quinta-feira, 6 de novembro de 2014

ADVOGADOS E JURISTAS DIVERGEM SOBRE ATUALIZAÇÃO DA LEP

JORNAL DO COMÉRCIO 04/11/2014

Advogados e juristas divergem sobre atualização da Lei de Execução Penal Proposta de reformulação está emperrada no Legislativo

Wagner Miranda de Figueiredo



MARCELO G. RIBEIRO/JC
ADOV
Alexandre Wunderlich teme que as alterações agravem o sistema punitivo

Após 30 anos da Lei de Execução Penal (LEP) ser sancionada, uma comissão formada por juristas apresentou ao Senado Federal um projeto de atualização da norma. A entrega final da proposta ocorreu no fim do ano passado. Até hoje, o projeto tramita no Legislativo. Mas a atualização da Lei 7.210, de 1984, é necessária? Isso é o que o Jornal da Lei apurou com advogados e juízes. Houve uma contraposição de ideias. Enquanto advogados afirmam que o Executivo não cumpre a norma, juízes querem a adequação da lei à realidade atual.

Para o ex-ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Sidnei Beneti, que defende a atualização da lei, há necessidade de rever o sistema penitenciário brasileiro. Para ele, os presos precisam ter conhecimento das progressões das penas. “Isso evitará a judicialização de numerosos incidentes e acabará com as pragas da pena vencida e do retardamento da efetivação de direitos do condenado. Fatores que causam intranquilidade e acúmulo de processos”, relata o ex-magistrado, que presidiu a comissão responsável pela atualização da lei. Além disso, ele afirma que as penas aplicadas ao Estado por falta de manutenção de presídios deveriam ser mais concretizadas.

Por outro lado, há quem pense que a LEP não deve ser considerada um problema imediato. Apesar de reconhecer falhas na norma, o doutor em Ciências Criminais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (Pucrs) Salah H. Khaled Jr. acredita que o foco precisa ser mudado e que possíveis alterações legislativas não trariam melhorias para a realidade das práticas punitivas no Brasil. “Sou contra o fetiche normativo. Penso que a realidade está gritando e é com ela que temos que nos preocupar”, argumenta, posicionando-se contrário ao objetivo inicial dos juristas.

Alexandre Wunderlich, professor de Direito Penal da Pucrs, teme que a alteração da LEP endureça o sistema punitivo. “O que me preocupa é o impacto carcerário que essa reformulação poderá produzir. Por exemplo, se deixarmos mais gente presa e dificultarmos as progressões de regime num sistema que está caótico, ele certamente irá colapsar”, reflete o advogado.

Questionado sobre as possíveis mudanças do sistema punitivo, Wunderlich acredita que qualquer modificação a ser posta em prática necessita previamente de um estudo, para que o futuro impacto no sistema carcerário seja avaliado. “Quando temos uma ‘bancada da bala’, que pede o endurecimento do sistema, isso acaba criando projetos legislativos de endurecimento do sistema. Só que esse endurecimento precisa ser previsto para a próxima década. Quantas vagas do sistema penal serão necessárias? Quantos juízes de Execução Penal? Porque se tu crias leis duras hoje, daqui a dez ou 20 anos o impacto carcerário irá aparecer no sistema”, detalha Wunderlich.

Outro ponto questionado pelos advogados é a falta de cumprimento da norma por parte do Executivo. “Realmente, vários de seus dispositivos não vêm sendo concretamente aplicados. No tocante à pena privativa de liberdade, é evidente a falta de vagas em presídios e a instrumentalização de estabelecimentos para cumprimento da progressão de regime prisional, especialmente o semiaberto. Mas não é só isso. É preciso também funcionalizar melhor os instrumentos de aplicação concreta da lei. É preciso evitar a judicialização de todo e qualquer incidente no cumprimento da pena”, destaca Beneti.

Já para o professor Khaled, o sistema penitenciário brasileiro é ilegítimo por não seguir nenhuma recomendação. “Nosso sistema penitenciário é absolutamente ilegal e, nesse sentido, toda pena privativa de liberdade é ilegal, uma vez que não se conforma minimamente ao que está previsto tanto na LEP quanto no que diz respeitos aos direitos fundamentais dos apenados”, alerta o docente e autor do livro “A busca da verdade no Processo Penal”.

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