que a ideia de privatizar prisões fosse retomada pelos Estados Unidos no século XX, a saber: 1) a ideologia do mercado livre; 2) o aumento exacerbado do número de prisioneiros; 3) o aumento dos custos da prisão.
Vale destacar que para realizar um aprofundado estudo acerca do fenômeno da privatização das prisões, é imprescindível situar o tema no contexto histórico, social, político e econômico que ensejou a implementação e proliferação dessa forma de gerenciamento de estabelecimentos penitenciários.
Conforme dito, somente há bem pouco tempo o preso passou a ser visto como sujeito de direitos, deixando de ser considerado mero objeto da execução penal, devendo, portanto, ser-lhe assegurado o respeito à dignidade através de um tratamento humano e justo, possuindo a pena um caráter inquestionavelmente ressocializador.
Conforme às condições subumanas e precárias pela qual eram oferecidas ao preso nos estabelecimentos prisionais, assim também como à estigmatização e “mortificação do eu”, decorrentes do encarceramento, a pena de prisão não tem conseguido cumprir os seus objetivos propostos.
Em contrapartida, a criminalidade aumentou, a reincidência atinge índices alarmantes, organizações criminosas vêm surgindo no interior dos presídios, formando um verdadeiro Estado paralelo, a corrupção dos agentes penitenciários e policiais se alastrou, e “o que acontece hoje é que acabamos sendo nós os ‘presos’, nós vivemos encarcerados”. Essas características dantes mencionadas são encontradas em diversos países do mundo, em especial no Brasil.
“Diante da comprovada incapacidade do Estado para administrar o sistema prisional, assegurando aos presos sob sua custódia os direitos humanos mais elementares, e em face da sua total impossibilidade de propiciar meios para que a pena cumpra seus objetivos de retribuição, prevenção e ressocialização, é que têm sido realizadas algumas experiências quanto à forma de gerenciamento prisional” (CORDEIRO, 2006, p.55).
Os argumentos centrais levantados pelos defensores da ideia privatizadora gravitam em torno da redução dos gastos do Estado com o setor penitenciário e, também, da eficiência que pode ser alcançada pela iniciativa privada na consecução dos fins da pena.
Essa tendência privatizadora no âmbito do sistema prisional deve ser compreendida como reflexo do novo modelo de Estado capitalista globalizado, denominado neoliberal, que praticamente sepultou o Estado de bem-estar social, surgido após a Segunda Grande Guerra Mundial.
Para Cordeiro (2006, p.56):
“Incapaz de proporcionar um satisfatório nível de ensino, de modo a não só erradicar o analfabetismo como também propiciar um bom rendimento escolar, aos poucos o Estado (aqui nos referimos especialmente ao Brasil) foi “lavando as mãos” de sua responsabilidade na área educacional, permitindo que o particular passasse a investir na construção e gerenciamento de escolas e universidades, tornando o sistema particular de ensino um filão de ouro, capaz de gerar lucros exorbitantes. Não se pode olvidar que as escolas particulares, via e regra, têm tido êxito no mister de oferecer bom nível educacional a seus alunos em comparação à rede pública.”
No mundo globalizado, o Estado vem perdendo a cada dia seu caráter intervencionista, inclusive nas áreas sociais, outrora regidas por políticas de natureza pública, como é o caso da previdência, da saúde, da educação. Foi justamente nesse Estado de mínima intervenção que a ideia da privatização dos presídios encontrou terreno fértil, sendo indissociável de uma lógica mercantilista, segundo a qual o lucro é o principal – se não o único – objetivo.
4.1 Altos Custos
A ideia privatizadora dos presídios também propõe-se, a retirar dos ombros da sociedade o pesado ônus arcado com a manutenção dos presos. Sendo que o Estado continuará tendo despesas com os reclusos, cabendo pagar ao particular por cada preso que esteja sob seus cuidados.
No mês de abril de 2001, a Penitenciária Industrial Regional do Cariri contava com uma população carcerária CE 209 presos, quando sua capacidade é para 549 presos. A Secretaria de Justiça do Ceará ,neste mencionado mês, repassou para a empresa Humanitas, então administradora, a quantia de R$ 359.993,18, custando cada preso o valor de R$ 1.722,45.
Em um ofício enviado ao então Presidente da Comissão de Fiscalização e Tributação da Assembléia Legislativa do Estado do Ceará, deputado Francisco Holanda Guedes, datado de 05/06/2001, a Secretaria de Justiça à época, Sandra Dond, assim esclareceu: “o nosso objetivo é estar com a Penitenciária Industrial Regional do Cariri funcionando com a sua capacidade plena, 549 presos. (...) Quando isso acontecer o custo mensal por preso será de R$ 797,21”.
Ressalta-se ainda que todas as despesas com os serviços médicos-odontológicos, próteses, ambulatoriais, vacinas e outros, prestados pela empresa gerenciada do estabelecimento prisional, deverão ser reembolsada pelo Estado, conforme assim dispõe a cláusula quinta,inciso VI, do contrato firmado entre a Secretaria de Justiça do Estado do Ceará e a empresa Humanitas.
Outro custo elevado à encargo do Estado dentro do modelo de gerenciamento prisional consiste na obrigação da contratante, ficando assim, o Poder Público, de disponibilizar o prédio onde será instalada a penitenciária, “todos os equipamentos nela contidos, hidráulica, sistema de gás, instalações elétricas, rede elétrica e lógica para informática, CFTV e outras” (cláusula quinta, inciso III, do contrato firmado entre a Secretaria de Justiça do Estado do Ceará e a empresa Humanitas.
Nem mesmo as experiências francesa, americana e inglesa têm demonstrado a eficácia (tanto sob o aspecto ressocializador quanto pelo aspecto econômico) deste modelo de privatização, que prevê a participação da iniciativa privada na execução da pena privativa de liberdade através do gerenciamento dos estabelecimentos penitenciários.
As empresas privadas que atuam no sistema penitenciário concentram suas ações, nos presídios que abrigam os reclusos considerados de pequena e média gravidade, em outras palavras, os da “ponta leve” do sistema. Já os estabelecimentos de segurança máxima , onde são os reclusos considerados de alta periculosidade, ficam por conta da administração somente do Estado.
Segundo o analista policial norte-americano Geoffrey F. Segal, do Reason Public Policy Institute: “Um estudo comparado realizado nos Estados Unidos demonstrou que as prisões privadas operam a um custo percentual de 10% a 15% mais baixo que as prisões públicas”. (Disponível em: http://www..rppi.org/prison/).
Tal economia pode tão somente ocorrer, mas resta salientar que quando a realização deste estudo comparado, envolve vários aspectos importantes que foram considerados, sendo dentre eles o fato de que as prisões privadas norte-americanas terem uma certa “clientela” constituída de jovens delinquentes, criminosos de pequena e média periculosidade, imigrantes, o que faz com quê os custos sejam mais reduzidos se comparando aos estabelecimentos públicos, onde se abriga criminosos que exigem um maior investimento em equipamentos de segurança e em instalações.
São vários os aspectos que envolvem a polêmica em torno da questão da privatização dos presídios, de cunho histórico, jurídico, político e ético.
Cordeiro (2006, p.59) afirma que:
“Contudo, o que fomenta a expansão dessa ideia nos quatro cantos do mundo, independentemente da eficácia da administração prisional privada, da redução dos custos para o erário, ou mesmo na obtenção da ressocialização do preso, é justamente os consideráveis lucros auferidos pela iniciativa privada nesse novo e promissor ramo de negócio. E os dados estatísticos têm demonstrado que a privatização dos presídios é um negócio bastante rentável.”
O grande desafio da execução da pena privativa de liberdade, desde há muito, tem sido a busca incessante por formas capazes não só de castigar o indivíduo que violou as normas ditadas pela sociedade, mas também de buscar sua ressocialização, reintegrando-o à vida em sociedade.
4.2 A humanização da pena de prisão
Com o fim do período do absolutismo e com o advento do Estado Liberal, os suplícios cederam lugar a métodos punitivos mais humanos. Perdia também a pena o seu caráter religioso, característico nas Idades Média e Moderna. De outra sorte, destituída da finalidade de reafirmar o poder do monarca, a pena passou a representar uma represália da própria sociedade àquele que violou o pacto social.
E veio o Iluminismo, no final do século XVIII, repudiando os suplícios, buscando a humanização das penas, a reforma da arbitrária legislação penal vigente. Pretendiam os reformistas a melhor forma, justa e necessária, de exercer o direito de punir, sem excessos, sem abusos.
Com o movimento iluminista, o direito de punir deixou de pertencer ao soberano para pertencer a toda a sociedade, representada pelo Estado, ao qual cabia punir todo aquele que cometesse um crime, rompendo, assim, o pacto social.
Para melhor compreender essa mudança de legitimidade do exercício do direito de punir, transferido das mãos do soberano para o Estado, corpo político representante dos anseios do povo, basta atentar que o movimento intelectual iluminista tinha seu nascedouro na ascendente classe burguesa, já tão saturada dos mandos e desmandos do rei. Portanto, essa transferência do jus puniendi pode ser vista como reflexo do próprio pensamento burguês, com seu inegável desejo de exercer o poder político, desejando compartilhá-lo em todos os seus momentos, em todas as suas formas.
Desta forma, a prisão não havia reflexos tão somente do ideário dos filósofos iluministas em humanizar a pena, mas que na verdade, e o que realmente havia a devida importância era a exigência do novo Estado burguês, que com seu surgimento de ter o trabalho de mão-de-obra bem barata, interessado na maneira de punir mais eficaz do que os castigos corporais e a pena de morte, onde se almejava a redução dos poderes absolutos do rei.
Para Cordeiro (2006, p.21): “A prisão passou a ser a própria representação do poder de punir e a pena prisional passou a ser aplicada por excelência a quase todos os tipos de crime, a partir do fim do século XVIII e início do século XIX”.
O movimento reformista exercia várias críticas à pena de prisão por inúmeras razões que, a despeito do tempo, continuam inteiramente atualizadas, pois a pena prisional ainda é considerada inútil e nociva, incapaz de atingir as finalidades retributiva, preventiva e ressocializadora a que se propõe.
Foi nesse ambiente de mudanças na ordem econômica, política e social que surgiram várias escolas penais, na busca incessante para encontrar o verdadeiro fundamento do direito de punir.
No século XIX, a Escola Positivista passou a ver o crime como um fenômeno de cunho sociológico, encontrando o direito de punir o seu fundamento na necessidade do Estado de garantir a defesa social através da prevenção do crime. A pena assumia aqui um caráter repressivo, de intimidação.
Beccaria, na tentativa de encontrar o fundamento do direito de punir, sob uma visão contratualista, assim definiu as leis:
(...) são condições sob as quais homens independentes e isolados se uniram em sociedade, cansados de viver em contínuo estado de guerra e de gozar de uma liberdade inútil pela incerteza de sua conservação. Parte dessa liberdade foi por eles sacrificada para poderem gozar o restante com segurança e tranquilidade.
“O Marquês de Bonesana deu um sentido utilitarista à pena ao ensinar que ela fora criada com o intuito de evitar que o homem retornasse ao status quo, ou seja, ao estado de guerra em que vivia num ambiente de lutas onde tudo era permitido. E o direito de punição, decorrente da renúncia de parte da liberdade individual de cada homem, a ser exercido pelo soberano, fundava-se justamente na imperiosa necessidade de defender o bem comum diante dos interesses particulares. Era preciso manter a ordem e assegurar a paz social. Enfim, a pena não deveria ser vista como uma mera vingança pelo crime cometido, mas como um exemplo para o futuro, reservado àqueles que enveredassem pelo caminho tortuoso da criminalidade” (CORDEIRO, 2006, p.23).
Em Beccaria encontramos a concepção utilitarista da pena, isto, é deveria ela produzir um benefício. A pena deveria ter um objetivo de caráter preventivo geral, qual seja, deveria servir para prevenir o delito em relação à sociedade, e não ser um mero castigo para o infrator. Partidário da teoria do contrato social formulada por Rousseau, Beccaria combateu de forma ardorosa a crueldade das penas infligidas aos presos, sendo contrário à tortura e à pena de morte, defendendo a proporcionalidade entre os delitos e as penas. Insurgiu-se também contra a arbitrária legislação criminal de sua época e já naquele tempo vislumbrava o que somente as legislações modernas consagraram recentemente: a aplicação das penas pecuniárias para delitos de pequena gravidade e a prestação de serviços à comunidade, denominando esta última de “escravidão temporária dos trabalhos e da pessoa ao serviço da sociedade comum”.
Em relação a humanização da pena das prisões e das penas vem sendo reivindicada já há muito tempo, a partir do Iluminismo , que não sendo por demais ressaltar a obra “Dos delitos e da penas” , Cesare Beccaria, onde fez críticas severas a respeito da prática da tortura, a aplicação de penas infamantes e de grande suplício e a pena de morte.
Em seu pensamento Beccaria afirmava que: “quanto mais a pena for rápida e próxima do delito, tanto mais justa e útil ela será” (BECCARIA, Cesare. Ob. Cit. P. 79).
Com tal preocupação humanista para o mundo, no ano de 1955 a Organizações das Nações Unidas (ONU) começou a realizar congressos sobre a Prevenção do Delito e Tratamento do Delinquente, num dos quais foram elaboradas as Regras Mínimas, estabelecendo os princípios que devem nortear os sistemas penitenciários, assim como o melhor e mais adequado tratamento a ser oferecido aos presos.
Sendo o Brasil, adepto da ideia humanística das prisões, é signatário de vários acordos se âmbito internacional pertinente aos direitos humanos, dentre os quais o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, a Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanas ou Degradantes e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos.
O Brasil vem honrando os compromissos assumidos perante o Direito Internacional, onde a maioria dos presos vive em condições subumanas, em que a sua dignidade e direitos primários são constantemente violados.
Destarte o Massacre do Carandiru, ocorrido em 02 de outubro de 1992, culminou com o assassinato de 111 presos pela Polícia Militar de São Paulo, um episódio com repercussão internacional que demonstrou todo o descaso dos poderes constituídos brasileiros em relação aos direitos dos reclusos.
Podemos em suma que os defensores da privatização dos presídios, em especial, no Brasil, argumentou que os modelos adotados nas Penitenciárias Industriais de Guarapuava-PR e de Juazeiro do Norte-CE têm propiciado condições dignas aos presos e, através do trabalho, tem ajudado na sua ressocialização e recuperação.
5 O MODELO APAQUEANO
A APAC (Associação de Proteção de Assistência aos Condenados) que também significa Amando ao Próximo Amarás Cristo, é um exemplar modelo de participação da comunidade na execução da pena e na ressocialização do condenado.
Foi fundada a primeira APAC em 15 de junho de 1972, em 1974, passou a gerenciar a cadeia de Humaitá, em São José dos Campos, Estado de São Paulo. Sendo uma entidade civil dotada de personalidade jurídica própria, seu objetivo como o propósito de ajudar o preso – denominado reeducando – ao seu retorno social, com a colaboração da comunidade local, que se tornou responsável por todos os estágios da execução da pena até a completa conquista da liberdade.
Através de seus inúmeros voluntários, a APC passou a desempenhar junto aos reeducandos as funções pertinentes ao próprio Estado, tendo com seu procedimento a individualização da pena, fornecendo médica-odontológica, assistência material, jurídica e psicológica, além de propiciar a educação e a formação religiosa – sendo neste último caso, o respeito com a liberdade de crença de cada um.
Tendo o senso de despertar com sua solidariedade e o devido respeito mútuo entre os reeducandos, a APC incentiva o convívio familiar, laço este que gradativamente rompido quando do cumprimento da pena prisional na grande maioria dos estabelecimentos penitenciários.
Estimula também a participação do reeducando, primando o seu bem-estar e pela resolução dos problemas pessoais, tudo sob uma disciplina, cujo desrespeito é punido com a perda da regressão nos estágios e de benefícios.
Ao contrário ocorrido nos estabelecimentos penitenciários, onde o preso tem entrada involuntária, o ingresso na APC depende somente do próprio presos, que formula um requerimento junto ao juízo das execuções criminais, estando condicionada sua admissão à aceitação das regras ali estabelecidas.
Ressalta-se que o gerenciamento prisional levado a efeito pela APC é arcado pela própria comunidade, sem acarretar nenhum ônus ao Estado, cabendo-lhe apenas as despesas com alimentação, água e luz, onde a APAC não há nenhum foco de lucratividade.
Com este modelo apaqueano o índice de reincidência chegou a registrar o percentual de apenas 4%. Onde o modelo apaqueano serviu de exemplo para vários outros Estados de Federação e diversos outros países.
Para se ter uma ideia de seu enorme sucesso melhor sobre o modelo apaqueano, basta mencionar que o atual sistema de progressão de regime (aberto, semi-aberto, fechado), previsto na Lei de Execução Penal, fio inspirado nele.
Na cidade de Bragança Paulista – SP, está situado o presídio, que também é gerenciado pela APAC, onde foi considerado pela Anistia Internacional como modelo a ser adotado.
O descanso entre os reeducandos é repelido nos estabelecimentos administrados pela APAC, sendo prova disso é que quase 90% dos detentos trabalham na prisão de Bragança Paulista, em atividades que vão desde o artesanato ao ramo de eletrônico.
Um exemplo para o País e também para o mundo, a prisão de Bragança Paulista-SP oferece aos presos serviços psicológico e médico-odontológico, de assistência social e jurídicos, além de propiciar condições dignas aos que ali cumprem pena, tendo em vista que as celas não-lotadas, higiene, alimentação de qualidade, dentre outras.
Entende-se que, o modelo apaqueano se caracteriza pelos aspectos seguintes:
1) Desejo do reeducando de aceitar as regras exigidas pela APAC;
2) participação da comunidade na execução da pena;
3) ajuda à família do reeducando, considerando o estreitamento dos laços familiares como forma de acelerar a ressocialização;
4) estímulo à auto-estima e ao senso de responsabilidade do reeducando, que deverá, dentre outras tarefas, escoltar os demais às audiências, ajudar outros reeducandos no processo de ressocialização, administrar seu próprio dinheiro;
5) apoio ao egresso e
6) os custos da execução da pena são arcados pela APAC, devendo o Estado efetuar o repasse de verbas necessárias à alimentação.
A APAC que já fazia o trabalho espetacular dentro dos presídios em que já ocorria no Brasil, sob vigilância do magistrado competente para a execução penal.
Contudo nota-se que o modelo o apaqueano é muito diferente do terceirizador porque a APAC é uma entidade que apenas representa a sociedade civil, movida por fins religiosos, e sem nenhuma forma de lucratividade, o que diferentemente do que acontece em relação às empresas administradoras de presídios, tendo sua finalidade que é o lucro.
Podemos observar que a utilização do modelo apaqueano em alguns estabelecimentos penitenciários tem se mostrado uma excelente forma para que se possa amenizar o problema penitenciário do País, com a participação excelente da sociedade. Com raras exceções, o próprio Estado brasileiro não tem demonstrado qualquer interesse em estimular tais de incontestável sucesso, em que os custos ao erário público são mínimos, em se comparando ao modelo privatizador que começa a se expandir.
6 CONCLUSÃO
Com base no que foi abordado, é indelegável que o atual modelo penitenciário existente no Brasil, onde se observa que o preso é submetido a condições subumanas de encarceramento, sendo a execução da pena prisional, física e moral superior aos limites da sentença penal condenatória, merecendo uma profunda reforma e uma grande atenção por parte do Estado e da sociedade. Destarte, mostra-se falacioso propagar que somente através da administração de estabelecimentos penitenciários pela iniciativa privada será possível assegurar ao recluso a sua dignidade e o exercício dos direitos humanos, e ainda, tudo isso a uma custo reduzido.
Em suma, por outro lado a ser considerado acerca da ideia privatizadora de presídios diz respeito a uma questão da natureza ética, uma vez que o encarceramento e todo sofrimento humano imposto ao preso daí decorrente possibilitará o aferimento de lucro por parte de empresas privadas. Outros países, considerados de Primeiro Mundo, como é o caso dos Estados Unidos, da Inglaterra e da França, há algum tempo vêm entregando a administração de alguns estabelecimentos penitenciários à iniciativa privada, sendo variado o grau de participação do particular, podendo ocorrer do simples fornecimento dos serviços chamadas hotelaria à execução da pena capital.
A implementação deste modelo de gerenciamento prisional privada, no Brasil teve início no ano de 1999 com a inauguração da Penitenciária Industrial de Guarapuava, no Estado do Paraná. Dando prosseguimento, no ano de 2001, onde foi inaugurada a Penitenciária Industrial Regional do Cariri, no Estado do Ceará.
Os Estados do Amazonas e da Bahia houve também a privatização de alguns estabelecimentos penitenciários. Logo, não há como negar que, o princípio defina como simples experiência, a privatização das prisões encontra-se em plena expansão no Brasil. Para que se possa ter uma noção clara do que seja ou do que tenha significação a respeito da privatização das prisões; incorretamente denominada de terceirização, basta ressaltar que a comissão técnica de classificação, formada por funcionários de empresas administradora da penitenciária, é quem elabora o relatório de avaliação do preso, a servir de subsídio para que o Pode Judiciário conceda a progressão ou a regressão do regime prisional.
Tendo ainda, a comissão disciplinar, onde também é formada por empregados da empresa privada, é quem exerce o poder disciplinar junto aos detentos, poder este inerente ao ente estatal, decorrente do jus puniendi. Tal citação da comissão disciplinar ao ente estatal competente, em suas outras atribuições, examinar e censurar as correspondências, manter a ordem, a disciplina internas e a segurança, de maneira que se caracteriza, assim, um exercício absoluto da execução penal.
Tendo como exemplo a Penitenciária Industrial de Guarapuava, onde a administradora fez um regimento interno dispondo acerca das punições disciplinares a serem aplicadas aos reclusos, usurpando o Poder Público, e mediante a omissão deste. Destarte, que nestes estabelecimentos, é o particular o responsável pela aplicação de sanções disciplinares aos presos, com isso dando o azo a abusos sem precedentes, tendo a impossibilidade de uma efetiva e eficaz fiscalização por parte das instituições encarregadas de tal mister.
Os absurdos e aliado aos vários inconvenientes existentes no modelo de gerenciamento prisional brasileiro, conferido à iniciativa privada, no presente estudo foi visto que tal modelo viola vários princípios constitucionais da Administração Pública, tendo como exemplo o Estado do Ceará, onde a contratação do Poder Público com o particular não é precedida da imprescindível licitação e devida, sendo que tão pouco é feita a publicação do concurso firmado no órgão oficial.
Em uma outra questão e de grande valia pertinente ao tema objeto de estudo, diz respeito à transferência de serviços de natureza tipicamente públicos ao particular. Pois, a execução da pena privativa de liberdade, onde é considerada serviço essencial do Estado, é indelegável, deve ser exercida por servidores públicos (agentes penitenciários), e jamais por particulares (agentes disciplinares), onde não se há qualquer vínculo com a Administração Pública, tal como vem ocorrendo nas penitenciárias administradas pela iniciativa privada.
Destarte, que o modelo apaqueano é um dos melhores exemplos de como o Estado e também a sociedade podem propiciar aos presos uma execução penal respeitosa da dignidade humana e dos direitos. Com isso, não se tendo razões injustificáveis, não existe o devido incentivo do Poder Público à implementação de APACs pelo Brasil.
Ao imaginar que o Estado brasileiro venha a propiciar uma melhoria no sistema prisional, sem que para isso venha a delegar o jus puniendi para o particular não constitui uma utopia, pois, o modelo apaqueano é um grande exemplo contundente disso, sendo copiado por países de primeiro mundo, inclusive buscando assegurar princípios constitucionais atinentes à dignidade humana.
Referências
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______. LEI DE EXECUÇÃO PENAL. Nº 7.2010/84
CORDEIRO, Grecianny Carvalho. Privatização do Sistema Prisional Brasileiro. Rio de Janeiro: Editora: Livraria Freitas Bastos S.A. – 2006
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VADE MECUN Acadêmico de Direito / Anne Joyce Angher, organização -9ª ed. - São Paulo: Rideel, 2010.
ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Em busca das penas perdidas da legitimidade do sistema penal. Tradução de Vânia Romano Pedrosa e Amir Lopes da Conceição, Rio de Janeiro: Revan, 1991.
Nota:
[1] Trabalho orientado pelo Prof. Heinz Fábio de Oliveira Rahmig
Informações Sobre o Autor
Miza Tânia Ribeiro Marinho Ghader
Miza Tânia Ribeiro Marinho Ghader
Resumo: Neste trabalho tem como objetivo buscar aqui, analisar esta tendência que vêm se expandindo internacionalmente e tendo como reflexo no país sob vários aspectos. A Privatização do Sistema Prisional Brasileiro vem sendo debatido e se tornando como uma grande forma de saída para o caos do sistema prisional em nosso país. Será tratada neste trabalho, questões históricas ao que refere-se a ideia moderna de prisão, assim como a contextualização do que é o inferno nas prisões brasileiras. O trabalho ainda faz abordagem sobre as experiências de privatização de presídios que ocorrem nos Estados Unidos e aqui no Brasil, tendo em vista a questão das críticas ao modelo sob o prisma jurídico, econômico, político. Este trabalho trata do atualíssimo problema da privatização dos presídios brasileiros, incluindo seu impacto tanto no Direito Penal quanto na sociologia que envolve estudos relativos ao direitos, pelo qual há o envolvimento de estudos relativos ao direito de punir do Estado.[1]
Palavras-chave: Privatização. Sistema Prisional. Brasileiro.
Abstract: This work has as objective to analyze this trend that has expanding internationally and having as reflected in the country under some aspects: The Privatization of Brazilian Prisional System comes being debated and if becoming as a great form of exit for the chaos in our country prisional system. It will be treated in this work, historical questions related to the modern idea of prison, as well as the contextualization about what is the hell in the Brazilian prisons. The work still makes an approaching about the experiences of privatization of penitentiaries that occur in the United States and in Brazil, in a view about question of the critical model under the legal, economic, politician point. This work deals with the most current problem about privatization of Brazilian penitentiaries, including its impact in such a way in the Criminal law as well in the sociology view that involves studies related to the rights, specially to the right of the State punishment.
Keywords: Privatization. System Prison. Brazilian.
Sumário: 1. Introdução. 2. A pena e o direito de punir. 2.1. Histórico. 2.2. A privatização do Sistema Prisional. 2.3. Aspectos Históricos. 2.4. Aspectos Políticos. 2.5. Aspectos Éticos. 3. Arrendamento de prisões. 3.1. Gerenciamento privado de estabelecimentos prisionais. 3.2. Gerenciamento privado dos serviços penitenciários. 3.3. O Modelo Norte Americano. 3.4. A privatização do sistema prisional. 4. O surgimento da ideia privatizadora do sistema prisional. 4.1. Altos custos. 4.2. A humanização da pena de prisão. 5. O modelo apaqueano. 6. Conclusão. Referências.
1 INTRODUÇÃO
Sobre o tema abordado, antes de mais nada, há de se ter em primeiro lugar o entendimento do significado de “privatização”, como funciona a terceirização de serviços e não a ser entendido, como forma de venda de imóvel público. A privatização, pode-se dizer que é a entrega ao particular de encargo público, em outras palavras, entende-se que privatizar nada mais é do que a entrega do serviço público para que seja executado por terceiros, mediante compensação financeira, mas onde o Poder Público continua com o seu poder normativo, fiscalizador, de intervenção e complementador, quando razões de ordem pública determinarem.
Sobre o tema abordado, antes de mais nada, há de se ter em primeiro lugar o entendimento do significado de “privatização”, como funciona a terceirização de serviços e não a ser entendido, como forma de venda de imóvel público. A privatização, pode-se dizer que é a entrega ao particular de encargo público, em outras palavras, entende-se que privatizar nada mais é do que a entrega do serviço público para que seja executado por terceiros, mediante compensação financeira, mas onde o Poder Público continua com o seu poder normativo, fiscalizador, de intervenção e complementador, quando razões de ordem pública determinarem.
Em suma pode até se enfatizar que ninguém que medo ou receio de se aproximar de um político que já tenha sido preso, ou condenado se fosse o caso, até mesmo se tivesse cometido um homicídio, o mesmo voltaria para vida política e com um bom marqueteiro, até se elegeria novamente; mas infelizmente isso não acontece com pelo menos a minoria e das pessoas que por algum motivo, se depararam com uma situação desconfortável e que acabaram chegando ao ponto de pagar não só a pena, mas também com sua própria vida moral.
Há momentos vividos dentro da faculdade de direito, em que aprendi como as leis respeitam o ser humano, mas ainda não consegui aprender como o ser humano não respeita as Leis. Pois não bastam estarem no papel normatizadas, precisam ser aplicadas.
2 A PENA E O DIREITO DE PUNIR
O novo modelo de gestão empresarial do sistema prisional, em países como os Estados Unidos, a Inglaterra, a França e, e, especial o Brasil, produz reflexos profundos no Estado; logo na condição de detentor do exclusivo do monopólio da força e, por via de consequência, na essência da pena de prisão e do próprio direito de punir.
Com o passar dos tempos e das civilizações, obviamente, o direito de punir sofreu variações, principalmente com o surgimento do Estado. Segundo Eugenio Raúl Zaffaroni diz que a pena “há vários séculos procura um sentido e não o encontra, simplesmente, porque não tem sentido a não ser como manifestação de poder”. Em suma pode-se destacar as três formas de punição do início dos tempos; como a Punição Privada, a Divina e a Pública.
No que se refere a Punição Privada, desde os primórdios da civilização, onde não havia sociedade organizada e por consequência não existindo a figura do Estado, pois os homens viviam em clãs ou tribos e ligados pelos laços sanguíneos. Ocorria que se alguém infligisse dano a outra pessoa seria punido mediante ato da própria vítima ou de seus familiares, pela razão do mal sofrido.
Nesta época a punição Privada é considerada pela maioria dos autores como o marco inicial na evolução da pena, no que há de se convir, que tal punição se trata de nada mais do que uma vingança exercida pela própria vítima ou por seus familiares pelo motivo do mal sofrido. Sendo a vida do homem primitiva, entende-se que eles se sentiam protegidos pelo fato de viverem em família, unidos pelo fato de terem o mesmo “vínculo de sangue”; e por este motivo de seu origem a “vingança de sangue”, porque eles entendiam que isso era uma espécie de dever sagrado, pela razão de que um membro de uma determinada família teria de matar um membro de uma outra família, se por um acaso fosse vítima de um homicídio. Mas caso tal agressão fosse de um outro grupo, desvinculado destes laços de sangue, surgiria o início de uma grande guerra entre os grupos.
Percebe-se que nesta época tal vingança pessoal, não havia nenhuma proporção entre areação do ofendido e a ação do agressor, pois tais vinganças eram exercidas sem limites e sem nenhum tipo de controle, já que não havia uma forma de poder administrativo, mas o que existia era somente a preocupação com a punição e não com a causa do delito ocorrido.
Tendo a “Lei de Talião” em seu surgimento – abordando-se o respaldo por suas inúmeras legislações, como o Código de Manu e o Código de Hamurabi, a punição “Privada” desapareceu, mas houve a continuação da aplicabilidade só que maneira diferente, ou seja, a pena passou a guardar certa proporção em relação ao delito cometido.
Punição Divina, o jus puniendi possuía uma forma religiosa e havia com fundamento a justiça divina, pela qual a punição era representada a própria vontade dos deuses. O gregos, o hindus, os romanos, os babilônicos, os chineses, os egípcios e os persas adotaram tal maneira do direito de punir. Os deuses tinham uma influência muito profunda na vidas dos homens da Antiguidade, que surgia a interferência deles até no próprio julgamento do criminoso, onde pode-se ter como exemplo Orestes, filho do Rei Agamemnon e da Rainha Clitemnestra (de Micenas resectivamente).
“Na fase da vingança divina, o jus puniendi possuía um cunho religioso e tinha seu fundamento na justiça divina. A punição representava a própria vontade dos deuses. Os babilônios, os gregos, os romanos, os hindus, os egípcios, os persas e os chineses adotaram essa forma do direito de punir” (CORDEIRO, 2006, p.13).
A respeito da ilegalidade é constantemente vivida,conforme a quantidade de dispositivos jurídicos que se tem, para que se possa ser mantido no mínimo à estas pessoas ,a garantia da dignidade humana. Onde determina o artigo 3º da LEP : “Ao condenado e ao internado serão assegurados todos os direitos não atingidos pela sentença ou pela lei”.
Existe uma distância imensa entre a prática da realidade penal e o ideal normativo, dentro dos presídios. Logo, em nossa Constituição Federal em seu artigo 5º, III, estabelece que “ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante”, e no dentro do referido artigo no inciso XLIX, rege que : “ é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral. Tendo em vista que dentro da Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) e na Convenção Americana de Direitos Humanos (1969), em seus respectivos artigos 5º e em 5º,§ 2º. Onde pode-se ser consideradas as regras mínimas para o tratamento dos prisioneiros da ONU (1957) e também a Resolução nº 14/94 do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária. Diante da vasta lista de dispositivos jurídicos que foi mencionada, não deveriam ser desprezadas pelo Estado e ser tê-las como base para as políticas penitenciárias.
A Lei de Execução Penal é uma bela obra de ficção pela qual se encontra em nosso ordenamento jurídico brasileiro; criada para que se possa servir de orientação quanto as orientações e formas que a pena seria cumprida, por cada preso.
A Lei 7.210 /84, já nasceu morta, assim como muitas no Brasil. Pois pode-se ter esta visão da referida Lei pelo fato de em seus artigos 10 e 11, disporem sobre as espécies de assistência à que o preso tenha direito, que diz:
“Art. 10 - A assistência ao preso e ao internado é dever do Estado,objetivando prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em sociedade.
Parágrafo único: A assistência estende-se ao egresso.
Art.11 - A assistência será:
I - material;
II - à saúde;
III - jurídica;
IV – educacional;
V - social;
VI - religiosa.”
No artigo 12 da referida Lei, no tocante de seu conteúdo que fala à respeito da Assistência Material, se fazendo trazer a realidade dos presos, contrariam e muito o conteúdo de tal dispositivo legal. Quando o referido artigo rege que: “[...]fornecimento de alimentos,vestuário e instalações higiênicas.”, logo percebe-se que acontece ao contrário do que a Lei estabelece, pois se tem seres humanos vivendo em celas e corredores,onde os mesmos são obrigados a conviverem no meio de ratos e baratas, sem mencionar no mal cheiro que se exala de cada cela, pois não há higiene dentre eles. Assim, como o vestuário, não se tem. O esgoto pode ser visto a céu aberto, onde acontece em presídios de nosso país.
2.1 Histórico
Os primórdios bíblicos atestam os primeiros conceitos de sanção como decorrência de flexão de condutas em tese tipificadas. O conceito mítico do bem e do mal e a transgressão de normas estabelecidas sobre um poder supremo avocando o direito de punir nos remete a pena decorrente do pecado original, ruptura do preceito proibitivo da “árvore do conhecimento do bem e do mal”, pois mesmo Adão e Eva tendo plena consciência sobre tal advertência pelo ato que seria praticado, tornaria “crime de desobediência”, perante a ordem dada pelo Supremo Deus.
Na qual resulta-se na existência de uma tipificação, fruto da árvore proibida com a respectiva sanção, direito de punir Soberano de DEUS, em seu cumprimento sumário da pena, à saber, a partir daquela data o homem e mulher passariam a sofrer fisicamente e psicologicamente as sanções impostas pelo Senhor Deus (trabalho e labuta árdua em prol dos seus sustentos), além da expulsão de ambos do jardim do Éden. Conforme sita a bíblia sagrada em seu livro de Gênesis cap. 3: 16-19.
Destarte, é de bom alvitre ressaltar que o primeiro homicídio da história da humanidade fora perpetrado por um dos nossos ancestrais, a saber: Caim contra Abel seu único irmão, e que sua forma punitiva também fora imposta pelo Criador, em Gênesis cap.4: 9-12. Tirando assim de Caim as bênçãos que outrora este fazia jus, conotando desta forma, uma punibilidade excessiva conforme preceituavam os padrões éticos, religiosos e acima de tudo morais daqueles tempos. Observando-se assim o surgimento dos primeiros fatos relatados de cumprimento de sentença na história da humanidade.
Há ainda que se ressaltar a existência de várias outras modalidades de crimes e punições, dentre as quais a mais extrema de todas, ou seja, apedrejamento até a morte para os que viessem descumprir os ordenamentos previamente estabelecidos tendo como exemplo: adultério, homicídio, roubos, entre outros conforme determinava a cultura e costumes de cada comunidade especificamente desde os tempos primórdios da humanidade.
Sendo que em sua maioria, tais procedimentos foram passados diretamente a Moisés (provavelmente o primeiro desembargador do mundo), por Deus.
Pois Moises foi o único que teve a honra da por DEUS de julgar as pessoas pelos seus atos/crimes, conforme o capítulo de Êxodo cap. 18: 21-26.
Vale se ressaltar pra a realidade do mundo em que vivemos,pois conforme diz Bittencourt : “a prisão é uma solução amarga porém necessária”, onde se faz necessária a junção das palavras de Muñoz Conde: “sem a pena não seria possível a convivência em sociedade”.
2.2 A privatização do sistema prisional
Com o entendimento de Edmundo Oliveira , a ideia de prisão encontra seu antecedente mais remoto no início da civilização, quando as tribos primitivas prendiam o inimigo em cavernas, para a proteção da família e da tribo. Ainda faz citação como, por exemplo, o da prisão privada na história antiga, a masmorra, utilizada pelos hebreus.
Acontece que naquela época não havia ainda a figura do Estado e nem tão pouco a ideia de seu surgimento, assim como não havia sociedade politicamente organizada, e a soberania tinha o conceito desconhecido, logo não se pode falar em antecedente da prisão privada.
O surgimento da ideia de privatização do sistema penitenciário foi antevista no ano de 1.761 por Jeremy Bentham, onde fazia a defesa da entrega da administração das prisões à particulares, pela qual poderiam fazer uso como fábricas.
Na visão deste idealizador do panóptico, se fazia contrato com a administração e podendo até auferir lucros. Pois mesmo nesta época, neste século de XVIII, Bentham, teve já o entendimento dos possíveis abusos que poderiam surgir desta maneira de encarceramento, logo ele entendia que o contratante poderia te administrar a sua maneira, desde que não maltratasse, que não passem fome e que não houvesse mortes em grande número.
Destarte que Bentham, de acordo com seu entendimento havia muitas maneiras de se ter vantagens que se apresentou pelo panóptico, a mencionar:
“1) Vigília constante do inspetor;
2) Economia pois o trabalho de inspeção poderia ser feito apenas por uma pessoa e de modo bastante rigoroso;
3) Da mesma forma que os prisioneiros, os subordinados ao inspetor estariam sob constante e rigorosa vigília por parte deste.”
Na visão deste idealizador do panóptico, se fazia contrato com a administração e podendo até auferir lucros. Pois mesmo nesta época, neste século de XVIII, Bentham, teve já o entendimento dos possíveis abusos que poderiam surgir desta maneira de encarceramento, logo ele entendia que o contratante poderia te administrar a sua maneira, desde que não maltratasse, que não passem fome e que não houvesse mortes em grande número.
Fazia-se desnecessárias o uso de ferros ou castigos severos nos prisioneiros, pois com total ausência de motins, brigas, aglomerações ou até mesmo conspirações.
Havia ainda a questão que o panóptico permitia uma economia considerável aos cofres públicos, pois com a inexistência de qualquer forma ou possibilidade de fuga tornava desnecessário o gasto com uma construção de economicamente cara, ou seja, o edifício panóptico proporcionava uma adequação de punição, uma reforma necessária e aos cofres públicos uma considerável economia.
O surgimento da ideia contemporânea de privatização dos presídios veio através do sistema penitenciário falido, de forma onde a pena de prisão, forma de sanção ainda aplicada em maioria dos crimes, encontra-se de declínio, marcada por tamanha crueldade e responsável pelo perdimento da pessoa do “preso” , com o retorno da vida em sociedade.
Alguns Estados norte-americanos , no século XIX ,como Nova Iorque, faziam uso de estabelecimentos penitenciários a empresas privadas; assim como exemplo das prisões de Auburn e Sing-Sing, onde se teve esta experiência fracassada pelo motivo de várias denúncias de maus tratos e pelos abusos físicos cometidos contra os próprios reclusos.
Outro fato que levou à contribuição do insucesso desta empreitada, foi a utilização da mão-de-obra de forma gratuita dos presos pelos empresários gestores de tais prisões, dando-lhes uma proporção de um custo menor na produção e , com esta situação colocava os concorrentes em tamanha desvantagens , onde se resultou em grandes protestos.
Na Espanha, houve alguns estabelecimentos penitenciários que foram administrados por religiosas, mas sem a intervenção estatal, que foi o caso da “Casa Galera de Mujeres de Alcalá de Henares”.
Para Phil Smith, três fatores foram decisivos para que a ideia de privatizar prisões fosse retomada pelos Estados Unidos no século XX, a saber: 1) a ideologia do mercado livre; 2) o aumento exacerbado do número de prisioneiros; 3) o aumento dos custos da prisão.
Um estudo aprofundado do fenômeno da privatização das prisões, deve-se situar imprescindívelmente o tema no contexto histórico, político, social e econômico onde ensejou a proliferação desta maneira de gerenciamento de estabelecimentos penitenciários.
Somente há pouco tempo o preso começou a ser visto como “sujeito de direitos”, no que se deixou se ser apenas objeto da execução penal, portanto sendo-lhe assegurado o devido respeito à dignidade através de um tratamento justo e humano, podendo possuir a pena apenas em caráter ressocializador.
Se direcionando para as condições subumanas e também precária que são oferecidas ao recluso nos estabelecimentos prisionais, onde se verifica que não o cumprimento dos objetivos propostos em relação a pena prisional.
Por outro lado o índice de criminalidade teve um grande aumento a reincidência com índices enormes, o surgimento dentro dos próprios presídios que são as organizações criminosas, onde se faz um verdadeiro Estado paralelo, tendo em vista também a corrupção de alguns agentes penitenciários e policiais se alastrou. Estas características mencionadas são facilmente encontradas em inúmeros países do mundo e, mas em especial em nosso próprio país.
Sob a incapacidade comprovada do Estado para administrar o sistema prisional, assegurando os presos em sua custódia os direitos humanos, e em face da sua total impossibilidade de dar meios para que a pena, possa cumprir seus objetivos de prevenção, retribuição e de ressocialização, é que têm surgido algumas experiências quanto à forma de gerenciamento prisional.
Neste contexto é que a privatização está ganhando espaço em seu favor.
Para alguns defensores da ideia de privatização, se percebe que veêm a diminuição dos gastos do Estado com relação ao setor penitenciário, desta forma também como a eficiência que pode ser alcançada pela iniciativa privada na consecução dos fins da pena.
O Estado vem perdendo ao passar dos dias, no mundo globalizado em que vivemos, seu caráter intervencionista, seno assim inclusive nas áreas sociais, outrora regidas por políticas de natureza pública, como se faz o caso de previdência , da educação, da saúde. Sendo assim, que nesse Estado de mínima intervenção que a ideia de privatização dos presídios verificou este terreno fértil, segundo o qual o lucro é o principal, ou , senão o único objetivo.
Na incapacidade de proporcionar um excelente nível de ensino, de forma que não erradicar o analfabetismo, como também proporcionar um ótimo rendimento escolar, aos poucos o Estado ( e quando se à referência é apenas do Brasil) pode-se dizer que “se foi lavando as mãos” na área educacional, embora esteja em sua responsabilidade. E assim permitindo que particulares investissem na construções e no próprio gerenciamento de escolas e universidades, fazendo com que o sistema particular de ensino, se tornasse um filão de ouro, onde se é capaz de contrair lucros exorbitantes. Onde não pode se deixar de salientar que as escolas em via de regra, têm grande valia no seu oferecimento nível educacional aos seus alunos em relação aos da rede pública de ensino.
Por outro lado o sistema de saúde pública, se caracteriza pelo quadro de funcionários que são mau-remunerados, de hospitais incapazes de abrigar a grande demanda de pacientes, onde não há bons equipamentos. Onde o próprio Estado levou ao particular uma boa opção no mercado da saúde, e de maneira muito rentável.
A deficiência da previdência pública, que se impossibilita de prestar seu serviço de forma razoável a seus segurados e beneficiários, vitimada pela corrupção que se generalizou, que o Estado abre novamente espaço de forma rentável neste setor da previdência privada.
Destarte, que nem o próprio Direito Penal teve como escapar destes efeitos do neoliberalismo. Sendo que o Direito Penal tutela os interesses da coletividade, que se têm como interesse de salvar e guardar os bens que são “caros” ao indivíduo, assim como a liberdade, a vida e a honra.
Com o surgimento da globalização da economia, o Direito Penal teve que se adaptar a uma nova roupagem, através de lei criminalizadoras de condutas. Contudo, prevendo em maioria restrições à liberdade, ora pela flexibilidade na atuação dos órgãos encarregados da justiça penal.
De acordo com Luiz Flávio Gomes, são sete os pecados capitais do Direito Penal globalizado:
“1) hipertrofia irracional (caos normativo); 2) instrumentalização (do Direito Penal); 3) inoperatividade, seletividade e simbolismo; 4) excessiva antecipação da tutela penal (prevencionismo); 5) descodificação; 6) desformalização (flexibilização das garantias penais, processuais e execucionais); e 7) prisionalização (explosão carcerária).”
Ao editar as leis o legislador brasileiro , eventualmente edita em caráter descriminador e despenalizador, tendo como objetivo de satisfazer ao Estado oferece uma resposta estatal, ao comportamento delitivo, e de forma mais eficaz e formal.
Nossa própria Constituição Federal, em seu artigo 98, inciso I, estabelece que a União, No Distrito Federal e nos Territórios, e os Estados, criariam juizados especiais, “competentes para a conciliação, o julgamento e a execução de (...) infrações penais de menor potencial ofensivo, mediante os procedimentos oral e sumaríssimo”, podendo ser feita a transação.
A Lei nº 9.099/95, em sua conformidade que se instituiu aos Juizados Especiais Cíveis e Criminais, cujo a inauguração de um novo modelo de justiça penal, denominado-se consensual, onde o Ministério Público, em alguns casos previstos na legislação, pode se dispor da persecutio criminis através da aplicação de aplicação de institutos despenalizadores e descarcerizadores, a saber que: suspensão condicional do processo e a transação penal.
Destarte que a Lei nº 9.714/98, em sua alteração a redação da Parte Geral do Código Penal, onde se observou novas formas de modalidades de penas alternativas, assim como ampliou as possibilidades de aplicabilidade de substitutivos penais à pena privativa de liberdade cuja condenação não ultrapasse de a quatro anos e também quando o crime não tenha sido cometido com violência ou mesmo com grave ameaça à pessoa, e desta forma nos crimes culposos, qualquer que seja a pena aplicada.
Ao mesmo tempo em que na legislação penal sendo aplicada em uma postura moderna, como a que é estabelecida nas Leis nº 9.099/95 e na Lei nº 9.714/98, mas em relação à mídia e a sociedade não há resistência do Brasil, tendo em vista que a própria sociedade está assustada com índice enorme e que vêm crescendo a cada dia, assim como a ousadia dos criminosos, onde ocasionalmente não deixa de envolver no ordenamento jurídico leis rigorosas, com penas mais severas, de forma a serem cumpridas em regime de preferência integralmente fechado.
A tendência da privatização do sistema penitenciário, não teve como o Brasil resistir levada a efeito pelos Estados Unidos e, copiando tal ideia, vem adotando ainda que forma lenta, um modelo novo de gerenciamento prisional. Onde surge a cobiça do empresariado agora no rentável mercado das prisões.
A forma abordada de privatização, que vem surgindo como uma onda, na questão da proposta da prestação de determinados serviços e tendo com isso a qualidade de baixo preço, e que não há um bom resultado, podendo ser vista no setor de telefonia, esgoto e água.
Logo, tendo visto a questão do envolvimento da privatização e a terceirização do sistema prisional tem mais complexidade, de forma que não pode ser vista somente pelo lado lucrativo.
2.3 Aspectos históricos
Destarte que foi visto que desde o fim da vingança privada e do surgimento do Estado, sempre foi considerado o direito de punir sendo uma característica inerente do ente estatal, seno o único que tem legitimidade para exercer o monopólio do uso da força física, através dos órgãos encarregados para este fim, sendo “solo El Estado puede ejercitar El ius puniendi de maneira imparcial, institucional e coactiva”.
Porém vivia-se o homem em um estado de pobreza , sendo que a liberdade era exercida sem qualquer limite, em um constante estado de guerra, onde renuncia a sua porção individual de liberdade em favor do Estado.
O homem perdia assim sua liberdade natural e um direito ilimitado em relação a tudo o que fosse desejável. Por outro lado, havia o ganho a liberdade civil e o direito à propriedade, assim prevalecendo a vontade geral. Onde se deixava o homem de ser um “ animal estúpido e limitado”, se transformando em contrato social “ num ser inteligente, num homem”.
Diante do pacto social existente, passou o Estado a exercer, através da soberania, um poder absoluto sobre seus membros, onde era o único detentor do poder, pois ditava as leis, executava e interpretava e, tudo em prol do bem comum.
A sociedade ficou indissociável do conceito de Estado, sendo assim considerada um de seus elementos essenciais. Defendida por Jean Bodin como elemento essencial do Estado, uma e indivisível, indelegável e irrevogável, a soberania encontra seus fundamento no momento histórico que culminou com o surgimento do Estado moderno, o qual procurava se desvincular de forma definitiva do poder da Igreja, devendo ser assentado numa monarquia independente e absoluta, sem sofrer ingerências do poder secular.
Beccaria (2000, p.41) via a soberania como a soma das porções de liberdade individual, sacrificadas pelo homem em favor do bem comum, sendo o soberano “o seu legítimo depositário e administrador”.
“Sendo a soberania um poder absoluto do Estado perante os seus membros, unidos pelo pacto social e refletindo a vontade geral, ela jamais poderia ser alienada ou dividida, sob pena de destruição do próprio corpo político. Era justamente pela soberania que o Estado exercia o monopólio legítimo do uso da força física.” (CORDEIRO, 2006, p.71).
De igual forma, a soberania era considerada indelegável, não podendo o Estado transferi-la a outrem, visto que a vontade geral não poderia jamais ser transferida.
Sem querer aqui adentrar nas incansáveis discussões acerca das teorias do Estado, sob as mais variadas concepções, dentre elas a de cunho sociológico, o fato é que, representando o domínio dos mais fracos pelos mais fortes (Franz Oppenheimer), o poder organizado para a opressão de uma classe por outra (Karl Marx), tendo como seu fundamento a força (Leon Trotsky), não se pode olvidar que ao longo dos tempos o Estado é tido como único entre com o direito de utilizar-se da violência de forma legítima, seja ela física ou material.
Dentro do seu poder de império, é o Estado o único ente com o poder de estabelecer regras de comportamento, dispondo dos meios materiais necessários para fazer que elas sejam observadas, exercendo, assim, o monopólio da coação organizada e incondicionada. Sendo a execução penal uma consequência do direito de punir, representa ela também o jus imperium do Estado”.
Dentro do seu poder de império, é o Estado o único ente com o poder de estabelecer regras de comportamento, dispondo dos meios materiais necessários para fazer que elas sejam observadas, exercendo, assim, o monopólio da coação organizada e incondicionada. Sendo a execução penal uma consequência do direito de punir, representa ela também o jus imperium do Estado”.
Assim, a soberania serviu para justificar tanto o poder supremo do monarca sobre os demais poderes existentes à época, quanto sobre cada um de seus súditos.
“Sendo a soberania um poder absoluto do Estado perante os seus membros, unidos pelo pacto social e refletindo a vontade geral, ela jamais poderia ser alienada ou dividida, sob pena de destruição do próprio corpo político. Era justamente pela soberania que o Estado exercia o monopólio legítimo do uso da força física” (CORDEIRO, 2006, p.71).
Em outras palavras, sob o prisma da teoria contratualista, a privatização dos presídios importa na delegação da soberania do Estado, único ente com o poder de legislar, prender, julgar, punir e executar seus julgados, através de seus diversos órgãos.
Ora, é da essência do Estado exercer “o monopólio social da coação organizada, o poder incontrastável de ditá-la e impô-la indistinta e irresistivelmente a todos os grupos sociais”, esclarece Cordeiro (2006), portanto, a ideia privatizadora dos presídios abre caminho para que um determinado grupo social passe a exercer o poder de coerção física sobre outro grupo social, numa verdadeira negação do Estado.
De outra forma, renunciando o Estado a parcelas de sua soberania, precedentes estarão abertos para que grupos,facções e instituições venham a enfraquecê-lo, comprometendo assim, a sobremaneira e a supremacia do poder político estatal.
Vendo por outro lado, a punição tem sido utilizada e defendida como método de controle do crime, justificando o próprio direito de punir do Estado, com seus mecanismos punitivos a serem empregados pelos órgãos destinados a exercê-lo.
A forma de punição tem variado conforme o momento histórico vivenciado por determinada sociedade, porém, não se deve esquecer que a punição ao longo dos tempos, de um modo mais ou menos intenso, sempre guardou consigo um certo ranço de vingança, nunca se desvinculando de sua finalidade retributiva. Conforme Oswaldo Henrique Duek Marques (2000):
“(...) não pode ser afastada da pena sua função de veicular e canalizar a demanda primitiva por vingança demanda essa que traduz uma realidade do inconsciente coletivo. De fato, não se pode excluir da reação punitiva essa função, tão-somente porque a punição encontra arrimo nos textos legislativos ou porque é referendada pela ordem social.”
Portanto, nunca tendo a pena se desvinculado de seu caráter retributivo, sendo vista pela sociedade como forma de vingança a ser aplicada ao criminoso que violou as regras sociais impostas, parece inadequada a transferência da responsabilidade de sua execução para o particular, numa verdadeira anomalia histórica.
É de ressaltar que, mesmo monopolizando o exercício da força física, ao longo da história da Humanidade, o Estado sempre se valeu de abusos e excessos a pretexto de controlar o crime, através da aplicação de penas humilhantes, brutais, como ocorreu durante o Estado absolutista. E continuou servindo-se de tais práticas mesmo nos Estados liberal, social e neoliberal, onde a tortura foi e ainda é meio utilizado para a obtenção de confissões e as condições de encarceramento atingem formas subumanas, tornando a pena privativa de liberdade de um verdadeiro tormento para aquele que a cumpre.
Mesmo em se tratando dos documentos internacionais,nem mesmo eles, como a Declaração Universal de Direitos do Homem, as Regras Mínimas para a Prevenção do Delito e Tratamento do Delinquente, a Convenção contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanas ou Degradantes, ou a consagração nas constituições modernas da dignidade humana como fundamento do Estado Democrático de Direito, foram suficientes para conter os abusos do Estado diante dos direitos humanos mais elementares do homem livre e, em especial, do preso.
O Estado com todas as suas normas de proteção à dignidade humana e à liberdade e, com todos os órgãos encarregados de fiscalizar tais direitos considerados fundamentais ao próprio Estado de Direito, não conseguiu eliminar os abusos de decorrentes da execução da pena privativa de liberdade, logo pode-se imaginar o que poderá ocorrer se tal responsabilidade for transferida para o particular? Não poderia ser um visão pessimista prever o remoto da vingança privada, num retrocesso histórico sem precedentes.
Destarte que a situação do recluso, por vezes, impõe a utilização da força letal por parte da administração prisional,onde esta, para manter a ordem é dotada de uma certa discricionariedade e também a disciplina no estabelecimento, onde é uma decorrência da própria soberania do Estado.
Entretanto, se faz há menção da preocupação com a transferência desta discricionariedade para o particular, onde poderá dar azo a abusos que escaparão por completo ao controle do Judiciário e das demais instituições que são encarregadas de velar pela fiel execução da pena privativa de liberdade.
Em face das dificuldades em investigar e apurar responsabilidades sobre desvios da execução penal, favorecimento à fuga de presos, corrupção de agentes penitenciários, violência policial e crimes no interior dos presídios controlados pelo Estado e fiscalizados por suas instituições, mais complicado ainda será fazê-lo num estabelecimento prisional privado.
“Também em decorrência do direito de punir, é comum a utilização da força física pelo Estado para conter rebeliões, motins e fugas nos estabelecimentos prisionais, geralmente, ocorrendo excessos, como aconteceu na Casa da Detenção do Carandiru, em 1992, um exemplo claro do uso da força física abusiva por parte do ente estatal, sob os olhos das câmeras de televisão, da sociedade e do mundo, culminando com o assassinato de pouco mais de uma centena de detentos” (CORDEIRO, 2006, p.74).
Então, como admitir a transferência da utilização da força física para o particular? Sob o comando de quem? Sob a responsabilidade de quem? Como permitir que um indivíduo funcionário de uma empresa privada adentre num estabelecimento prisional para conter uma rebelião, fazendo uso de armas e de violência contra presos julgados e punidos pelo Estado? Quem dará a ordem de invasão? Quem fornecerá as armas? Como fica a responsabilidade do Estado em relação ao preso de um estabelecimento prisional privado? Até onde vai essa responsabilidade?
Tais indagações, apesar de já questionadas, jamais foram respondidas a contento pelos defensores da privatização dos presídios.
Charles Logan (2002):
“Ao enumerar dez categorias para estudar o assunto da privatização das prisões, dentre elas propriedade, qualidade, custo, responsabilidade, quantidade, segurança, corrupção, assevera que para qualquer problema levantado em relação às prisões privadas existe um semelhante para as prisões públicas. Por esse raciocínio, excessos no uso da força física contra os presos podem ocorrer tanto nas prisões privadas quanto nas públicas, contudo, o Estado e o particular devem obediência à lei. Eis uma resposta evasiva e óbvia.”
Uma das questões cruciais que envolvem a problemática da privatização das prisões consiste justamente na indelegabilidade do jus puniendi, como característica da própria soberania do Estado.
Transferir a execução da pena privativa de liberdade, parte indissociável do direito de punir, para a iniciativa privada implica uma delegação do próprio jus puniendi, capaz de comprometer a soberania do Estado que, até então, desde o fim da vingança privada, sempre foi o detentor exclusivo do exercício da força física sobre o indivíduo.
Transferir a execução da pena privativa de liberdade, parte indissociável do direito de punir, para a iniciativa privada implica uma delegação do próprio jus puniendi, capaz de comprometer a soberania do Estado que, até então, desde o fim da vingança privada, sempre foi o detentor exclusivo do exercício da força física sobre o indivíduo. Ademais, o Estado é responsável por cada um de seus cidadãos, em especial, aqueles que se encontram sob sua custódia. A transferência dessa responsabilidade abre espaço para que os direitos humanos mais elementares sejam violados, distantes de qualquer controle.
No entendimento de Luis Fernando Camargo e Barros Vidal, a privatização tem em seu significado em que a entrega pelo Estado ao particular da tutela do bem mais caro ao homem – a liberdade. E diz mais, “é a negação do Estado pela usurpação dos poderes a ele conferidos pelo indivíduo; é flanco aberto e direto à superação do Estado”.
A iniciativa privada, ao se responsabilizar pela execução penal, poderá cumprir tal tarefa de forma parcial, estando sujeita às pressões populares, levando a aplicar aos presos sob sua custódia, procedimentos diversos daqueles fixados pela sentença condenatória, uma vez que fora do controle do Estado. A vingança privada poderia retroceder no tempo.
A privatização dos presídios coloca em risco a segurança jurídica, o princípio da inocência e a própria função do Estado na condição de responsável pela execução penal. Outrossim, contraria a essência do pensamento liberal – ainda encontrada e nossa própria Constituição Federal -, marcada pela limitação do poder do Estado ante o indivíduo.
Declara Newton Fernandes (2000) que:
“(...) inicialmente, o Estado, seja do ponto de vista moral, seja do ponto de vista jurídico, não está legitimado para transferir a uma pessoa, natural ou jurídica, o poder de coação de que está investido e que é exclusivamente seu, por ser, tal poder, violador do direito de liberdade. Além disso, seria intolerável que um indivíduo, além de exercer domínio sobre outro, aufira vantagem econômica do trabalho carcerário. (...) Sendo a execução penal, uma atividade jurisdicional indelegável, pode-se concluir que a administração penitenciária é, também, indelegável e só poderá ser exercida pelo Estado. A violação da indelegabilidade da atividade jurisdicional importa em inconstitucionalidade. (...) A Lei de Execução Penal, além de proibir que o trabalho carcerário seja gerenciado por empresas privadas, proíbe, também a delegação da gestão penitenciária aos participantes.”
Para que se tenha uma ideia do real significado da privatização dos presídios, basta analisar a informação prestada por Raymundo Baptista de Oliveira, diretor do Centro de Treinamento de Profissionais de Segurança Thor e presidente da ASIS, ao dizer que nos Estados Unidos da América as condições dos presos são consideravelmente melhores em relação ao Brasil, as celas são individuais, as delegacias abrigam apenas presos provisórios por curto período de tempo, “a violência na prisão é duramente reprimida para que se mantenha a ordem e possibilite a recuperação dos detentos”.
O que traz grande preocupação é justamente a forma empregada pelos administradores das prisões privadas para coibir a violência no interior de seus estabelecimentos, mediante a utilização de métodos repressivos que fogem por completo ao controle do Estado e, pior, quando não se encontram legitimados para tanto.
Ademais, a experiência norte-americana vivenciada pelos estabelecimentos prisionais privados não é tão deslumbrante e cheia de êxito quanto se alardeia.
2.4 Aspectos políticos
Situação não menos preocupante a envolver a privatização dos presídios diz respeito à possibilidade desse rentável mercado de controle do crime propiciar um incentivo cada vez maior à criminalidade e também à adoção de políticas de encarceramento, tal como se constata nos Estados Unidos, cujo índice de encarceramento é o segundo maior do planeta.
“O modelo econômico neoliberal globalizado tem demonstrado que os seus tentáculos são irrefreáveis, ressentindo-se os seus efeitos nas economias do mundo inteiro, daí porque se argumenta que a lucratividade da privatização dos presídios poderá levar ao incentivo do aumento da criminalidade e das taxas de reincidência, uma vez que o encarceramento passará a ser sinônimo de lucro. Enfim, a avidez capitalista por lucro poderá fazer do crime uma verdadeira industriam” (CORDEIRO, 2006, p.78).
Numa visão tipicamente capitalista, as empresas privadas que administram as penitenciárias volvem os olhos apenas para os estabelecimentos capazes de gerar lucros, aqueles considerados “ponta leve do sistema”, ou seja, os estabelecimentos de pequena e média segurança, deixando o Estado responsável pelo setor mais problemático do sistema prisional.
O desinteresse das empresas pela administração de presídios considerados de segurança máxima se dá pelo fato de implicar maior custo (investimentos em equipamentos de alta tecnologia) e maior preocupação (rebeliões, fugas). Ao contrário do que acontece na “ponta leve do sistema”, onde o investimento é menor e o lucro é garantido.
“Tornando-se a prisão um negócio lucrativo sob variados ângulos, gerando lucros para empresas de construção e engenharia, de equipamentos de segurança, eletrônica, alimentação, etc., aqueles que sonham com sua destinação para o cumprimento de pena decorrente de delitos de média e alta gravidade se tornarão vozes no espaço, e a estes sucederão os lobistas, os empresários desse novo modelo industrial, que cada vez mais alimentarão o rentável caldeirão do aprisionamento” (CORDEIRO, 2006, p.79).
Recaem sobre a Corrections Corporation of America (CCA), uma das maiores empresas do ramo da administração prisional, sérias denúncias de corrupção e relações escusas com o Estado do Tennessee, onde possui estreita amizade com as mais altas autoridades. Inclusive, a CCA está sendo investigada pelo possível pagamento de propinas que giram em torno de um milhão de dólares para administrar o South Central Correctional Center, em Pikeville. Igual suspeita recai sobre vários outros contratos adquiridos pela CCA.
O incentivo ao crescimento da indústria do encarceramento nos Estados Unidos, constatou-se que não é feito apenas pelas empresas, mas também pelos próprios sindicatos de guardas prisionais, defensores ardorosos da expansão das prisões privadas, afinal, implica mais contratações de guardas, salários mais altos e maiores benefícios.
Denuncia Eric Lotke que o ganho médio anual de um guarda de prisão na Califórnia é superior ao que ganham professores de escolas e universidades. Diante dessa peculiar e favorável situação, os sindicatos chegam até a fazer “lobby por sentenças mais longas e leis mais duras”.
2.5 Aspectos éticos
A dor, o sofrimento, os maus-tratos, a perda da auto-estima, a estigmatização, o rompimento de laços familiares e afetivos, a violência cotidiana sofrida no interior da prisão, enfim, todos esses aspectos negativos, dentre tantos outros, são indissociáveis do encarceramento, até mesmo complementares à pena privativa de liberdade, especialmente no Brasil, onde a triste situação carcerária foi denunciada de forma irrepreensível pela HumanRights Wacht, que entendeu ser necessária uma constante fiscalização internacional do tratamento dos presos no país.
É nesse contexto de inevitável imposição de sofrimento ao recluso que grande crítica tem sido feita à privatização dos presídios, uma vez que possibilita o auferimento de lucro em detrimento do “sofrimento humano”.
Para Cordeiro (2006, p.80): “Transformar o preso em mero instrumento de obtenção de lucro, indiscutivelmente, fere a sua dignidade, deixando-o completamente à mercê de sua própria sorte, distanciado de qualquer controle estatal”.
A dor e o sofrimento como fonte de lucro traz uma certa inquietação, pois quanto maior a dor e o sofrimento maior será o lucro obtido, e quanto maior o número de aprisionamento maior o número de estabelecimentos prisionais e de empresas particulares a administrá-los.
“A privatização das prisões reflete um problema de natureza especialmente ética, uma vez que a sua força motriz é a maximização do lucro, o que impede a necessária preocupação com os direitos dos presos. Ademais, nas prisões públicas, os administradores são agentes públicos, representantes do Estado” (CORDEIRO, 2006, p.80).
Parece até incoerente que o Estado, através de seus diversos agentes – no caso do Brasil, todos os agentes públicos concursados – prendam, acusem, julguem o homem e ao final entreguem ao particular a tarefa de executar a pena imposta, mediante o auferimento de lucro.
Nesse diapasão, poder-se-ia chegar ao absurdo de começar a se pensar em privatizar a polícia, o Ministério Público e a magistratura, afinal, se a tarefa-fim da persecução criminal foi privatizada, por que não fazê-lo logo em seu nascedouro?
É de se atentar que muitas funções, outrora de caráter eminentemente público, no âmbito do sistema policial, judiciário e penitenciário, estão sendo privatizadas.
O setor da segurança privada cresceu vertiginosamente em relação ao da segurança pública, com grande aumento na contratação de guardas privados em relação a policiais. A criação dos tribunais arbitrais tem deslocado muitas demandas do Judiciário para serviços privados de mediação e arbitragem. Alguns estados vêm contratando empresas particulares para construírem e administrarem estabelecimentos penitenciários.
Desse modo, não há como conter uma certa preocupação diante da dúvida em relação a quem caberá conter esse desenfreado e lucrativo mercado da dor. De igual forma, se constata uma inquietação sobre o interesse em se conter a criminalidade e o crime organizado. Talvez não possa mais sequer interessar a alguém investir em políticas sociais capazes de inibir a delinquência, principalmente a juvenil.
Passando o preso a ser objeto de lucro, não interessará à empresa, segundo uma visão mercantilista, a sua ressocialização, sendo “evidente que não interessaria a uma empresa privada ressocializar ninguém, muito pelo contrário, um homem ressocializado seria menos um em suas celas”, destaca Moreira (2002, p.55).
Também não é pessimismo imaginar que o objetivo da execução penal seria completamente desvirtuado, uma vez que a finalidade ressocializadora seria relegada a segundo plano, em detrimento da lucratividade que o preso passa a representar. Assim, Carvalho (1994, p.113) afirma:
“(...) as penitenciárias particulares transtornariam o objetivo da execução penal, subordinando a reinserção social do preso ao lucro que ele representa, não só pela taxa paga pelo Estado, como também por ser, no interior do presídio, mão-de-obra barata, dócil e manipulável.”
Como bem observou Eric Lotke, “as companhias de prisões privadas constituem hoje um novo ingrediente na economia dos Estados Unidos”.
Sinonimizando o encarceramento a obtenção de extraordinários lucros, compreensível a atitude das empresas desse ramo em fazer verdadeiras campanhas publicitárias para influenciar a opinião pública a exigir maior rigor na punição e, portanto, mais prisão.
Essa atitude já tem se concretizado, basta ver o quanto os noticiários de televisão e os jornais primam em mostrar exaustivamente a ousadia do crime e a impossibilidade dos operadores jurídicos de manter por detrás das grades os transgressores da ordem jurídica, violadores da paz social.
Outrossim, a publicidade dos produtos a serem utilizados pela indústria do encarceramento evidencia a completa banalização da situação do homem preso, reforçando o novo papel que assume na economia neoliberal, ou seja, de mero objeto de lucro.
Segundo Nils Christie, a Corrections Today é a revista da American Correctional Association encarregada de fazer toda a publicidade do setor, e os anúncios nela encontrados são os mais variados possíveis, vejamos alguns que merecem ser transcritos:
“Penitenciária e cadeia do condado de Albany. 64 dormitórios ‘estilo cadeia’ (...) construída em seis meses. (anúncio da empresa Beestel).
PULSEIRA DE PRESO
Identifique o preso com uma pulseira à prova de água. Dois fechos de metal garantem um sistema de identificação não-transferível e durável. Não são necessárias ferramentas especiais para fechar nossos fechos metálicos. Disponíveis sistemas de escrita na superfície ou de inserção de cartões. SECURBAND, a solução para a identificação do preso
Alguns presos adorariam apunhalar, retalhar, espancar, esmurrar e queimar você. Mas não vão conseguir atravessar sua roupa STAR Special Tactical Anti-Riot (Tática Especial Antimotim).
A superlotada prisão do condado de Dekalb, perto de Atlanta, Geórgia, abriga mais de 1.200 presos. No inverno de 1989, as autoridades decidiram começar a colocar nos presos pulseiras de código de barras com a mesma base tecnológica do código de barras usado nas lojas e roupas e nos supermercados.”
Além dos anúncios acima transcritos, a revista Corrections Today faz publicidade de empresas fornecedoras de alimentos para as prisões, anunciam modelos de armas modernas não-letais, gás lacrimejante, celas portáteis, algemas forradas, cadeiras imobilizantes, cinturões eletrificados de descarga mortal, sistemas de vigilância eletrônica, etc.
Existe até o “salão da carceragem”, um evento com duração de cinco dias, onde são expostos serviços e produtos do setor, reunindo todos os profissionais da área, tendo por responsável a American Correctional Association. Uma agência corretora de administradoras de prisão assim anuncia:
“Prisões privadas: maximize o retorno de investimentos nesta explosiva indústria... enquanto encarceramentos e condenações permanecem em crescimento, ganhos serão obtidos – lucros dos crimes. Suba no andar térreo desta crescente indústria agora!”
Como se pode extrair da leitura desses anúncios, está ocorrendo nos Estados Unidos uma verdadeira banalização da prisão, instituição encarregada de privar o indivíduo do bem maior depois da vida.
“Inúmeras outras empresas do ramo da telefonia, treinamento de guardas, lavanderia, alimentação, etc., oferecem serviços especializados para as prisões privadas, num custo mais baixo, variável de 5% a 15% em relação ao setor público”, expressa Cordeiro (2006, p.84).
Porém, essa propalada economia deve-se ao fato de tais empresas pagarem salários inferiores aos guardas e funcionários, além da discutível qualidade dos serviços prestados. Com a privatização das prisões, o encarcerado volta a ser visto como mero objeto, sendo sua desgraça uma fonte de lucro cobiçada pelo empresariado ávido de rendimentos, tudo isso aliada à conivência de um Estado cada vez mais desinteressado com os problemas sociais.
E não é só isso, nos Estados Unidos, as empresas da indústria do encarceramento recrutam para seus quadros os mais altos funcionários do governo ligados à área penitenciária, “a fim de difundir no Estado a ideia segundo a qual o recurso ao setor privado é o meio indicado, ao mesmo tempo eficiente e econômico, para perseguir a inelutável expansão do aprisionamento da miséria”.
A privatização das prisões ainda tem o condão de afastar por completo a participação da comunidade na execução da pena, participação essa tão salutar e capaz de excelentes resultados, a exemplo do quem têm feito as APACs no Brasil.
Além do aspecto ético da questão que envolve a privatização dos presídios, acrescente-se um aspecto outro de natureza simbólica que, segundo a American Bar Association, não somente a autoridade judiciária como também todo o sistema judiciário ficam enfraquecidos “quando um prisioneiro olha para o uniforme de seu guarda e, em vez de encontrar um emblema em que lê: “Federal Bureau of Prisions” ou “State Department of Corrections”, ele vê um que diz: “Acme Corrections Company?”.
A atividade jurisdicional – aqui compreendida como processo criminal, a sentença condenatória e a prisão – reveste-se de um simbolismo em que o Estado exerce toda a sua autoridade sobre cada cidadão. Portanto, delegar parte dessa autoridade a um particular representa um enfraquecimento de seu poder de coação e coerção sobre o indivíduo que vive sob a égide de suas leis.
O uso de símbolos é, decerto, uma forma eficiente de difundir uma ideologia, crença ou ideia entre os indivíduos. Por isso muitos estadistas recorreram ao uso de símbolos, tal como ocorreu com Hitler, que, através da suástica nazista, conseguiu despertar o fascínio de seu poderio entre os alemães e o temor entre os judeus.
3 ARRENDAMENTO DE PRISÕES
No arrendamento das prisões não ocorre privatização propriamente dita, não se podendo falar aqui em execução da pena privativa de liberdade por parte da iniciativa privada, a exemplo do que ocorre nos modelos de gerenciamento privado dos estabelecimentos prisionais e dos serviços penitenciários.
Por esse modelo, a empresa privada constrói o estabelecimento prisional às suas próprias expensas e, em seguida, arrenda o imóvel ao Estado, a quem caberá a execução da pena privativa de liberdade em toda a sua plenitude.
A participação da empresa particular se limita ao projeto, financiamento e construção do presídio, não promovendo qualquer atividade e afeta à execução da pena.
“Tratando-se de arrendamento ou leasing, depois de determinado período de tempo, em geral longo, o imóvel passa a ser de propriedade do Estado. Nos Estados Unidos da América, alguns estados têm preferido esse modelo de arrendamento ou leasing, por não importar num excessivo custo aos cofres públicos, muito além dos valores que podem ser destinados ao setor penitenciário” (CORDEIRO, 2006, p.90).
A maior crítica a essa alternativa de arrendamento de prisões se dá justamente pelo fato de burlar a necessária aprovação popular, por meio de plebiscito, para o endividamento estatal além dos limites previstos pela legislação. Ou seja, o Estado contrai uma dívida que não passa sob o crivo do cidadão, numa espécie de burla à democracia norte-americana.
Para melhor entender, nos Estados Unidos, se o gasto com o setor penitenciário ultrapassar os limites previstos, é necessária a realização de um plebiscito para autorizar tal gasto.
Entretanto, dificilmente o resultado do plebiscito será favorável, devido à antipatia da sociedade em investir dinheiro público nesse setor. Assim, o Estado fica com o sistema penitenciário à beira de um colapso, a necessitar de mais prisões e maior disponibilidade de celas, sujeito à intervenção judicial, sem, no entanto poder investir recursos para solucionar o problema.
3.1 Gerenciamento privado de estabelecimentos prisionais
Alguns dos estabelecimentos prisionais norte-americanos adotam o modelo privatizador em seu sentido amplo, sendo plena a participação da iniciativa privada na execução penal.
“A iniciativa privada é responsável não só pela construção da unidade prisional, mas também pela sua administração e controle, não havendo nenhuma participação do Estado, nem mesmo mediante a realização da segurança externa do estabelecimento penitenciário”, afirma Cordeiro (2006, p.88).
A privatização é total, havendo a completa entrega da execução da pena pelo Estado ao particular.
Para se ter uma ideia da amplitude da interferência do particular nesse tipo de gerenciamento prisional, em determinadas unidades penitenciárias norte-americanas, a iniciativa privada é responsável, inclusive, pela execução da pena de morte.
3.2 Gerenciamento privado dos serviços penitenciários
Através desse modelo, também conhecido como terceirizador ou de co-gestão, o Estado celebra um contrato com a empresa privada, por um determinado período, para que esta administre um estabelecimento penitenciário, recebendo, para tanto, o devido pagamento pelos serviços prestados.
“Os serviços contratados com a iniciativa privada geralmente dizem respeito aos serviços de hotelaria (alimentação, vestuário, lazer, etc.) cabendo também à empresa contratada fornecer aos presos serviços médico-odontológicos, assistentes-sociais, psicólogos, psiquiatras e advogados, além de ofertar trabalho e educação” (CORDEIRO, 2006, p.89).
Os estabelecimentos prisionais que adotam esse modelo, normalmente, são penitenciárias industriais, onde empresas privadas são ali instaladas para a utilização da mão-de-obra carcerária. A França – e com alguma semelhança o Brasil – tem optado pela terceirização dos presídios, também chamada de co-gestão, regime de dupla responsabilidade, compartilhado ou, ainda, sistema misto.
3.3 O MODELO NORTE-AMERICANO
Os Estados Unidos deram um grande salto no estudo da criminalidade através dos trabalhos sociológicos desenvolvidos pela escola de Chicago, quando então o crime passou a ser visto não como um fenômeno patológico, individual, biológico, mas sim como fenômeno social, pela qual se origina produto da “desorganização social” de uma determinada sociedade, numa área ou ambiente (físico, social e cultural) determinante, por onde desorganização essa provocada, principalmente, pela industrialização e pela urbanização.
Na década de 70, os Estados Unidos abandonaram a ideia socializadora da pena de prisão para lhe imprimir um sentido retributivo novo, tendo com esse movimento recebido a denominação de neoclássico.
Ocorre que com o neoclassicismo, os movimento da “Law and Order” e “Control and Punishment” ganharam espaços de forma consideráveis.
Onde se atestou o neoclassicismo que o modelo socializador, até então em voga nos Estados Unidos, não alcançaria solucionar ou mesmo amenizar a grave situação penitenciária.
A superlotação das prisões era uma realidade que refletia o aumento da criminalidade. Sendo que os índices de reincidência atingiam níveis absurdos e, em última análise, a ressocialização do criminoso mostrava-se um utopia. Logo, enfim, era preciso buscar novas alternativas para tal problemática penitenciária norte-americana.
A ideia de privatização do sistema prisional teve assim início nos Estados Unidos, precisamente na década de 80, sendo expandida para a Europa e chegando ao Brasil no término da década de 90.
No início, a intervenção da iniciativa privada na administração das prisões foi feita a pretexto de resolver o difícil problema carcerário dos Estados Unidos, sendo de uma maneira mais econômica pro Estado.
Destarte que, além de uma promissora economia a ser feita pelo Estado, a forma de ideia de privatização dos presídios representava um novo vilão a ser explorado pela forma privada, com a perspectiva de altíssimos lucros, razão que o empresariado norte-americano passou a exercer forte pressão para que esta ideia fosse concretizada, onde tendo por fim o Estado cedido.
Há de se salientar que a privatização dos presídios nos Estados Unidos não se constituiu numa regra, sendo adotada apenas por alguns Estados, em uma parcela ainda diminuta de estabelecimentos, porém em franca expansão.
Conforme o ilustre Raúl Cervini “em meados de 1989 haviam vinte penitenciárias privadas nos Estados Unidos sendo que, em 1922 este número passou para trinta e dois, tendo atingido no final de 1993 quarenta e três penitenciárias”.
De acordo com o jornal Estado de São Paulo, existiam 51 prisões privadas funcionando nos Estados Unidos até o ano 1997, abrigando desta forma, cerca de 10% dos condenados pela justiça.
Logo, foram dói os fatores decisivos para que o Estados Unidos acolhesse o modelo privatizador em alguns presídios, a saber: os altos custos decorrentes do excessivo encarceramento, sendo provocados pela política conhecida por “tolerância zero”.
Predominou por muito tempo e porque não dizer que ainda predomina o entendimento de que o estabelecimento prisional deveria ser gerenciado por uma administração dotada de poderes ilimitados e absolutos, sem nenhuma forma jurisdicional, assim , sem qualquer obediência ao princípio da legalidade, que por muito tempo foi consagrado nas diversas legislações do mundo, partindo da Revolução Francesa.
Em Estado democrático de direito, administração penitenciária também deve se preocupar com o princípio da legalidade, por conta de ser reduzida ao máximo a discricionariedade que outrora lhe fora conferida sem limites.
As prisões, nos Estados Unidos da América, em sua administração é apoiada pela doutrina do “ hands off ” , exercia um quase ilimitado poder na execução da pena de prisão, fugindo por completo ao controle do Judiciário.
Conforme a doutrina do “hands off”, os juízes e tribunais federais norte-americano não interferiam em matéria de execução penal, a cargo exclusivo das penitenciárias com quase absoluta discricionariedade.
O recluso ao ingressar no sistema penitenciário norte-americano, sofria uma espécie de “morte civil”, absolutamente privado de todos os seus direitos constitucionais, desta forma ficava a mercê da administração penitenciária.
Por volta do fim dos anos 70, todos os estados norte-americano, praticamente, adotavam o sistema de sentenças indeterminadas, ou seja, depois de proferido o veredicto de culpa, a sentença se limitava a dispor que o réu seria condenado pelo tempo previsto na legislação, desta maneira não havendo especificação acerca de sua duração. Pois era o órgão que estabelecia o tempo mínimo e máximo de duração da pena, de forma que caberia a esse órgão conceder ou não o benefício da liberdade condicional. Já o judiciário não interferia na execução penal, seara pertencente apenas à esfera administrativa.
Por outro lado, o crescimento da população carcerária norte-americana demandava um gasto superior na construção e administração de estabelecimentos penitenciários e, que como nem sempre isso poderia ser possível, o déficit de vagas nas prisões fazia-se sentir em detrimento das péssimas condições de alojamento dos encarcerados, estimulando a ocorrência de violentas e constantes rebeliões.
Muitos movimentos de direitos civis irromperam pelas Estados Unidos exigindo condições melhores de encarceramento, pela maneira de assegurar os direitos humanos mais elementares, e dentre os quais o tratamento condigno, prisões salubres e o término das violências e abusos cometidos contra o preso.
Devido à este contexto caótico de violação dos direitos humanos dos presos que o Judiciário norte-americano veio a intervir no sistema penitenciário de maneira constante, colocando de lado a política do “hands-off”, de certa forma obrigando vários estabelecimentos provisionais a reduzir sua população carcerária, de modo a assegurar condições mínimas de dignidades aos presos.
Logo, o jurídico norte-americano começou a exigir do Estado a adoção de providências com o fito de atenuar as péssimas condições oferecidas aos encarcerados, de modo especial, a construção de novos estabelecimentos penitenciários, para que pudesse melhorar o problema de superlotação.
Então, a Suprema Corte dos Estados Unidos começou a proferir decisões reconhecendo ao recluso o direito de obter o amparo do Judiciário em qualquer caso de violação dos direitos civis por parte da administração penitenciária de qualquer Estado da confederação.
No ano de 1987, “60% dos Estados se encontravam sob ordem judicial para a redução de superlotação. Já em 1989, nada menos do que 42 Estados, inclusive o Distrito de Colúmbia, recebendo ordens para reduzir a superlotação”.
De forma que no ano de 1985, quase todos os Estados da confederação já haviam sido objeto de intervenção judicial em razão das condições péssimas de SUS estabelecimentos penitenciários, tendo exceção dos Estados do Alasca, Minnesota, Montana, Nebraska, Dakota do Norte, Nova Jérsei, Nova Iorque e Vermont.
Devendo somar-se a isso, decorrendo de abusos de ordem moral e física cometidos pela administração penitenciária contra seus custodiados várias foram as indenizações que Estados norte-americanos tiveram de pagar a eles, por determinação judicial.
Segundo Jhon D. Donahue que, “entre junho de 1983 e junho de 1984, cerca de 19 mil ações judiciais foram interpostas por seus presos, insurgindo-se contra a reiterada violação de seus direitos civis nas prisões norte-americanas”.
Tendo como consequência inevitável, o abandono gradativo da predominante doutrina do hands off troxe sérios prejuízos ao Estado, que teve de destinar uma maior verba para o sistema penitenciário. A situação precária carcerária norte-americana exigia um alto investimento na construção de estabelecimentos prisionais para alocar de forma adequada a crescente população carcerária. Essa exigência esbarrava na insuficiente disponibilidade orçamentária para tal fim. Para que se contornasse tal escassez de recursos junto à área penitenciária, o Estado teria de tomar empréstimos no mercado, em longo prazo e as taxas de juros. E se fosse ultrapassado o limite previsto em lei para os empréstimos, a obtenção de verba somente seria possível se autorizado por intermédio de plebiscito.
Tal dificuldade na obtenção de recursos para a construção de estabelecimentos prisionais nos Estados Unidos, mediante a tomada de empréstimos, aliada à antipatia do eleitorado em concordar com o plebiscito, tal como ocorreu no Estado de Nova Iorque em 1981, incentivou a procura de alternativas outras por parte dos Estados para viabilizar a solução do problema da superlotação carcerária, através da privatização dos presídios.
Portanto é importante frisar-se que a adoção de uma política destinada à construção de presídios nos Estados Unidos, por meio da iniciativa privada, teve como óbice a própria legislação, que cobrava a realização de um plebiscito, através do qual a população autorizaria a liberação de verbas para tal objetivo, de forma que esta medida é morosa e antipática à sociedade. E a via alternativa para driblar esse entrave legal fio o arrendamento e o financiamento de prisões por parte da iniciativa privada, mediante o pagamento de consideráveis taxas de juros, tornado desnecessária a consulta popular.
Na realidade a população norte-americana clamava aos seus governantes um maior rigor na aplicação de sanções, inclusive na questão de crimes considerados de menor gravidade. E como consequência, a problemática decorrente da superlotação carcerária só se agravava ainda mais.
A sociedade norte-americana, em sua recusa de pagar por celas de prisão que insistia em manter ocupadas, fez com que as autoridades públicas procurassem meios para driblar a escassez de recursos para o sistema penitenciário, por meio da contratação de empresas para administrar estabelecimentos penitenciários, de forma que não precisaria da aprovação popular, fato este que favoreceu sobremaneira a expansão da política de privatização dos presídios nos Estados Unidos.
Colocando a união do útil ( a ”solução” do problema do Estado em obter verba para construção das prisões) ao agradável ( a avidez de lucros pela iniciativa privada), o problema penitenciário norte-americano pareceu resolvido.
Estando diante de tal situação, Thomas Beasley, empresário do ramo imobiliário e de seguros, proprietário da Corrections Corporation of América (CCA) e ex-presidente do Partido Republicano do Estado do Tennessee, teve a ideia da criação de prisões privadas, propondo-se a resolver o problema prisional e, também ganhar bastante dinheiro.
Com isso teve o apoio do governador pelo Partido Republicano do Tennessee e o apoio financeiro de outras empresas. Thomas Beasley construiu em 1983 a prisão de Silverdale, situada na localidade de Chattanooga, no condado de Hamilton, com capacidade para 500 reclusos.
As prisões norte-americanas, a partir de Silverdale, adquiriram uma nova feição, onde as violações constantes dos direitos civis, as péssimas condições de higiene, os abusos e salubridade ficaram para trás.
Através da Súmula de 1981, a Suprema Corte dos Estados Unidos, posicionou-se no sentido de que inexistia óbice de caráter constitucional á ‘implantação de prisões privadas, cabendo a cada Estado avaliar as vantagens advindas destas experiências, em termos de qualidade e segurança, nos domínios da execução penal”.
De forma que, não foi somente o entrave legal para a obtenção de recursos por parte dos Estados, para resolverem o problema penitenciário e a superlotação da interferência privada no sistema prisional norte-americano.
Tendo em vista, a crescente violência na sociedade norte-americana levo ao país à adoção de uma legislação de tolerância zero, tendo marcada o endurecimento das leis penais e pelo agravamento das sanções, cobrando uma maior intervenção do Estado e, subseqüentemente, provocou um relevante aumento no índice de encarceramento.
Nos Estados Unidos da América, a crença de que pensar que o crime seria como uma conseqüência de carência sociais e pessoais ( como conhecimento, oportunidades, temperamentos, habilidades, etc.) significava transferir a responsabilidade para a sociedade, tendo em vista de que o crime seria algo incapaz de ser controlado. Mas que por outro lado, esta mesma crença considerava os autores dos crimes “como autómatas, antes que seres humanos responsables que deben aceptar lãs consecuencias de SUS aciones”.
A assertiva de que a sociedade norte-americana, não é exagerada, pois vivenciou a passagem do Estado de bem-estar social para um verdadeiro Estado prisional, o que tende ao agravamento em virtude do encarceramento, tendo se transformado em sinônimo de lucratividade.
A idéia difundida nos Estados Unidos, foi de que poderia haver uma redução na criminalidade na proporção em que o encarceramento fosse aumentado. Desta maneira, a pena de prisão passou a ser vista sob dois aspectos: a) intimidatório, uma vez que a redução que a redução da impunidade e o endurecimento das penas têm o condão de desestimular o cometimento de crimes; b) incapacitatório, pois quanto maior o número de pessoas mantidas na prisão, maior o número de criminosos incapazes de cometer delitos.
Nos Estado Unidos, a política desenvolvida de “ tolerância zero”, e sendo expandida pelo mundo inteiro, especialmente recepcionada pela Inglaterra a pretexto de redução da criminalidade, nada mais é do que a ausência de um Estado social e econômico, e com suas conseqüências daí decorrentes,mediante a presença de um Estado penitenciário e policial.
Os benefícios sociais nos Estado Unidos, passou a se ver com a destinação às classes menos favorecidas como um verdadeiro estímulo à inatividade e, diante do alarmante índice de desemprego ocorrendo no país, à margem do mercado de trabalho passaram a ser vistas como perigosas, daí porque da política de “ tolerância zero” sempre se concentrou nos bairros pobres, levando a uma verdadeira “penalização da miséria”.
Das teorias do controle, tem como eixo fundamental que se concentra na ideia de que um eficaz controle do crime exige um rígido combate por parte das forças encarregadas de inibi-lo.
Pode-se verificar a teoria da oportunidade, por exemplo, acredita que a prática criminosa de ser desestimulada pela atuação eficaz dos órgãos de controle, do contrário, haverá um incentivo ao cometimento de um crime, ou seja, “é a ocasião que faz o ladrão”.
A política de tolerância zero teve seu fundamento na “brokem windws theory” ou teoria das janelas quebradas, segundo a qual:
“uma simples janela quebrada é um sinal de que ninguém se importa ou cuida daquele imóvel e isso leva a outros danos e que uma situação individual de desleixo pode contaminar toda uma área, que entra numa espiral de deterioração tanto quanto das relações sociais de que é palco.”
Portanto, tal teoria da janelas quebradas, e o descaso das autoridades com relação ao pequeno delito é flanco aberto para o cometimento de crimes mais graves, pois devendo ser aquele tão duramente combatido e reprimido quanto estes.
As pequenas infrações reprimidas, prevenidos estariam os crimes de maior gravidade, portanto, seria necessário também um maior entrosamento entre a polícia e a comunidade, devendo assim o policial conhecer a comunidade onde exerceria sua atividade, tendo o conhecimento de todos os seus problemas, de modo a poder combatê-lo de uma maneira mais eficaz e efetiva.
Destarte que, o policiamento comunitário é tido como imprescindível para a prevenção do crime.
A presença física do agente policial na comunidade inibe a desordem e a criminalidade. Neste sentido, Kelling e Coles são defensores do “foot patrol”, ou seja, do patrulhamento a pé, da figura do agente policial que percorre a pé as ruas do bairro, muito mais eficaz do ponto de vista da prevenção, do que dos agentes policiais motorizados, que nada mais fazem do que circularem de carro. Aos desordeiros basta, portanto, esperar que passe o carro da polícia, para continuar a desordem, o que torna-se muito mais difícil com o patrulhamento a pé.
3.4 A privatização do sistema prisional
Observa-se que a ideia de privatização do sistema penitenciário nos moldes semelhantes aos atualmente existentes remonta ao século XVIII, quando Jeremy Bentham defendia a entrega da administração das prisões ao particular mediante contrato, por meio do qual este poderia auferir lucros. Em contrapartida, o Estado teria uma considerável economia pecuniária.
A referida ideia ganhou força nos séculos XX e XXI, tanto assim é verdade que no Brasil e em diversos países do mundo várias penitenciárias estão sendo administradas pela iniciativa privada.
Segundo Cordeiro (2006, p.50):
“A administração de prisões por empresas privadas – consistente no fornecimento de equipamentos de segurança à guarda armada, da construção ao gerenciamento – tem se mostrado um lucrativo negócio, contribuindo sobremaneira para incentivar a existência de uma verdadeira indústria do controle do crime, em que empresários lucram com o aumento da criminalidade e todos os seus efeitos, dentre eles o aprisionamento excessivo. Claro que, Evidente que, quanto mais pessoas são presas em estabelecimentos penitenciários privados, mais lucrarão as empresas envolvidas no ramo.”
O lucrativo negócio que se tornou a participação do empresariado na execução da pena privativa de liberdade suscita a certeza de que a iniciativa privada não se preocupará devidamente com a reabilitação do preso, visto ser seu objetivo maior o recebimento de lucro.
Ademais, as empresas que se encontram instaladas nesses estabelecimentos, utilizando-se da mão-de-obra do preso, farta e barata, reforçam o descompromisso do empresariado em relação ao preso que trabalhou em sua fábrica, não lhe interessando se, ao sair da prisão, ele voltou a não a reincidir.
De forma concomitante, tal situação contribui para que o Estado, ao transferir sua responsabilidade de executar a pena prisional para o particular, despreocupe-se por completo dos fins da pena de prisão, em especial, da finalidade ressocializadora. Servirá, ainda, para aumentar o desinteresse e a apatia da sociedade para discutir e colaborar com a melhoria do sistema penitenciário.
Cordeiro (2006) ainda explica que apesar do discurso de redução de gastos utilizado pelo Estado para justificar o incentivo desse modelo privatizador de gerenciamento prisional, foram mostrados os altos custos do encarceramento sob a responsabilidade da iniciativa privada, bem como as inúmeras vantagens daí decorrentes, dentre elas a utilização da mão-de-obra do recluso, bem menos onerosa em relação ao homem livre.
4 O SURGIMENTO DA IDEIA PRIVATIZADORA DO SISTEMA PRISIONAL
Para Edmundo Oliveira, a ideia de prisão privada encontra seu antecedente mais remoto no início da civilização, quando as tribos primitivas prendiam o inimigo em cavernas, para a proteção da família e da própria tribo. Cita ainda como exemplo remoto da prisão privada na história antiga, a masmorra, utilizada pelos hebreus.
Destarte que nesta época não se havia ouvia falar sequer no surgimento da ideia de Estado, nem tão pouco existia a sociedade politicamente organizada.
Já sobre o conceito de soberania era desconhecido; assim, não se pode falar propriamente em antecedente da prisão privada. Ademais, nos primórdios da civilização humana, a privação da liberdade tinha um fim meramente custodial, não se constituindo em pena, na atual acepção da palavra.
Para Cordeiro (2006, p.51):
“A ideia de privatização do sistema penitenciário, em moldes semelhantes ao do mundo contemporâneo, conforme já salientado, fora antevista em 1761 por Jeremy Bentham, que defendia a entrega da administração das prisões a particulares, os quais poderiam usá-las como fábricas”.
Para o idealizador do panóptico, a administração da prisão deveria ser feita mediante contrato, podendo os administradores auferir lucros. Mesmo naquela época, no século XVIII, Bentham já atentava para os eventuais abusos que poderiam advir dessa forma de encarceramento, destarte, entendia que o contratante poderia administrar a prisão da maneira que lhe aprouvesse, desde que os presos não fossem maltratados, não passassem fome e não morressem em número excessivo.
A arquitetura do panóptico havia uma vigilância total dos presos, não somente pelos guardas do presídio, mas também pelos familiares daqueles, curiosos de um modo geral e pela sociedade. Logo, os abusos porventura cometidos pelos administradores poderiam facilmente ser verificados, ensejando a ruptura do contrato de administração.
As portas desses estabelecimentos deveriam ser completamente abertas aos curiosos, “o grande e aberto comitêdo tribunal do mundo”. Bentham sugeriu também que as operações realizadas pelos administradores das prisões fossem controladas de forma ilimitada, podendo ser examinadas e devendo ainda ser publicadas para o conhecimento de todos.
De acordo com Bentham (2000), várias eram as vantagens apresentadas pelo panóptico: 1) vigília constante do inspetor; 2) economia, pois o trabalho de inspeção poderia ser feito apenas por uma pessoa e de modo bastante rigoroso; 3) da mesma forma que os prisioneiros, os subordinados ao inspetor estariam sob constante e rigorosa vigília por parte deste.
O sistema de vigilância chamado de panóptico , havendo o princípio da inspeção total, permitia-se então que não somente os prisioneiros, mas assim como o inspetor e também seus próprios subordinados ficavam dentro da total vigilância , desta forma poderia se resolver um problema pela qual insistia em ocorrer: quem guarda os próprios guardas.
Por sua vez, a total ausência de contato dos prisioneiros entre si tornava impossível a existência de motins, aglomeração, brigas ou conspirações e, consequentemente, fazia-se desnecessária a utilização de ferros ou castigos severos nos prisioneiros.
A utilização do trabalho do preso refletia o fim utilitário da pena, pois, além de auxiliar na sua reforma, possibilitaria que o Estado fosse compensado pelo cometimento do crime e pela custódia dispendiosa do criminoso.
Na visão de Cordeiro (2006, p.53):
“O panóptico permitia ainda uma considerável economia aos cofres públicos, conquanto a inexistência de qualquer possibilidade de fuga tornava desnecessário o gasto com uma construção cara. Em outras palavras, o edifício panóptico propiciava uma adequada punição, uma necessária reforma – através do silêncio – e uma considerável economia pecuniária aos cofres públicos.”
É possível observar na sequência, inúmeras semelhanças existentes entre o modelo prisional idealizado por Jeremy Bentham e o atual modelo de privatização do sistema prisional, caracterizado pela adoção do princípio da inspeção total, através do monitoramento de todo o estabelecimento por circuito interno de televisão e vídeo, pela celebração de contrato entre o Estado e o particular para a administração da prisão, pela importância dada ao trabalho prisional, dentre outros aspectos.
A ideia contemporânea de privatização dos presídios surgiu em meio a um sistema penitenciário falido, onde a pena de prisão, forma de sanção ainda aplicada na grande maioria dos crimes, encontra-se em franco declínio, marcada por uma excessiva crueldade e responsável pelo completo perdimento da pessoa do preso para o retorno da vida em sociedade.
Nos meados do século XIX, alguns dos estados norte-americanos, como Nova Iorque, entregaram a gestão de estabelecimentos penitenciários a empresas privadas, a exemplo das prisões de Auburn e Sing-Sing. Porém, essa experiência restou fracassada diante das varias denúncias de maus-tratos e abusos físicos cometidos contra os reclusos. Um outro fator que contribui para o insucesso dessa empreitada foi a utilização da mão-de-obra gratuita dos presos pelos empresários gestores dessas prisões, propiciando-lhes um menor custo na produção e, consequentemente, colocando os demais concorrentes numa posição de evidente desvantagem, o que gerou grandes protestos.
Na Espanha, alguns estabelecimentos penitenciários chegaram a ser administrados por religiosas, sem qualquer interferência estatal, como foi o caso da Casa Galera de Mujeres de Alcalá de Henares.
Para Phil Smith, três fatores foram decisivos para que a ideia de privatizar prisões fosse retomada pelos Estados Unidos no século XX, a saber: 1) a ideologia do mercado livre; 2) o aumento exacerbado do número de prisioneiros; 3) o aumento dos custos da prisão.
Vale destacar que para realizar um aprofundado estudo acerca do fenômeno da privatização das prisões, é imprescindível situar o tema no contexto histórico, social, político e econômico que ensejou a implementação e proliferação dessa forma de gerenciamento de estabelecimentos penitenciários.
Conforme dito, somente há bem pouco tempo o preso passou a ser visto como sujeito de direitos, deixando de ser considerado mero objeto da execução penal, devendo, portanto, ser-lhe assegurado o respeito à dignidade através de um tratamento humano e justo, possuindo a pena um caráter inquestionavelmente ressocializador.
Conforme às condições subumanas e precárias pela qual eram oferecidas ao preso nos estabelecimentos prisionais, assim também como à estigmatização e “mortificação do eu”, decorrentes do encarceramento, a pena de prisão não tem conseguido cumprir os seus objetivos propostos.
Em contrapartida, a criminalidade aumentou, a reincidência atinge índices alarmantes, organizações criminosas vêm surgindo no interior dos presídios, formando um verdadeiro Estado paralelo, a corrupção dos agentes penitenciários e policiais se alastrou, e “o que acontece hoje é que acabamos sendo nós os ‘presos’, nós vivemos encarcerados”. Essas características dantes mencionadas são encontradas em diversos países do mundo, em especial no Brasil.
“Diante da comprovada incapacidade do Estado para administrar o sistema prisional, assegurando aos presos sob sua custódia os direitos humanos mais elementares, e em face da sua total impossibilidade de propiciar meios para que a pena cumpra seus objetivos de retribuição, prevenção e ressocialização, é que têm sido realizadas algumas experiências quanto à forma de gerenciamento prisional” (CORDEIRO, 2006, p.55).
Os argumentos centrais levantados pelos defensores da ideia privatizadora gravitam em torno da redução dos gastos do Estado com o setor penitenciário e, também, da eficiência que pode ser alcançada pela iniciativa privada na consecução dos fins da pena.
Essa tendência privatizadora no âmbito do sistema prisional deve ser compreendida como reflexo do novo modelo de Estado capitalista globalizado, denominado neoliberal, que praticamente sepultou o Estado de bem-estar social, surgido após a Segunda Grande Guerra Mundial.
Para Cordeiro (2006, p.56):
“Incapaz de proporcionar um satisfatório nível de ensino, de modo a não só erradicar o analfabetismo como também propiciar um bom rendimento escolar, aos poucos o Estado (aqui nos referimos especialmente ao Brasil) foi “lavando as mãos” de sua responsabilidade na área educacional, permitindo que o particular passasse a investir na construção e gerenciamento de escolas e universidades, tornando o sistema particular de ensino um filão de ouro, capaz de gerar lucros exorbitantes. Não se pode olvidar que as escolas particulares, via e regra, têm tido êxito no mister de oferecer bom nível educacional a seus alunos em comparação à rede pública.”
No mundo globalizado, o Estado vem perdendo a cada dia seu caráter intervencionista, inclusive nas áreas sociais, outrora regidas por políticas de natureza pública, como é o caso da previdência, da saúde, da educação. Foi justamente nesse Estado de mínima intervenção que a ideia da privatização dos presídios encontrou terreno fértil, sendo indissociável de uma lógica mercantilista, segundo a qual o lucro é o principal – se não o único – objetivo.
4.1 Altos Custos
A ideia privatizadora dos presídios também propõe-se, a retirar dos ombros da sociedade o pesado ônus arcado com a manutenção dos presos. Sendo que o Estado continuará tendo despesas com os reclusos, cabendo pagar ao particular por cada preso que esteja sob seus cuidados.
No mês de abril de 2001, a Penitenciária Industrial Regional do Cariri contava com uma população carcerária CE 209 presos, quando sua capacidade é para 549 presos. A Secretaria de Justiça do Ceará ,neste mencionado mês, repassou para a empresa Humanitas, então administradora, a quantia de R$ 359.993,18, custando cada preso o valor de R$ 1.722,45.
Em um ofício enviado ao então Presidente da Comissão de Fiscalização e Tributação da Assembléia Legislativa do Estado do Ceará, deputado Francisco Holanda Guedes, datado de 05/06/2001, a Secretaria de Justiça à época, Sandra Dond, assim esclareceu: “o nosso objetivo é estar com a Penitenciária Industrial Regional do Cariri funcionando com a sua capacidade plena, 549 presos. (...) Quando isso acontecer o custo mensal por preso será de R$ 797,21”.
Ressalta-se ainda que todas as despesas com os serviços médicos-odontológicos, próteses, ambulatoriais, vacinas e outros, prestados pela empresa gerenciada do estabelecimento prisional, deverão ser reembolsada pelo Estado, conforme assim dispõe a cláusula quinta,inciso VI, do contrato firmado entre a Secretaria de Justiça do Estado do Ceará e a empresa Humanitas.
Outro custo elevado à encargo do Estado dentro do modelo de gerenciamento prisional consiste na obrigação da contratante, ficando assim, o Poder Público, de disponibilizar o prédio onde será instalada a penitenciária, “todos os equipamentos nela contidos, hidráulica, sistema de gás, instalações elétricas, rede elétrica e lógica para informática, CFTV e outras” (cláusula quinta, inciso III, do contrato firmado entre a Secretaria de Justiça do Estado do Ceará e a empresa Humanitas.
Nem mesmo as experiências francesa, americana e inglesa têm demonstrado a eficácia (tanto sob o aspecto ressocializador quanto pelo aspecto econômico) deste modelo de privatização, que prevê a participação da iniciativa privada na execução da pena privativa de liberdade através do gerenciamento dos estabelecimentos penitenciários.
As empresas privadas que atuam no sistema penitenciário concentram suas ações, nos presídios que abrigam os reclusos considerados de pequena e média gravidade, em outras palavras, os da “ponta leve” do sistema. Já os estabelecimentos de segurança máxima , onde são os reclusos considerados de alta periculosidade, ficam por conta da administração somente do Estado.
Segundo o analista policial norte-americano Geoffrey F. Segal, do Reason Public Policy Institute: “Um estudo comparado realizado nos Estados Unidos demonstrou que as prisões privadas operam a um custo percentual de 10% a 15% mais baixo que as prisões públicas”. (Disponível em: http://www..rppi.org/prison/).
Tal economia pode tão somente ocorrer, mas resta salientar que quando a realização deste estudo comparado, envolve vários aspectos importantes que foram considerados, sendo dentre eles o fato de que as prisões privadas norte-americanas terem uma certa “clientela” constituída de jovens delinquentes, criminosos de pequena e média periculosidade, imigrantes, o que faz com quê os custos sejam mais reduzidos se comparando aos estabelecimentos públicos, onde se abriga criminosos que exigem um maior investimento em equipamentos de segurança e em instalações.
São vários os aspectos que envolvem a polêmica em torno da questão da privatização dos presídios, de cunho histórico, jurídico, político e ético.
Cordeiro (2006, p.59) afirma que:
“Contudo, o que fomenta a expansão dessa ideia nos quatro cantos do mundo, independentemente da eficácia da administração prisional privada, da redução dos custos para o erário, ou mesmo na obtenção da ressocialização do preso, é justamente os consideráveis lucros auferidos pela iniciativa privada nesse novo e promissor ramo de negócio. E os dados estatísticos têm demonstrado que a privatização dos presídios é um negócio bastante rentável.”
O grande desafio da execução da pena privativa de liberdade, desde há muito, tem sido a busca incessante por formas capazes não só de castigar o indivíduo que violou as normas ditadas pela sociedade, mas também de buscar sua ressocialização, reintegrando-o à vida em sociedade.
4.2 A humanização da pena de prisão
Com o fim do período do absolutismo e com o advento do Estado Liberal, os suplícios cederam lugar a métodos punitivos mais humanos. Perdia também a pena o seu caráter religioso, característico nas Idades Média e Moderna. De outra sorte, destituída da finalidade de reafirmar o poder do monarca, a pena passou a representar uma represália da própria sociedade àquele que violou o pacto social.
E veio o Iluminismo, no final do século XVIII, repudiando os suplícios, buscando a humanização das penas, a reforma da arbitrária legislação penal vigente. Pretendiam os reformistas a melhor forma, justa e necessária, de exercer o direito de punir, sem excessos, sem abusos.
Com o movimento iluminista, o direito de punir deixou de pertencer ao soberano para pertencer a toda a sociedade, representada pelo Estado, ao qual cabia punir todo aquele que cometesse um crime, rompendo, assim, o pacto social.
Para melhor compreender essa mudança de legitimidade do exercício do direito de punir, transferido das mãos do soberano para o Estado, corpo político representante dos anseios do povo, basta atentar que o movimento intelectual iluminista tinha seu nascedouro na ascendente classe burguesa, já tão saturada dos mandos e desmandos do rei. Portanto, essa transferência do jus puniendi pode ser vista como reflexo do próprio pensamento burguês, com seu inegável desejo de exercer o poder político, desejando compartilhá-lo em todos os seus momentos, em todas as suas formas.
Desta forma, a prisão não havia reflexos tão somente do ideário dos filósofos iluministas em humanizar a pena, mas que na verdade, e o que realmente havia a devida importância era a exigência do novo Estado burguês, que com seu surgimento de ter o trabalho de mão-de-obra bem barata, interessado na maneira de punir mais eficaz do que os castigos corporais e a pena de morte, onde se almejava a redução dos poderes absolutos do rei.
Para Cordeiro (2006, p.21): “A prisão passou a ser a própria representação do poder de punir e a pena prisional passou a ser aplicada por excelência a quase todos os tipos de crime, a partir do fim do século XVIII e início do século XIX”.
O movimento reformista exercia várias críticas à pena de prisão por inúmeras razões que, a despeito do tempo, continuam inteiramente atualizadas, pois a pena prisional ainda é considerada inútil e nociva, incapaz de atingir as finalidades retributiva, preventiva e ressocializadora a que se propõe.
Foi nesse ambiente de mudanças na ordem econômica, política e social que surgiram várias escolas penais, na busca incessante para encontrar o verdadeiro fundamento do direito de punir.
No século XIX, a Escola Positivista passou a ver o crime como um fenômeno de cunho sociológico, encontrando o direito de punir o seu fundamento na necessidade do Estado de garantir a defesa social através da prevenção do crime. A pena assumia aqui um caráter repressivo, de intimidação.
Beccaria, na tentativa de encontrar o fundamento do direito de punir, sob uma visão contratualista, assim definiu as leis:
(...) são condições sob as quais homens independentes e isolados se uniram em sociedade, cansados de viver em contínuo estado de guerra e de gozar de uma liberdade inútil pela incerteza de sua conservação. Parte dessa liberdade foi por eles sacrificada para poderem gozar o restante com segurança e tranquilidade.
“O Marquês de Bonesana deu um sentido utilitarista à pena ao ensinar que ela fora criada com o intuito de evitar que o homem retornasse ao status quo, ou seja, ao estado de guerra em que vivia num ambiente de lutas onde tudo era permitido. E o direito de punição, decorrente da renúncia de parte da liberdade individual de cada homem, a ser exercido pelo soberano, fundava-se justamente na imperiosa necessidade de defender o bem comum diante dos interesses particulares. Era preciso manter a ordem e assegurar a paz social. Enfim, a pena não deveria ser vista como uma mera vingança pelo crime cometido, mas como um exemplo para o futuro, reservado àqueles que enveredassem pelo caminho tortuoso da criminalidade” (CORDEIRO, 2006, p.23).
Em Beccaria encontramos a concepção utilitarista da pena, isto, é deveria ela produzir um benefício. A pena deveria ter um objetivo de caráter preventivo geral, qual seja, deveria servir para prevenir o delito em relação à sociedade, e não ser um mero castigo para o infrator. Partidário da teoria do contrato social formulada por Rousseau, Beccaria combateu de forma ardorosa a crueldade das penas infligidas aos presos, sendo contrário à tortura e à pena de morte, defendendo a proporcionalidade entre os delitos e as penas. Insurgiu-se também contra a arbitrária legislação criminal de sua época e já naquele tempo vislumbrava o que somente as legislações modernas consagraram recentemente: a aplicação das penas pecuniárias para delitos de pequena gravidade e a prestação de serviços à comunidade, denominando esta última de “escravidão temporária dos trabalhos e da pessoa ao serviço da sociedade comum”.
Em relação a humanização da pena das prisões e das penas vem sendo reivindicada já há muito tempo, a partir do Iluminismo , que não sendo por demais ressaltar a obra “Dos delitos e da penas” , Cesare Beccaria, onde fez críticas severas a respeito da prática da tortura, a aplicação de penas infamantes e de grande suplício e a pena de morte.
Em seu pensamento Beccaria afirmava que: “quanto mais a pena for rápida e próxima do delito, tanto mais justa e útil ela será” (BECCARIA, Cesare. Ob. Cit. P. 79).
Com tal preocupação humanista para o mundo, no ano de 1955 a Organizações das Nações Unidas (ONU) começou a realizar congressos sobre a Prevenção do Delito e Tratamento do Delinquente, num dos quais foram elaboradas as Regras Mínimas, estabelecendo os princípios que devem nortear os sistemas penitenciários, assim como o melhor e mais adequado tratamento a ser oferecido aos presos.
Sendo o Brasil, adepto da ideia humanística das prisões, é signatário de vários acordos se âmbito internacional pertinente aos direitos humanos, dentre os quais o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, a Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanas ou Degradantes e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos.
O Brasil vem honrando os compromissos assumidos perante o Direito Internacional, onde a maioria dos presos vive em condições subumanas, em que a sua dignidade e direitos primários são constantemente violados.
Destarte o Massacre do Carandiru, ocorrido em 02 de outubro de 1992, culminou com o assassinato de 111 presos pela Polícia Militar de São Paulo, um episódio com repercussão internacional que demonstrou todo o descaso dos poderes constituídos brasileiros em relação aos direitos dos reclusos.
Podemos em suma que os defensores da privatização dos presídios, em especial, no Brasil, argumentou que os modelos adotados nas Penitenciárias Industriais de Guarapuava-PR e de Juazeiro do Norte-CE têm propiciado condições dignas aos presos e, através do trabalho, tem ajudado na sua ressocialização e recuperação.
5 O MODELO APAQUEANO
A APAC (Associação de Proteção de Assistência aos Condenados) que também significa Amando ao Próximo Amarás Cristo, é um exemplar modelo de participação da comunidade na execução da pena e na ressocialização do condenado.
Foi fundada a primeira APAC em 15 de junho de 1972, em 1974, passou a gerenciar a cadeia de Humaitá, em São José dos Campos, Estado de São Paulo. Sendo uma entidade civil dotada de personalidade jurídica própria, seu objetivo como o propósito de ajudar o preso – denominado reeducando – ao seu retorno social, com a colaboração da comunidade local, que se tornou responsável por todos os estágios da execução da pena até a completa conquista da liberdade.
Através de seus inúmeros voluntários, a APC passou a desempenhar junto aos reeducandos as funções pertinentes ao próprio Estado, tendo com seu procedimento a individualização da pena, fornecendo médica-odontológica, assistência material, jurídica e psicológica, além de propiciar a educação e a formação religiosa – sendo neste último caso, o respeito com a liberdade de crença de cada um.
Tendo o senso de despertar com sua solidariedade e o devido respeito mútuo entre os reeducandos, a APC incentiva o convívio familiar, laço este que gradativamente rompido quando do cumprimento da pena prisional na grande maioria dos estabelecimentos penitenciários.
Estimula também a participação do reeducando, primando o seu bem-estar e pela resolução dos problemas pessoais, tudo sob uma disciplina, cujo desrespeito é punido com a perda da regressão nos estágios e de benefícios.
Ao contrário ocorrido nos estabelecimentos penitenciários, onde o preso tem entrada involuntária, o ingresso na APC depende somente do próprio presos, que formula um requerimento junto ao juízo das execuções criminais, estando condicionada sua admissão à aceitação das regras ali estabelecidas.
Ressalta-se que o gerenciamento prisional levado a efeito pela APC é arcado pela própria comunidade, sem acarretar nenhum ônus ao Estado, cabendo-lhe apenas as despesas com alimentação, água e luz, onde a APAC não há nenhum foco de lucratividade.
Com este modelo apaqueano o índice de reincidência chegou a registrar o percentual de apenas 4%. Onde o modelo apaqueano serviu de exemplo para vários outros Estados de Federação e diversos outros países.
Para se ter uma ideia de seu enorme sucesso melhor sobre o modelo apaqueano, basta mencionar que o atual sistema de progressão de regime (aberto, semi-aberto, fechado), previsto na Lei de Execução Penal, fio inspirado nele.
Na cidade de Bragança Paulista – SP, está situado o presídio, que também é gerenciado pela APAC, onde foi considerado pela Anistia Internacional como modelo a ser adotado.
O descanso entre os reeducandos é repelido nos estabelecimentos administrados pela APAC, sendo prova disso é que quase 90% dos detentos trabalham na prisão de Bragança Paulista, em atividades que vão desde o artesanato ao ramo de eletrônico.
Um exemplo para o País e também para o mundo, a prisão de Bragança Paulista-SP oferece aos presos serviços psicológico e médico-odontológico, de assistência social e jurídicos, além de propiciar condições dignas aos que ali cumprem pena, tendo em vista que as celas não-lotadas, higiene, alimentação de qualidade, dentre outras.
Entende-se que, o modelo apaqueano se caracteriza pelos aspectos seguintes:
1) Desejo do reeducando de aceitar as regras exigidas pela APAC;
2) participação da comunidade na execução da pena;
3) ajuda à família do reeducando, considerando o estreitamento dos laços familiares como forma de acelerar a ressocialização;
4) estímulo à auto-estima e ao senso de responsabilidade do reeducando, que deverá, dentre outras tarefas, escoltar os demais às audiências, ajudar outros reeducandos no processo de ressocialização, administrar seu próprio dinheiro;
5) apoio ao egresso e
6) os custos da execução da pena são arcados pela APAC, devendo o Estado efetuar o repasse de verbas necessárias à alimentação.
A APAC que já fazia o trabalho espetacular dentro dos presídios em que já ocorria no Brasil, sob vigilância do magistrado competente para a execução penal.
Contudo nota-se que o modelo o apaqueano é muito diferente do terceirizador porque a APAC é uma entidade que apenas representa a sociedade civil, movida por fins religiosos, e sem nenhuma forma de lucratividade, o que diferentemente do que acontece em relação às empresas administradoras de presídios, tendo sua finalidade que é o lucro.
Podemos observar que a utilização do modelo apaqueano em alguns estabelecimentos penitenciários tem se mostrado uma excelente forma para que se possa amenizar o problema penitenciário do País, com a participação excelente da sociedade. Com raras exceções, o próprio Estado brasileiro não tem demonstrado qualquer interesse em estimular tais de incontestável sucesso, em que os custos ao erário público são mínimos, em se comparando ao modelo privatizador que começa a se expandir.
6 CONCLUSÃO
Com base no que foi abordado, é indelegável que o atual modelo penitenciário existente no Brasil, onde se observa que o preso é submetido a condições subumanas de encarceramento, sendo a execução da pena prisional, física e moral superior aos limites da sentença penal condenatória, merecendo uma profunda reforma e uma grande atenção por parte do Estado e da sociedade. Destarte, mostra-se falacioso propagar que somente através da administração de estabelecimentos penitenciários pela iniciativa privada será possível assegurar ao recluso a sua dignidade e o exercício dos direitos humanos, e ainda, tudo isso a uma custo reduzido.
Em suma, por outro lado a ser considerado acerca da ideia privatizadora de presídios diz respeito a uma questão da natureza ética, uma vez que o encarceramento e todo sofrimento humano imposto ao preso daí decorrente possibilitará o aferimento de lucro por parte de empresas privadas. Outros países, considerados de Primeiro Mundo, como é o caso dos Estados Unidos, da Inglaterra e da França, há algum tempo vêm entregando a administração de alguns estabelecimentos penitenciários à iniciativa privada, sendo variado o grau de participação do particular, podendo ocorrer do simples fornecimento dos serviços chamadas hotelaria à execução da pena capital.
A implementação deste modelo de gerenciamento prisional privada, no Brasil teve início no ano de 1999 com a inauguração da Penitenciária Industrial de Guarapuava, no Estado do Paraná. Dando prosseguimento, no ano de 2001, onde foi inaugurada a Penitenciária Industrial Regional do Cariri, no Estado do Ceará.
Os Estados do Amazonas e da Bahia houve também a privatização de alguns estabelecimentos penitenciários. Logo, não há como negar que, o princípio defina como simples experiência, a privatização das prisões encontra-se em plena expansão no Brasil. Para que se possa ter uma noção clara do que seja ou do que tenha significação a respeito da privatização das prisões; incorretamente denominada de terceirização, basta ressaltar que a comissão técnica de classificação, formada por funcionários de empresas administradora da penitenciária, é quem elabora o relatório de avaliação do preso, a servir de subsídio para que o Pode Judiciário conceda a progressão ou a regressão do regime prisional.
Tendo ainda, a comissão disciplinar, onde também é formada por empregados da empresa privada, é quem exerce o poder disciplinar junto aos detentos, poder este inerente ao ente estatal, decorrente do jus puniendi. Tal citação da comissão disciplinar ao ente estatal competente, em suas outras atribuições, examinar e censurar as correspondências, manter a ordem, a disciplina internas e a segurança, de maneira que se caracteriza, assim, um exercício absoluto da execução penal.
Tendo como exemplo a Penitenciária Industrial de Guarapuava, onde a administradora fez um regimento interno dispondo acerca das punições disciplinares a serem aplicadas aos reclusos, usurpando o Poder Público, e mediante a omissão deste. Destarte, que nestes estabelecimentos, é o particular o responsável pela aplicação de sanções disciplinares aos presos, com isso dando o azo a abusos sem precedentes, tendo a impossibilidade de uma efetiva e eficaz fiscalização por parte das instituições encarregadas de tal mister.
Os absurdos e aliado aos vários inconvenientes existentes no modelo de gerenciamento prisional brasileiro, conferido à iniciativa privada, no presente estudo foi visto que tal modelo viola vários princípios constitucionais da Administração Pública, tendo como exemplo o Estado do Ceará, onde a contratação do Poder Público com o particular não é precedida da imprescindível licitação e devida, sendo que tão pouco é feita a publicação do concurso firmado no órgão oficial.
Em uma outra questão e de grande valia pertinente ao tema objeto de estudo, diz respeito à transferência de serviços de natureza tipicamente públicos ao particular. Pois, a execução da pena privativa de liberdade, onde é considerada serviço essencial do Estado, é indelegável, deve ser exercida por servidores públicos (agentes penitenciários), e jamais por particulares (agentes disciplinares), onde não se há qualquer vínculo com a Administração Pública, tal como vem ocorrendo nas penitenciárias administradas pela iniciativa privada.
Destarte, que o modelo apaqueano é um dos melhores exemplos de como o Estado e também a sociedade podem propiciar aos presos uma execução penal respeitosa da dignidade humana e dos direitos. Com isso, não se tendo razões injustificáveis, não existe o devido incentivo do Poder Público à implementação de APACs pelo Brasil.
Ao imaginar que o Estado brasileiro venha a propiciar uma melhoria no sistema prisional, sem que para isso venha a delegar o jus puniendi para o particular não constitui uma utopia, pois, o modelo apaqueano é um grande exemplo contundente disso, sendo copiado por países de primeiro mundo, inclusive buscando assegurar princípios constitucionais atinentes à dignidade humana.
Referências
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Nota:
[1] Trabalho orientado pelo Prof. Heinz Fábio de Oliveira Rahmig
Informações Sobre o Autor
Miza Tânia Ribeiro Marinho Ghader
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