O estado do Rio Grande do Sul deve criar 3.892 vagas no sistema prisional. A decisão é da juíza Rosana Broglio Garbin, da 7ª Vara da Fazenda Pública de Porto Alegre. Para a juíza, a situação das prisões “gera reação em cadeia que atinge a toda a sociedade”, é “degradante e não atende à finalidade da pena”.
A ação foi proposta pelo Ministério Público. As vagas devem ser criadas na jurisdição da Vara de Execuções Criminais da capital. A multa diária é de R$ 10 mil. O valor deve ser dado ao Fundo Penitenciário do Rio Grande do Sul.
Segundo a juíza, o estado deve criar 3.387 vagas para o regime fechado. A construção pode ser feita de forma escalonada: 25% das vagas em 550 dias, 50% em 915 dias, 75% em 1280 dias e 100% em 1.645 dias.
Para o regime semi-aberto e aberto, Rosana determinou a criação de 505 vagas. O estado tem até 810 dias para criar todas elas. A juíza mandou ainda que o estado inclua no orçamento a criação das vagas, sob pena de R$ 3 mil de multa diária.
A Promotoria de Controle e Execução Criminal de Porto Alegre, com base em inquérito civil instaurado em 2005, relatou a precária situação do sistema prisional na capital. A juíza relata que, em vistoria feita no Presídio Central em março de 2006, constatou-se uma média geral de 1,71 metro quadrado por preso. “Com celas chegando ao absurdo de 0,45 m² por preso, quando a Lei de Execuções Penais prevê espaço mínimo de 6 m²”, afirmou.
Para a juíza, “o confinamento puro e simples de pessoas como o que se está fazendo é cruel e desumano e somente tem levado ao descrédito do poder estatal — a criação de facções e de poderes paralelos ao do Estado, dentro da prisão, demonstra a total falta de controle estatal sobre a população carcerária”.
“Nem se pode argumentar que o problema carcerário é apenas dos apenados que lá se encontram”, afirmou Rosana. Segundo ela, “a precária situação das casas prisionais serve ainda como local para disseminação de doenças infecto-contagiosas que se alastra entre os presos e na comunidade”.
Leia a decisão
Processo 10702838229
7ª Vara da Fazenda Pública do Foro Central
Processo nº: 001/1.07.0283822-9
Natureza: Ação Civil Pública
Autor: Ministério Público
Réu: Estado do Rio Grande do Sul
Juiz Prolator: Juíza de Direito - Dra. Rosana Broglio Garbin
Vistos etc...
O Ministério Público do Estado, por sua Promotoria de Controle e Execução Criminal de Porto Alegre, relatando a precária situação do sistema prisional vinculado a Vara de Execuções de Porto Alegre e as conseqüências internas e externas dessa superlotação, ingressa com a presente ação civil pública pretendendo a condenação do Estado na obrigação de fazer, consistente na geração e implementação de vagas para os regimes fechado, semi-aberto e aberto.
Afirmando estarem presentes os requisitos legais, pretende a concessão de tutela antecipada para o fim de determinar que o Estado promova, num prazo de 270 dias, a geração e implementação do mínimo de vagas reconhecidas pelo último Mapa da População Carcerária Semanal, ou seja, de 505 vagas para o recolhimento dos presos nos regimes semi-aberto e aberto sob a jurisdição da Vara de Execuções Criminal de POA. Sustenta que a implementação de tais vagas, de necessidade premente, estariam também liberando vagas do regime fechado.
Apresenta, ao depois, pedido de condenação do Estado na obrigação de fazer, consistente na geração e implementação do mínimo das vagas necessárias reconhecidas pela SUSEPE, ou seja, 3.387 vagas para recolhimento no regime fechado , bem como as demais vagas que se fizerem necessárias, de forma escalonada e, 505 vagas para recolhimento dos presos nos regimes semi-aberto e aberto, confirmando-se a liminar caso deferida, bem como as demais que se apresentarem necessárias do ajuizamento até a execução.
Juntam procuração e documentos que vieram autuados em 10 volumes apensos a presente.
O pedido de tutela antecipada veio indeferido por não estar comprovada a urgência, e para ser ouvido o Estado, por razão de prudência. A parte autora agravou da decisão, que veio mantida em grau de recurso.
Citado, o Estado apresentou contestação. Refere que descabe a presente ação por adentrar na esfera de discricionariedade da administração pública. Alega que em decorrência das dificuldades financeiras pelas quais passa o Estado, toda atividade deve observar o binômio possibilidade/necessidade. Informa que há obras previstas que cobririam mais de cinqüenta por cento do deficit apontado. Fornece relatório da situação.
Replica a parte autora.
Designada audiência de tentativa de conciliação, restou inexitosa. A ela compareceu Procuradora do Estado sem poderes para negociação.
Conclusos os autos, foi deferida a antecipação da tutela pretendida, tendo-se determinado a implementação de 505 vagas para o regime aberto e semi-aberto, no prazo de 180 dias, como, também, determinada a inclusão de verba específica no orçamento de 2009 para criação e implantação de novas vagas no regime fechado.
O Estado agrava da decisão.
Informado o não cumprimento de parte da tutela deferida, foi determinada, em complementação, a retificação da proposta orçamentária pela Sra. Governadora do Estado, comunicando-se ao E. Relator do Agravo de Instrumento.
Na instrução do feito foram ouvidas testemunhas arroladas. Pela parte autora foram ouvidos o Juiz da Vara das Execuções Criminais, Luciano André Losekann, o Promotor de Justiça da Promotoria de Controle de Execução Criminal, Gilmar Bortolotto e o Ex-diretor do Presídio Central, Jainer Pereira Alves.
Pelo Estado foram ouvidos o Secretário de Segurança Pública, Edson de Oliveira Goularte, o Superintendente da SUSEPE, Paulo Roberto Thomsen Zietlow e o servidor lotado na equipe de engenharia prisional da Susepe, Paulo Renato de Menezes Ribeiro.
Encerrada a instrução, as partes apresentam memorias, repisando anteriores manifestações, momento em que o Estado dá ciência do provimento ao seu recurso. Junta-se cópia do respectivo Acórdão.
É o relatório.
Passo a fundamentar a decisão.
A presente ação encontra-se apta ao julgamento, não havendo outras provas a serem produzidas.
A decisão proferida no Agravo de Instrumento analisa questões relativas a princípios da separação dos poderes e da discricionariedade das decisões administrativas. A despeito da decisão proferida pelo Egrégio Tribunal, no julgamento do Agravo de Instrumento, em razão da liminar de antecipação da tutela, tenho, nesta fase de cognição completa das questões, por manter posição já esboçada no despacho anterior, não alterada pelas provas apresentadas nesses autos.
Dos atos discricionários e da separação dos poderes.
Conforme já referido no despacho inicial da fl. 123 e no despacho das fls. 184 e ss., entendo possível a ingerência do Poder Judiciário na esfera da discricionariedade da administração, em tema de tamanha relevância como o que ora se apresenta.
Com efeito, a nova visão do direito administrativo vem se mostrando bem mais aberta, no sentido de se relativizar o chamado poder discricionário da Administração, de forma que mesmo suas opções possam ser questionadas, sob o enfoque da finalidade maior que é o atendimento do interesse público.
Ao se considerar simploriamente a regra clássica da separação de poderes, corre-se o risco de gerar situações semelhantes à presente em questão de alta relevância pública: o Executivo, sendo dele a iniciativa, nada faz; o Legislativo, apenas discursa; e o Judiciário, lava as mãos; todos, sob o pretexto das competências respectivas.
É assim que se vê no presente processo. Várias e várias tentativas de se concretizar alguma coisa no sentido de ao menos minimizar os problemas, sem que nada de concreto se efetive. Muitos já gritaram. Muitos informaram. Muitos já começaram a planejar. De concreto, nada. Ao problema inicial, vários outros vão se somando. E a situação carcerária do Estado vai ficando cada vez mais precária.
O Poder Estatal é uno, embora exercido por seus três Órgãos de Poder, cujos atos devem se submeter aos princípios constitucionais maiores.
Nessa visão superior, permite-se ao Judiciário, como guardião da lei e vigia dos interesses coletivos e públicos, exercer o controle das ações administrativas, quando desviadas sob o pretexto de sua discricionariedade.
Nesse sentido Mauro Roberto Gomes de Mattos1 :
“Pela constitucionalização do direito é possível penetrar na essência de atos públicos até então inexplorados por outros Poderes. O que era vedado, em homenagem aos princípios e normas da Constituição Federal, passou a ser permitido. Pois o Poder Judiciário no atual século e no final do século passado, alçou a condição, dentre outras de fiscal de todos os atos públicos.
Essa necessária fiscalização do Poder Judiciário sobre toda a sociedade, inclusive quanto aos atos públicos, possui o escopo de manter eficaz os princípios e as normas da Constituição, sem que se caracterize uma indevida ingerência de um poder sobre o outro.
Não se concebe mais, na atual fase do direito administrativo, que um ato discricionário não priorize a eficiência, a impessoalidade, a moralidade, a razoabilidade, a legalidade, dentre outros vitais princípios constitucionais.”
Não se desconhece que a matéria ainda suscita várias divergências. Grande parte dos doutrinadores se inclina em ter que descabe ao Poder Judiciário o exame da oportunidade e da conveniência do ato administrativo discricionário. Esta posição, ainda hoje, vem assumida na grande maioria dos julgados. Estão aí as decisões colacionadas pelo Estado em seus memoriais.
Contudo, a nova visão do direito administrativo antes mencionada e as ações tendentes à efetivação dos direitos fundamentais, cada vez mais abrem espaço para a ingerência do Judiciário. É assim atualmente com a chamada “judicialização da saúde”, pela qual, em atendimento às decisões judiciais, a Administração Pública dá atendimento efetivo às políticas públicas na área da saúde.
Com efeito, porque fiel da unidade da Constituição, o Judiciário, por essa missão, faz com que se ultrapasse a barreira dos limites dos Poderes.
Ainda que se prestigie a discricionariedade da administração pública, toda a atividade administrativa deve ser pautada em atendimento aos princípios constitucionais.
Afora o fato de que os atos administrativos devem ser balizados para o atendimento dos direitos fundamentais estabelecidos na constituição, devem eles se revestir não só da forma legal, mas também, na sua substância, devem atender aos princípios esculpidos no art. 37 da Constituição Federal, dentre eles o princípio da eficiência, nos dizeres de Rafael Maffini2 : “ é princípio que impõe sejam as condutas administrativas orientadas a resultados satisfatórios, significando, assim, um primado de qualidade da ação da Administração Pública”.
A liberdade do administrador não é absoluta. Vincula-se aos instrumentos contidos na Constituição.
Também a jurisprudência vem entendendo da possibilidade do controle do Judiciário, inclusive sobre os atos discricionários, sem que implique em indevida ingerência de um poder sobre o outro. É assim, v. g., a ementa que se segue, a exemplo da já citada no despacho da fl. 184 :
"ADMINISTRATIVO E PROCESSO CIVIL – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – OBRAS DE RECUPERAÇÃO EM PROL DO MEIO AMBIENTE – ATO ADMINISTRATIVO DISCRICIONÁRIO.
1. Na atualidade, a Administração pública está submetida ao império da lei, inclusive quanto à conveniência e oportunidade do ato administrativo.
2. Comprovado tecnicamente ser imprescindível, para o meio ambiente, a realização de obras de recuperação do solo, tem o Ministério Público legitimidade para exigi-la.
3. O Poder Judiciário não mais se limita a examinar os aspectos extrínsecos da administração, pois pode analisar, ainda, as razões de conveniência e oportunidade, uma vez que essas razões devem observar critérios de moralidade e razoabilidade.
4. Outorga de tutela específica para que a Administração destine do orçamento verba própria para cumpri-la.
5. Recurso especial provido." 3
É de se salientar ser esta a cede pertinente para o pedido proposto, visando a implementação de políticas públicas que atendam o direito do cidadão.
Refere Sergio Cruz Arenhart 4 :
“A ampliação no uso das demandas coletivas para a proteção de interesses frente ao Poder Público torna-se, então, mecanismo de participação da sociedade na administração da coisa pública. Nesse passo, as demandas coletivas acabam assumindo o papel de verdadeiro instrumento de democracia participativa, servindo para extravasar as diversas orientações populares sobre os rumos a serem adotados pelo governo nacional. ...
Quando estas demandas dirigem-se contra o Poder Público, semelhante situação ocorre. Diante do âmbito da eficácia das decisões aqui proferidas, haverá corriqueiramente tendência a alterar de modo substancial uma política governamental ou implantar decisões administrativas até então não adotadas. Obviamente, no campo financeiro, também estas decisões produzirão reflexos sensíveis. Afinal, é certo que a determinação judicial, impondo ao Estado a adoção de certa postura (especialmente quando a determinação for de alguma atitude comissiva), importará novos custos, novo gerenciamento de recursos e alteração nas prioridades governamentais. Em tais casos, as decisões políticas receberão um componente a mais: os limites impostos pela decisão judicial ou as indicações de agir por ela determinados.
Em tudo isso se vê a mão do juiz a participar, de forma mais efetiva, da gestão da coisa pública, influindo diretamente na adoção e realização de políticas públicas. Esta influência, com efeito, já é sentida na prática, sendo constantes ações civis públicas que visam à implementação de certos direitos constitucionais ou que objetivam impedir o Estado de realizar algo de seu interesse. Determinações obrigando o Estado a fornecer determinada medicação, a conceder créditos privilegiados a certas pessoas, a outorgar benefícios a certas camadas da população constituem regra no Judiciário nacional, bem como medidas tendentes a proibir o Poder Público de licitar certo objeto, de usar recursos para determinados fins etc.
... ” (grifo meu)
E qual foi a opção do administrador no caso em exame? O que se verifica pelos elementos apresentados na presente ação é apenas a inércia estatal na criação de novas vagas. Enquanto isso, a população carcerária, quer em decorrência de um simples crescimento vegetativo, quer em decorrência do aumento da criminalidade, aumenta a cada mês.
O Ministério Público em seus memorias, citando Juarez Freitas, faz referência também como vício no exercício administrativo o da discricionariedade insuficiente (arbitrariedade por omissão) em que o doutrinador refere:
“ ... (b) o vício da discricionariedade insuficiente (arbitrariedade por omissão) -(...) - hipótese em que o agente deixa de exercer a escolha administrativa ou a exerce com inoperância ou ineficiência, inclusive ao faltar com os deveres de prevenção e de precaução. Nessa modalidade igualmente patológica, a omissão – verdadeiro dardo que atinge o coração dos objetivos constitucionais – traduz-se como o descumprimento das diligências impositivas. ...”5
Nesse sentido, também a conclusão do Ministério Público em seus memoriais (fl. 449):
“Assim, ao administrador público que gerencia o sistema prisional, diante da situação da superlotação causadora de prejuízos diretos aos direitos fundamentais dos presos, como o direito à vida, à integridade física e moral, a vedação ao tratamento desumano ou degradante, entre outros, não tem opção de escolha entre gerar e implementar vagas no sistema prisional ou não fazê-lo. A única opção válida é realizar os atos necessários de modo a adimplir a obrigação do Estado em prestar as condições materiais de espaço adequadas para a devida execução da pena pelos condenados que estão sob sua tutela.
Não se pode aceitar a omissão violadora dos direitos fundamentais dos presos, a qual ocasiona reflexos danosos à segurança pública, e, portanto, à coletividade como um todo, em decorrência da ignorância, ou quiça da dúvida, do administrador em como implementar uma política eficiente para a geração e implementação das vagas necessárias no sistema prisional. É contra essa grave inércia e inoperância que se insurge o Ministério Público.” (grifo meu)
Importa ainda referir que a ingerência fica restrita a indicação do que deve ser feito, permanecendo a discricionariedade da administração pública quanto a forma de melhor implementar a ação positiva, reconhecida como necessária. Também aqui reconhece o Ministério Público que a presente ação não visa retirar a discricionariedade da administração, mas direcioná-la para o atendimento dos direitos fundamentais :
“Importa destacar que há discricionariedade do Estado do Rio Grande do Sul exclusivamente no que se refere à forma como se dará a geração e a implementação das vagas necessárias para os regimes fechado, semi-aberto e aberto, de modo a atender a dignidade da pessoa humana dos presos e à segurança pública. Ou seja, pode escolher se o redimensionamento de vagas no sistema se dará com a construção de novos presídios, reforma de prédios públicos ou locação de prédios particulares. Desde que a opção final concretizada seja eficiente para a realização de direitos fundamentais, atendendo a finalidade constitucional, e ao princípio fundamental à boa administração pública, será uma opção válida.”
Assim diante da omissão administrativa ora reconhecida e reiterada pela prova nos autos, não há como se alterar a posição deste Juízo, manifestada em decisões anteriores e se furtar na indicação da necessária política pública que deve ser observada no campo das carceragens do Estado.
Da situação carcerária no Estado.
A presente ação tem por base inquérito civil instaurado em junho de 2005, que noticia a precária situação carcerária do Estado, pela falta de vagas em presídios e albergues, atingindo todas os regimes prisionais (aberto, semi-aberto e fechado), e as condições de miserabilidade e falência das casas prisionais existentes.
A situação deficitária já se apresentava há alguns anos, por decorrência do simples crescimento vegetativo da população carcerária, aliada a situações de miserabilidade das camadas mais baixas da sociedade, geradora da violência, entre outras.
Os dez (10) volumes em apenso, relativos ao inquérito civil que instruiu a presente ação, demonstram a precária situação carcerária das casas prisionais vinculadas á Vara de Execuções de Porto Alegre, e as conseqüências dessa circunstância.
Em vistoria realizada no Presídio Central em 15.03.06, na instrução do inquérito civil (fl. 259 do anexo 1º), vem informado que o projeto inicial previa espaço de 2,43m²/preso. Constatou-se na ocasião uma média geral de 1,71m²/preso, com celas chegando ao absurdo de 0,45m²/preso, quando a LEP prevê espaço mínimo de 6m².
A situação das casas prisionais do Estado e em especial as vinculadas a Vara de Execuções de Porto Alegre, que abrange o Presídio Central, considerado o pior presídio do pais pela recente CPI realizada, tem sido objeto de noticiários periódicos.
Os documentos juntados no inquérito civil dão conta da situação de miserabilidade com que são tratados os presos.
As testemunhas Luciano Losekann, Juiz da Vara das Execuções Criminais de Porto Alegre e Gilmar Bortolotto, Promotor de Justiça que atuam na referida Vara, relatam as condições precárias de todo sistema prisional e as suas consequências, com perda dos referenciais e da autoridade estatal.
Refere Gilmar Bortolotto (fl. 338):
“A situação do Central é só olhar, é insustentável. Tem preso cumprindo pena no corredor do presídio, corredor da administração. Não estou falando mais em corredor de galeria, estou falando de corredor de onde eu transito, onde o juiz transita. Os presos estão ali de costas de cara para parede em pé e ali eles permanecem o dia inteiro porque não há mais espaço.”
Referiu a testemunha, que o número de pessoas no presídio central é maior do que duzentos e dezenove cidades do Estado. Diz ele (fl. 338):
“É uma cidade que cada vez aumenta mais e cada vez tem menos espaço. O sistema de esgoto acabou, a luz, enfim, tem fotos, funciona ventilador na caixa de luz. É isso e não há o que fazer. Tem que esperar, vamos dizer assim, ou que se gere as vagas, ou que venha abaixo, um dia virá. Um dia aquilo ali por qualquer razão, que pode ser um rolo de papel higiênico vai virar um tumulto total.”
Estamos falando de uma parcela significativa de cidadãos, dos quais, refira-se, o Estado, ao cercear sua liberdade, toma para si a obrigação de atendê-los.
E o que estamos fazendo? Depositando em um lugar sem a menor estrutura, confinando, humilhando. O confinamento puro e simples de pessoas como o que se está fazendo é cruel e desumano e somente tem levado ao descrédito do poder estatal. A criação de facções e de poderes paralelos ao do Estado, dentro da prisão, demonstra a total falta de controle estatal sobre a população carcerária.
De acordo com os dados apresentados pelo Ministério Público na presente ação, o número de mortes entre os presidiários, por doença ou violência, dentro das prisões, é por demais significativo.
Nem se pode argumentar que o problema carcerário é apenas dos apenados que lá se encontram. Como ficou bem demonstrado na inicial da presente ação, o não atendimento da situação carcerária gera reação em cadeia que atinge a toda a sociedade.
Apenados que passam a comandar facções dentro dos presídios e também fora deles, o grande número de fugas das casas superlotadas, são fatores de incremento da criminalidade.
Referiu o Juiz da Vara das Execuções de Porto Alegre, Luciano Losekann (fl. 333):
“... É uma situação até muito estranha porque, na verdade, muitos presos nos relatam que eles são estimulados a fugirem do sistema semi-aberto ou aberto para abrirem vagas para os presos fechados que estão sendo removidos para o semi-aberto. Várias vezes eles relatam isso: “Eu fui estimulado pelo pessoal da casa. O pessoal da casa disse para fugir e é um sistema muito curioso de abrir vaga no semi-aberto, não abre vaga nenhuma.
...
Na verdade, se expede mandado de prisão, o sujeito vai voltar algum dia e o semi-aberto e aberto continuam superlotados e sem tratamento penal, o que é uma situação pior. Tanto o fechado como o semi-aberto hoje o Estado não tem nenhum tratamento penal para os presos. Eles não são tratados lá dentro. Na verdade, eles viraram simples depósitos de seres humanos.”
A precária situação das casas prisionais serve ainda como local para disseminação de doenças infecto-contagiosas que se alastra entre os presos e na comunidade. De dentro das prisões são transmitidas aos visitantes e desses para a comunidade como um todo. Conforme referência feita nos memoriais (fl. 415), somente no presídio central a média de visitas indicadas ainda no ano de 2007 era de 18.959 visitantes.
Por certo que várias iniciativas poderiam ser tomadas, como a revisão de todo o sistema prisional e não apenas o sistema carcerário.
Contudo, toda e qualquer reforma que se possa pensar, passa, no momento atual, pela necessidade de geração de maior número de vagas carcerárias.
A simples construção de vagas não é a resposta a todos os problemas. São necessários presídios com estruturas maiores e finalidades melhores. Mas, de momento, URGE a criação das vagas pretendidas.
Dos princípios constitucionais a serem garantidos e o regramento infra constitucional.
De todos os princípios constitucionais a serem observados, o primeiro a se salientar é o princípio maior da DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA, princípio fundamental do nosso Estado Democrático de Direito, conforme estabelecido no art. 1º, III da Constituição Federal, que coloca o cidadão no topo de todo ordenamento jurídico, fazendo com que todo a atividade do Estado seja voltado para seu atendimento.
A dignidade da pessoa humana é intrínseca ao ser humano e o faz merecedor do respeito por parte de seus semelhantes e do Estado, e que o torna credor dos direitos fundamentais de existência. Porque o ser humano é um ser digno que tem direito de ter atendida tanto as suas necessidades extrapatrimoniais como as materiais, aqui compreendido o direito à saúde, educação, alimentação, entre outros.
Refere Ingo Wolfgang Sarlet6 :
“O que se percebe em última análise, é que onde não houver respeito pela vida e pela integridade física e moral do ser humano, onde as condições mínimas para uma existência digna não forem asseguradas, onde não houver limitação do poder, entim, onde a liberdade e a autonomia, a igualdade (em direitos e dignidade) e os direitos fundamentais não forem reconhecidos e minimamente assegurados, não haverá espaço para a dignidade da pessoa humana e esta (a pessoa), por sua vez, poderá não passar de mero objeto de arbítrio e injustiças.”
É certo que o cidadão faltoso será segregado da sociedade. Daí porque todo o direito penal, do sistema de penas, prevê a reclusão. Contudo, ainda aqui, ou melhor, mais ainda aqui, há previsão de que esse cidadão será tratado com o respeito que todo o ser humano é destinatário.
Para dar atendimento a esse princípio, várias formas podem ser pensadas. Mas, com certeza, a realidade retratada nas fotografias que preenchem dois dos volumes apensos (V e VI), mostram com clareza o que é a não dignidade.
O sistema carcerário atual é degradante e não atende à finalidade da pena. A tão propalada ressocialização do preso ficou relegada. Nos últimos 10 anos estamos sendo campeões no menosprezo.
Enjaular um ser humano e não lhe dar condições mínimas de uma vida razoável, não é reconhecer a sua dignidade, tão pouco atende a finalidade da pena.
Saliento novamente que além do direito fundamental maior de dignidade da pessoa humana, há também o direito específico previsto no art. 5º da Constituição Federal, que em seu inciso XLIX, prevê como direito e garantias fundamentais, especificamente aos presos, “o respeito à integridade física e moral”.
Nesse passo bem refere o Ministério Público em seus memoriais (fl. 444):
“Aplicando-se o mesmo raciocínio de Anízio Gavião relativamente ao ambiente como direito a algo, pode-se afirmar que o princípio da dignidade da pessoa humana do preso, implica na observância de seus direitos fundamentais como à vida, à segurança, à limitação da liberdade conforme a lei, à vedação a tratamento desumano e cruel, à individualização da pena, vedação à pena cruel, à separação em estabelecimentos distintos conforme a lei, ao respeito a integridade física e moral, bem como aos demais direitos inseridos nas normas constitucionais e infraconstitucionais.
Esse feixe de direitos constituem posições jurídicas dos presos, impondo o seu respeito e o dever de não serem reduzidas pelo Estado.
... Assim, o Estado tem a obrigação de assegurar o princípio da dignidade da pessoa humana do preso, garantindo o devido cumprimento dos seus direitos fundamentais, inclusive, por meio de prestações fácticas. Portanto a superlotação que constitui situação violadora dos direitos fundamentais dos presos deve ser suprimida, estando o Estado obrigado às prestações facticas da geração e implementação das vagas necessárias nos regime prisionais.”
As normas infraconstitucionais que tratam da matéria, no caso a Lei de Execuções Penais, Lei nº 7.210/84, encontra-se em consonância com os citados princípios fundamentais. Prevê, já em seu artigo 1º, que a execução da pena deve propiciar condições para integração social do condenado e internado; impõe ao Estado o dever de assistência ao preso, material e à saúde, dentre outras, conforme expresso no art. 11º. Especificamente, no que tange às estruturas físicas carcerárias, a lei indica lotação compatível, com previsão de espaço adequado (art. 85 e 88) .
Nem se pode mais cogitar da hipótese de que a partir do momento que o faltoso é recolhido ao presídio, tenhamos conseguido afastar esse problema do nosso cotidiano. O que vemos é que o problema não esta mais tão afastado como gostaríamos.
A nossa incapacidade de atender às necessidades básicas dos apenados e de dar a eles a chance de uma ressocialização, fez com que o sistema se invertesse. Hoje lá se tornou uma grande escola do que não deve ser feito. Esse mesmo apenado retornará à sociedade com potencial de agressividade muito maior. É fato de incremento da criminalidade.
Desta forma, também não vem atendido o direito individual e social da segurança, que consta dos arts. 5º e 6º da Constituição Federal. Direito fundamental que deve ser garantido pelo Estado a todos os cidadãos, por meio da prestação de seus serviços.
Do objeto da presente ação – limitação a vagas vinculadas à vara de execuções de POA.
A presente ação pretende a abertura de vagas para o regime aberto, semi-aberto e fechado vinculadas à Vara de Execuções de Porto Alegre.
A superlotação carcerária não é privilégio das casas carcerárias a ela vinculadas, mas sem dúvida representam um dos maiores problemas em todo o Estado.
Com efeito: da população carcerária do Estado de 27.505 presos (fl. 472), 10.111 encontram-se em casas prisionais vinculadas à Vara das Execuções Penais de Porto Alegre (fl. 475).
Quando do ingresso da ação veio indicado, para o regime fechado, a carência de 3.387 vagas, enquanto que os últimos dados juntados aos autos, já indicam carência de 4.604 vagas (fl. 475).
O presídio central de Porto Alegre, com capacidade de engenharia para 1.565 presos, quando do ingresso da ação, abrigava 3.977, e, segundo o último mapa carcerário que veio aos autos (fls. 463), encontra-se com o número absurdo de 4.896 presos.
Previsto para abrigar presos provisórios, o presídio central mantém também presos condenados em definitivo. Pior, neles convivem apenados com direito ao regime semi-aberto.
A ausência de vagas nos regimes aberto e semi-aberto faz com que se leve meses para dar efetividade a progressão do regime, já deferida pelo Juízo. O Juiz das Execuções Criminais, Luciano Losekan, informa que a Susepe tem demorado por vezes de três a quatro meses para removê-los, fato que levou ao denunciado incentivo do preso do semi-aberto para a fuga (fl. 332v).
Também veio informado de que o presídio central mantém apenados de todo o Estado, em especial da região metropolitana, ainda que atualmente não estejam mais sendo aceitos.
Ainda que a criação de vagas em outras regiões possa amenizar os problemas da Execução Penal em Porto Alegre, considerando que aqui se concentra o maior número de presos, somente a criação de vagas especificamente vinculadas à região terá condições de resolver o problema.
Da oportunidade e conveniência – da alocação de recursos.
Quando da abertura do inquérito civil (junho/05) já havia superlotação e a necessidade de criação de novas vagas. Quando do ingresso da presente ação (novembro/07) o número de vagas necessárias era gritante.
A cada ano a necessidade aumenta. E o saldo negativo cresce. Ao lado da falta de vagas esta a depredação das casas prisionais, que faz com que os apenados lá colocados convivam em ambiente insalubre, com disseminação de doenças.
Mais conveniente e oportuno do que a criação de vagas prisionais, no atual contexto social, não há.
Não há mais o que esperar. Ao contrário, a geração de novas vagas é premente, no que, aliás, não há própria contestação do Estado. O Estado reconhece. Mas não faz.
Quando da realização da audiência de instrução, ainda em vigor a tutela antecipada deferida por este Juízo, já com cerca de metade do prazo fluindo, as testemunhas arroladas relatam várias iniciativas que demonstram a criatividade do administrador na solução do problema.
É assim que veio informada a criação de uma comissão para tratar do assunto, para agilizar e enfrentar os problemas e dar-lhes solução.
Veio noticiada a utilização do “Centro Vida”, prédio já pertencente ao Estado que se encontrava desativado, embora seguida de notícia jornalistica de que houvera desistência de sua utilização.
O Secretário de Segurança Pública, Edson de Oliveira Goulart, ao ser ouvido em juízo, informa (fl. 325):
“Especificamente para Porto Alegre tem algum projeto para esse ano? T: Para Porto Alegre, no semi-aberto, nós temos um albergue com 78 vagas, mais o outro com 70, tínhamos o Centro Vida com 266 vagas, são esses três especificamente para a região de Porto Alegre.
J: Por que tínhamos o Centro Vida? T: Está em cogitação uma mudança dessa destinação, que ainda não foi oficializada, que, portanto, eu tenho que dizer que estava previsto, mas eu já senti que pode haver uma mudança nesse sentido, não foi oficializado. “
A testemunha Paulo Renato de Menezes Ribeiro refere (fls. 350):
“Quando agora dia 24, eu abro a Zero Hora e vejo uma notícia: “governo recua na construção de albergue”. Eu não sei de outra forma, a não ser pela imprensa, que o Centro Vida não consta mais. Até trouxe cópia do jornal. Inclusive essa matéria esta errada. A matéria diz que “presta atendimento a criança, adolescente, jovens e adultos. Esse verbo é prestava”, porque lá esta vazio, esta abandonado. O dia que eu fui lá, fui eu e duas colegas e, como sou agente penitenciário e conheço a clientela, eu disse:”Vocês esperam um pouco ai”. Ai entrei eu sozinho para dar uma olhada no prédio. Dito e feito, lá no canto tinha um vagabundo deitado. Ai mandei o cara embora e nós entramos no prédio, olhamos o prédio. Todo abandonado. Não tem nada lá dentro. Fica na Baltazar de Oliveira Garcia, onde funcionava o Centro de atendimento à família, jovens e adolescentes e idosos residentes na Zona Norte de Porto Alegre.
J: E ele tem condições de ser adaptado para um albergue? T: Sim, tem projeto pronto”
Prossegue a testemunha :
“ T: É a senhora sabe que, em virtude dessa notícia aqui bombástica, eu fui atrás do que a gente poderia fazer, enfim, para poder contornar essa situação. Do lado do Presídio Central, nós temos o almoxarifado do Presídio Central. Em 2005 ou 2006 – não lembro bem o ano – mas eu fiz o projeto ali. Na época, eu trabalhava como técnico em engenharia prisional e me foi incumbida essa tarefa de fazer uma adaptação do almoxarifado do Presídio Central em albergue. Eu conseguiria colocar ali 160 presos. Esse projeto foi e não tinha recursos, não logrou êxito por falta de recursos do Estado. Depois – eu não lembro se anterior ou posterior -, se cogitou de... Acho que foi posterior, porque, em outra ocasião que estivemos lá, ele estava todo depredado e aquele valor que tínhamos orçado já não era mais suficiente. Já não tinha mais telhado, já tinha sumido um monte de coisas. E se cogitou de implantar lá um albergue 90, que é um projeto padrão que se tem, que também acabou não logrando exito. Os dois processos foram arquivados por orientação, enfim. E agora estive conversando com o doutor Paulo a respeito dessa audiência e ele me questionou onde nós poderíamos colocar e eu lembrei:”Do lado do Presídio Central tem esse. Quem sabe não se coloca ali um albergue?” Esse 90, de repente se adapta para 120 e se consegue um pouco mais de vagas. ...
A despeito de tal circunstância, uma vez informado de que foi tornada sem efeito a liminar, não veio aos autos nenhuma comprovação sobre concretização ou novas iniciativas, salvo relação apresentada com os memoriais na fl. 391, sequer datada.
O próprio Estado não nega a necessidade de criação de vagas. Bastaria sua atitude, sendo desnecessária a intervenção judicial, por ele tão combatida. Contudo, no momento em que se mantém a inércia; em que as decisões de cunho político se sobrepõem as de necessidade administrativa; que não há um comprometimento com a solução do problema; o que se mostra é que a intervenção judicial é mais do que necessária.
Saliente-se que com relação ao regime fechado a situação de vagas vinculadas à execução de Porto Alegre é por demais preocupante. As tão propaladas 492 vagas do Presídio Central, em um primeiro momento apenas estariam permitindo realojar um número muito maior de presos de outras galerias, para reforma necessária no prédio, de forma que não tem como serem computadas, a curto prazo, como vagas novas.
De toda sorte, ficou comprovado, diante da existência de projetos padrões, de várias possibilidades que se apresentam, de que é viável em espaços de tempo razoáveis, a efetivação da prestação necessária, ora reconhecida.
A falta de recursos é outro argumento bastante repetido.
Surge aqui a tese da “reserva do possível”, já rebatida no despacho anterior. Também aqui se deve ter o cuidado para que argumentos retóricos não sirvam para afastar a concretização do direito reconhecido.
É certo que a determinação judicial impondo determinada atitude comissiva importará novos custos, gerenciamento de recursos e eventualmente, alteração das prioridades governamentais. Contudo, por já haver verbas destinadas e diante da possibilidade de implementação gradual da determinação, tal argumento não pode obstaculizar a efetivação do direito.
O orçamento de 2008 já previa verbas para a construção de vagas no sistema carcerário e, para o orçamento de 2009, a despeito de não ter sido estabelecida verba específica vinculadas a Vara de Execuções de Porto Alegre, consta do orçamento valor considerável para a “ampliação de vagas prisionais”.
Há referências quanto a possibilidade de construção de presídios com verbas federais, dependente de encaminhamentos ainda não efetivados. A verba federal seria para diversos presídios. Um deles em Guaíba, que atenderia a situação de Porto Alegre. Impasses na escolha da área e outros mais, a obra não teve andamento.
Refere o Secretário de Segurança Pública, Edson de Oliveira Goulart (fl. 325v):
“J: A questão de verba, no orçamento do ano passado eu verifiquei aqui, já havia uma verba considerável para a construção, ou criação de vagas em presídios do Estado? T: Exatamente.
J: Esse ano? T: Nós temos esse ano, de verbas para o Estado, cerca de oito milhões de reais, que vai permitir que nós apliquemos na construção de albergues e reformas, ampliações de algumas casas prisionais.
Informa ainda a testemunha (fls. 336):
“...T: Bom, com o Governo Federal, eu estive lá no DEPEN na semana passada, dia 17 de outubro, só para ver como é que estavam os projetos que já tinham sido acordados por intermédio de uma reunião técnica, em março desse ano, pelo qual o Governo Federal se comprometeu a nos fornecer recursos da ordem de 80 milhões de reais para construção de sete novos presídios: ...”
O Promotor de Justiça Gilmar Bortolotto referindo-se a constante alegação de falta de verbas e do mau gerenciamento, exemplifica (fl. 341) :
“..., problemas pequenos, precisava uma vez comprar uma ampola de um RX que por óbvio entra preso baleado, quebrado, mas ai se gastava muito mais levando todos os presos escoltados para serem atendidos fora, então esse é um indicativo que parece quem um projeto para não dar certo, essa é a idéia que passa assim. Não há o dinheiro, então a gente gasta mais para fazer uma coisa que vai gerar um problema maior, todos os presos vai lá no HPS, enfim, isso demanda um monte de gente para levar, risco de resgate, já teve morte de funcionário em resgate, mas: “Bom, colocar um médico lá e muito caro”, mas leva todos os presos para a rua. “
Com efeito, também as verbas devem ser bem direcionadas, concretizando o direito à boa administração pública, sob pena de se estar gastando mais para atender emergencialmente aos problemas do que para solucioná-los.
A instrução do feito comprova que além da necessidade, da conveniência e da oportunidade da abertura de vagas carcerárias vinculadas à Vara de Execuções de Porto Alegre, há também a possibilidade de, a curto e médio prazo, e de forma escalonada, conforme pedido na inicial, serem realizadas essas obras, tanto em termos financeiros, como estruturais.
Diante do exposto, é de ser julgada procedente a presente ação para condenar o Estado a gerar e implementar a criação de novas vagas prisionais, vinculadas à Vara de Execuções Criminais de Porto Alegre, nos regimes fechado, semi-aberto e aberto, consistente nas 3.387 vagas para o regime fechado e 505 para o regime aberto e semi-aberto, número de vagas informadas quando do ajuizamento da ação, em novembro de 2007, segundo o mapa da população carcerária semanal, e mais todas as vagas que sejam reconhecidas como necessárias, a contar do ajuizamento até a efetiva execução da decisão, observando mapas carcerários atuais.
Saliento que a intervenção judicial se limita a indicar o ato a ser gerado, com o que, não há que se falar em indevida ingerência na Administração Pública, cabendo a esta as demais decisões para implementar o que veio determinado. Contudo, para a eficácia da decisão, necessário a fixação de prazos razoáveis sem o que, não haverá como se verificar o efetivo cumprimento da decisão.
Igualmente, tratando-se de obrigação de fazer, a fixação de multa pelo não cumprimento, em especial vinculada a posterior atendimento da própria demanda, é medida que apenas visa a conferir a já referida efetividade da decisão, não implicando em indevida oneração dos cofres públicos.
As multas fixadas, para caso de inadimplemento da obrigação, serão recolhidas para o Fundo Penitenciário do Rio Grande do Sul, vinculadas expressamente à geração de vagas no sistema carcerário estadual.
Por fim, deve haver a contrapartida no orçamento, com previsão de verbas para tais fins, nos anos que se seguirem.
ISSO POSTO,
julgo procedente a presente ação, e condeno o Estado do Rio Grande do Sul ao cumprimento da obrigação de fazer :
1.- consistente na geração e implementação do número de vagas necessárias, reconhecidas pela SUSEPE, conforme mapa de população carcerária semanal, até a final execução do julgado (equivalentes a 3.387 quando do ajuizamento da ação), para recolhimento dos presos no regime fechado, sob a jurisdição da Vara de Execuções Criminais de Porto Alegre, de forma escalonada de acordo com o pedido –
a) até 550 dias para geração e implementação de 25% da carência de vagas;
b) até 915 dias para geração e implementação de 50% da carência de vagas;
c) até 1280 dias para geração e implementação de 75% da carência de vagas;
d) até 1645 dias para a geração e implementação de 100% da carência de vagas.
Em caso de não cumprimento nos prazos acima estabelecidos, passa a incidir multa diária no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais), valor a ser recolhido ao Fundo Penitenciário do Rio Grande do Sul, vinculado à finalidade específica da geração de vagas para recebimento de apenados.
2.- consistente na geração e implementação do número de vagas necessárias, reconhecidas pela SUSEPE, conforme mapa de população carcerária semanal, até a final execução do julgado ( equivalente a 505 quando do ajuizamento da ação), para recolhimento dos presos no regime semi-aberto e aberto, sob a jurisdição da Vara de Execuções Criminais de Porto Alegre, de forma escalonada de acordo com o pedido –
a) até 270 dias para geração e implementação de 40% da carência de vagas;
b) até 540 dias para geração e implementação de 75% da carência de vagas;
c) até 810 dias para geração e implementação de 100% da carência de vagas;
Em caso de não cumprimento nos prazos acima estabelecidos, passa a incidir multa diária no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais), a ser recolhido ao Fundo Penitenciário do Rio Grande do Sul, vinculado à finalidade específica da geração de vagas.
Por fim, condeno o Estado a inserir verba adequada ao atendimento da presente determinação, no orçamento público dos anos que se seguirem, pertinentes aos prazos fixados, sob pena de multa-diária no valor de R$ 3.000,00, em caso de não observância da determinação, a contar de cada apresentação orçamentária na Assembléia Legislativa, nomeando os autores da presente ação, como fiscais quando da apresentação das propostas orçamentárias anuais.
Sucumbente, condeno o Estado réu ao pagamento da custas processuais. Sem honorários na espécie.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
Porto Alegre, 06 de fevereiro de 2009.
Rosana Broglio Garbin,
Juíza de Direito
1 MATTOS, Mauro Roberto Gomes. A constitucionalização do Direito Administrativo e o controle do mérito do ato administrativo discricionário pelo Poder Judiciário.
2MAFFINI, Rafael. Direito Administrativo. Vol. 11. São Paulo: RT, 2006. p. 54.
3 STJ, SEGUNDA TURMA, REsp 429570 / GO ; Rel. Min. ELIANA CALMON, DJ 22.03.2004 p. 277 RSTJ vol. 187 p. 219
4 ARENHART, Sergio Cruz. As ações coletivas e o controle das políticas públicas pelo poder judiciário.
5 fl. 447, citando : FREITAS, Juarez. Discricionariedade Administrativa e o Direito Fundamental à Boa Administração Pública. São Paulo: Malheiros Editores, 2007, p.24-25.
6 ISARLET, ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição Federal de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001. p. 59.
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