Contra a violência, por Montserrat Martins*
Passou despercebida, às vésperas do Carnaval, a inclusão do sistema prisional no Pronatec – Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego. Essa notícia, tratada com singeleza, é uma das mais importantes iniciativas contra o círculo vicioso da violência que se reproduz na nossa sociedade. Para uma população carcerária de 500 mil pessoas, apenas 2,9% têm qualificação profissional e 5% são absolutamente analfabetos – sem incluir nesse índice os analfabetos funcionais. Em 2013 serão oferecidas 35 mil vagas, a serem ampliadas para 90 mil em 2014.
Estudos apontam que a falta dessa qualificação profissional é um dos fatores significativos de reincidência, ao lado de problemas já bem conhecidos, tais como desestruturação sociofamiliar, drogadição e o próprio estigma sobre os egressos. Talvez por essa rejeição, a notícia não foi alardeada como um feito do governo, como poderia ter sido. Trata-se de um acordo de cooperação técnica no qual o Ministério da Justiça encaminha presos ou egressos para as unidades de ensino credenciadas pelo Ministério da Educação. Uma iniciativa altamente elogiável, tão séria e necessária, que é de se estranhar por que não havia sido realizada ainda por governos anteriores. Afinal não se apregoa que o objetivo do sistema prisional seria a “ressocialização” dos presos?
Entre o discurso racional e as atitudes concretas há um abismo e nele encontramos emoções primitivas e inevitáveis, como anseios inconfessáveis (ou nem tanto) de vingança. Espalhados pelo país, vários programas de rádio já consagraram animadores que formam sua popularidade explorando de modo sensacionalista esse ânimo de vingança popular contra os “bandidos”. Esse sentimento “coroa” um círculo vicioso de ódios recíprocos, num clima comparável a uma guerra civil.
O raciocínio que justifica o ódio e a vingança é de que os presos têm de ser maltratados para “aprenderem”, uma teoria “aversiva”, como se a privação de liberdade não fosse suficiente. A pena de morte poderia ser aprovada em um plebiscito e as torturas são tacitamente aceitas, quando não explicitamente desejadas, por esse mesmo ânimo de vingança popular – análogo ao dos linchamentos. Ocorre que esses mesmos raciocínios e sentimentos são muito semelhantes aos dos próprios presos, oriundos em sua quase totalidade das camadas da população mais desprovidas de condições econômicas ou da presença do Estado, de vilas relegadas ao poder local do tráfico de drogas, por exemplo.
Criados com sentimentos diários de humilhação, o crime expressa muitas vezes um modo de vingança contra uma sociedade da qual se sentem excluídos, embora muitas vezes atinjam os membros de sua própria comunidade, no que a população chama de “chinelagem”. Isso ocorre com frequência no caso de usuários de crack – e por isso outra iniciativa governamental merece ser saudada, a do governo do Estado ao planejar uma penitenciária estruturada para atender aos presidiários que são dependentes químicos, porque sua recuperação inclui a possibilidade de tratamento dessa dependência.
Talvez não seja politicamente vantajoso para os governos alardear seus esforços de recuperação de presos e egressos, diante deste ânimo social vingativo. A sociedade precisa evoluir até cessar essa espiral de violência, pois cultivar o ódio se volta contra a própria sociedade. Não bastam ações dos governos, sem todos evoluirmos também.
*MÉDICO PSIQUIATRA, BACHAREL EM CIÊNCIAS JURÍDICAS
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