O modelo atual não gera lucro
para ninguém, mas não funciona
FERNANDO LUIS SCHÜLER*
Uma sugestiva coincidência reacendeu, neste triste mês de janeiro, o recente debate travado no Rio Grande sobre os rumos de nosso sistema prisional. De um lado, tivemos a representação feita à OEA, relativamente às condições do Presídio Central, por um conjunto de instituições gaúchas comprometidas com os direitos humanos. De outro, a inauguração do primeiro complexo prisional brasileiro no modelo das PPPs, em Ribeirão das Neves, perto de Belo Horizonte.
FERNANDO LUIS SCHÜLER*
Uma sugestiva coincidência reacendeu, neste triste mês de janeiro, o recente debate travado no Rio Grande sobre os rumos de nosso sistema prisional. De um lado, tivemos a representação feita à OEA, relativamente às condições do Presídio Central, por um conjunto de instituições gaúchas comprometidas com os direitos humanos. De outro, a inauguração do primeiro complexo prisional brasileiro no modelo das PPPs, em Ribeirão das Neves, perto de Belo Horizonte.
Há argumentos relevantes no lado dos que criticam o modelo de gestão privada dos presídios. Empresas podem fazer lobby e pressionar o poder público por vantagens indevidas. Podem remunerar mal e deixar de treinar seu pessoal, comprar insumos de menor qualidade e driblar a legislação. Há riscos, e eles devem ser levados em conta. O pior erro em um debate como este é supor que há um modelo perfeito de gestão a ser adotado.
O modelo atual não gera lucro para ninguém, mas não funciona. Sua anatomia está exposta, minuciosamente, no texto da representação à OEA. Ninguém o definiu melhor do que o promotor Gilmar Bortolotto, ao se referir à situação do Presídio Central: "O juiz não manda nada, o promotor não manda nada, a direção não manda nada". Ou seja, o Estado faz a gestão direta do sistema, mas, na prática, não consegue trocar uma lâmpada ou disciplinar os preços da cantina dos apenados. É evidente que a culpa deste estado de coisas não é do atual governo. Os governos passam a ser culpados se não têm a coragem de propor alternativas estruturais para os problemas.
O fato é que os órgãos de Estado não foram concebidos para administrar serviços. Se o lendário gestor Jack Welch assumisse a direção do Presídio Central, desconfio que não faria melhor do que os atuais administradores. O Estado sabe fazer uma eleição eletrônica perfeita, com mais de 100 milhões de eleitores, mas não foi feito para, no dia a dia, consertar janelas, câmeras de vigilância e motivar adequadamente os funcionários de uma unidade prisional. O problema está no cipoal burocrático e na vulnerabilidade política de todo o sistema. Penso que todos sabem disso, mas vamos levando.
Os presídios são a ponta do iceberg, o problema é muito mais amplo. Muita gente já se convenceu disso, e tem tido a coragem de revisar antigas posições. O governo federal recentemente concluiu que é mais eficiente transferir a gestão de nossos aeroportos à iniciativa privada. Isto era inadmissível, pouco tempo atrás. Também se julgava inaceitável o financiamento público de vagas no ensino privado, como faz hoje o Prouni, com grande sucesso. Aos poucos, vamos aprendendo que bons modelos de cogestão entre governo e iniciativa privada, com sistemas adequados de controle, podem favorecer o interesse público.
O modelo das PPPs por vezes é mal compreendido. Ele cumpre essencialmente duas funções. Em primeiro lugar, o financiamento do bem público, sem onerar o orçamento do Estado e reduzindo imensamente os custos burocráticos de construção. Foi assim em Ribeirão das Neves, poderia ter sido assim em Canoas.
Em segundo lugar, provê a gestão física das unidades. Trata-se de uma gestão de condomínio,
essencialmente operacional. O Estado não abre mão de nenhuma de suas prerrogativas na execução da pena ou na garantia dos direitos dos apenados. Ao contrário, ele passa a ter o que hoje não tem: capacidade de agir, regular, punir quem infringe direitos. Ele retoma exatamente o que hoje perdeu: a soberania sobre o sistema.
Um bom caminho para este debate é evitar o dogma segundo o qual todo modelo de gestão privado será sempre virtuoso, e seu contrário, que a gestão estatal direta será sempre a garantia do interesse público. As duas posições nos levam ao jogo de soma zero em que há bom tempo nos encontramos. Quem sabe a imensa capacidade de união e generosidade que o Rio Grande demonstrou, nesses últimos dias, sirva como sinal de que é possível avançar, apostar no diálogo, buscar convergências. Quem sabe um novo modelo para nosso sistema prisional possa ser um bom ponto de partida.
*Doutor em Filosofia pela UFRGS
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