domingo, 22 de maio de 2011

FUNCIONÁRIOS DO POVO

A realidade prisional brasileira segue sendo basicamente desconhecida. Ela é algo como um mundo à parte, com regras e valores que operam por sobre os comandos constitucionais e legais e que parecem, quase sempre, assegurar a inversão da lógica, do bom senso e dos princípios mais elementares da ética e da dignidade.

Há um grupo pequeno de pessoas que fiscalizam presídios e tomam decisões sobre a execução das penas: os promotores e juízes que atuam na execução criminal. A tarefa que lhes cabe é uma das mais exigentes. Sobre eles recai o peso de demandas infinitas por respeito e justiça. São eles que, como regra, recebem as denúncias de corrupção, que investigam graves violações de direitos, que zelam – enfim – pelo cumprimento da lei onde a regra é a perversão da própria ideia do direito. Confrontados com o absurdo, com aquilo que não cabe em palavras, e com o agravamento dos perfis delituosos promovido pela incúria do Estado e pela indiferença pública, esses profissionais trabalham quase sempre anonimamente. Quando se manifestam em público, costumam deparar com a significativa margem de incompreensão que acompanha como uma sombra a trajetória dos que lutam pela civilização.

Falo de pessoas que conhecem as pocilgas para onde mandamos aqueles que devem ser “corrigidos” pela retribuição penal; pessoas informadas dezenas de vezes da morte de presos – quase todos jovens – por insuficiência respiratória, por exemplo. O sujeito é deixado no fundo de uma galeria gravemente doente sem qualquer atenção até a “remoção urgente” para um hospital, tarde demais para que algo possa ser feito. Falo de pessoas que recebem denúncia de venda de celulares aos presos para, depois, colher o depoimento do denunciante transferido propositalmente de cela para ser currado por bandidos presos a mando de bandidos concursados interessados em proteger seu mercado criminoso.

Profissionais que podem oferecer respostas a dramas desta natureza não são técnicos ou burocratas. São agentes políticos capazes de atos de coragem cívica, são funcionários do povo que se portam como que investidos de um mandato de dignidade. É preciso ter uma energia humana extraordinária para atuar contra a correnteza do senso comum, do preconceito e da intolerância. Na execução penal em nosso Estado, já tivemos a contribuição notável de pessoas como Marco Antônio Scapini – a quem devo quase tudo o que sei sobre execução penal, além de muitas lições de humanidade. Pelo Interior, temos vários magistrados e promotores que honram a mesma tradição. Atualmente, duas pessoas simbolizam estas virtudes e representam perfeitamente os profissionais que dignificam a função pública. Refiro-me ao promotor Gilmar Bortolotto e ao juiz corregedor Sidinei José Brzuska.

Tudo o que for dito em reconhecimento ao trabalho desses legítimos funcionários do povo será insuficiente. Mesmo assim, registro neste espaço minha incondicional admiração e o faço em nome de tantos que jamais terão a oportunidade de fazê-lo.

MARCOS ROLIM, JORNALISTA - ZERO HORA 22/05/2011


COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - Muito boas estas observações. Ninguém conhece mais "as pocilgas para onde mandamos aqueles que devem ser “corrigidos” pela retribuição penal" do que o Marcos Rolim (marcos@rolim.com.br), pois ele, quando deputado, percorreu o Brasil para conhecer a situação prisional. Entretanto, que frutos colheu com a "anamnese" realizada? E isto me deprime, como me deprimem tantos outros diagnósticos, comprovações, entrevistas, notícias e observações de autoridade sobre a questão prisional brasileira.

Não posso concordar com os elogios dados ao promotor e ao juiz de execução penal. Ambos conheceram as condições dos presídios, mostram a mesma indignação, fizeram relatório, criticaram pela mídia e até tentaram "constranger" o poder político soltando os presos para o terror do cidadão de bem. Tudo isto não teve força para mudar a situação ou "convencer" o governante a cumprir leis e decisão judicial.

Que motivos impedem o MP e o Poder Judiciário de serem mais respeitados e coativo para obrigar o Governador a aplicar a política prisional prevista na constituição, cumprir direitos e deveres e construir presídios mais humanos? Será que estes dois poderes sofrem forte influência política que os tornam incapacitados para se indispor com eles?

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