domingo, 22 de maio de 2011

EFEITO PENITENCIÁRIA - ESTIGMA DE DESAGRADO E INSEGURANÇA

SÃO PEDRO DE ALCÂNTARA. O efeito penitenciária. As 11 mortes registradas na cadeia neste ano criaram estigma que a desagrada moradores da cidade - PEDRO ROCKENBACH, DIARIO CATARINENSE, 22/05/2011

No alto do morro, a igreja matriz. No comércio, um restaurante, uma imobiliária, Correios, um mercado. Nessas terras de sossego, o último assassinato ocorreu há 24 anos.

Mas é justamente pelas manchetes policiais que São Pedro de Alcântara está chegando à mídia. Os 11 presos assassinados, só neste ano, dentro do complexo prisional da Grande Florianópolis que a cidade abriga, estão gerando um estigma que moradores querem reverter. A prefeitura também pede uma compensação financeira.

Desde 2003, ano de abertura do complexo, o município não é mais lembrado como primeira colônia alemã do Estado, anfitriões das festas Oktobertanz e Stammtisch. Agora, aqueles que dizem viver em São Pedro de Alcântara recebem um rótulo de quem não conhece o lugar.

– Passamos constrangimento aonde vamos. Esses dias, ao comprar móveis em uma loja da Capital, dei meu endereço. A menina logo perguntou: ‘Ah, lá do presídio, né? – reclamou a auxiliar de serviços gerais Ivonete da Silva.

Na roda de dominó no Bar do Zézo, no Restaurante do Jânio e na Barbearia do Diego, as opiniões convergem. Ao passar dos anos, os alcantarenses se acostumaram com a ideia de abrigar criminosos.

– Se os presos tivessem lá quietinhos, seria tranquilo. O ruim é que sempre ocorre alguma coisa lá dentro, vira notícia – disse Jânio.

O município, emancipado em 1994 (primeira eleição em 1996), tem histórico em alojar, desde o período que pertencia a São José, o que era recusado por outras regiões. Foi assim com o Hospital Santa Teresa, para tratar e isolar doentes de hanseníase, e o depósito de lixo hospitalar.

Como vereador de São José, em 1995, Erni Stähelin já lutava contra a construção. Hoje, no cargo de prefeito de São Pedro de Alcântara, desabafa:

– Só este ano morreram 11 lá dentro. Mas sai na imprensa como homicídio em São Pedro. Isso acabou com a autoestima do nosso povo.

Antes da construção, nos final dos anos 1990, o governo do Estado prometeu desenvolvimento para a região, principalmente asfalto nas ruas de terra esburacadas. Atualmente, até os 1,6 quilômetro que liga a entrada da penitenciária ao Bairro Santa Teresa continua em chão batido.

– Não posso falar por governos anteriores. Nossa prioridade é resolver os problemas que estamos enfrentando dentro do sistema carcerário. – disse Ada de Luca, secretária estadual de Justiça e Cidadania.

Segundo Esperidião Amin, governador de SC em 2002 (ano de inauguração), o município recebeu melhorias na educação e na agricultura.

Impacto também nos negócios

A 31 quilômetros da Capital, São Pedro de Alcântara tem cada vez menos jovens, que partem cedo para os centros urbanos em busca de mais alternativas de estudo e trabalho.

Nos últimos 10 anos, a população total caiu de 3,5 mil para 3,4 mil habitantes. Segundo o Censo 2010, que soma junto a população carcerária de 1,2 mil detentos, a população chega a 4,7 mil pessoas.

Mesmo assim, os atendimentos nas duas unidades de saúde municipais subiram de 230 mensais para 730 nos últimos cinco anos, apontam registros da Secretaria Municipal de Saúde.

– Percebemos que muitas pessoas vêm de fora. Falam que são parentes de presos, mas não são – revela a secretaria de Saúde, Isolene Hoffmann.

O atendimento aos presos também ajudou a inflar o número de consultas. Entre 15 e 20 detentos por mês usam convênios pagos pela prefeitura e serviços dos postos da cidade. Os tratamentos de ortopedia são os mais solicitados – A maioria das fraturas é resultado de violência.

O município diz bancar sozinho R$ 1, 2 milhão anuais em saúde. O governo estadual diz estar tentando uma verba federal, proveniente de um portaria criada entre os ministérios da Saúde e da Justiça.

A cadeia também ajuda a colocar São Pedro no topo dos índices de tuberculose e Aids no Estado. Isso porque a estatística epidemiológica contempla também a penitenciária.

Todos os 11 casos de tuberculose e 34 dos 39 soropositivos vêm da cadeia. De acordo com a Secretaria Estadual de Saúde, os doentes do complexo precisam ser relacionados ao município para terem acesso à medicação.

Números ruins na saúde

A instalação do complexo penitenciário gerou impactos negativos e também positivos na economia local. Esses reflexos ocorrem principalmente no Bairro Santa Teresa, onde está a penitenciária.

No bairro, cerca de 50 familiares de detentos desembarcam diariamente para as visitas. Nos fins de semana, esse número triplica. Como o coletivo vai só até a entrada da estrada que liga ao complexo, os viajantes acabam circulando pelo comércio local. Aproveitam para fazer as refeições e comprar mantimentos para os presos.

O restaurante e mercado dos Cunha, que há 14 têm o estabelecimento ao lado do ponto de ônibus, dobrou de tamanho e adaptou-se ao novo tipo de demanda. As prateleiras oferecem praticamente só produtos com acesso permitdo aos detentos. A clientela aumentou em 90% após a abertura do complexo, em 2003.

– Tudo aqui é para atender os familiares. Se a penitenciária fechasse hoje, eu teria teria que demitir três funcionários – diz Adriana Cunha.

Mas o coméricio dos Cunha registrou queda no movimento este ano, após os 11 homicídios. Por causa das mortes, o Deap restringiu visitas.

Os crimes prejudicaram também o mercado de imóveis da cidade. Na única imobiliária de São Pedro de Alcântara, cerca de 30% dos interessados em terrenos e casas desistem ao descobrir que fica na cidade da penitenciária. Se o terreno fica no Bairro Santa Teresa, o índice é ainda maior. Uma área lá vale 30% menos.

O aposentado João Vasco desistiu.

– Eu disse pro corretor: ‘É aqui, perto da penitenciária? Nem pensar’. Pode virar uma rebelião ou fuga.

Nenhum comentário: