quarta-feira, 4 de março de 2015

PRESOS NO PAPEL, SOLTOS NAS RUAS




ZERO HORA 04 de março de 2015 | N° 18091


POPULAÇÃO CARCERÁRIA



SEM ESPAÇO EM ALBERGUES, mais de 300 apenados do regime semiaberto vivem em um vácuo do sistema. Liberados da cadeia, precisaram voltar à Susepe toda semana para pedir uma vaga. Com um déficit estimado em 2,4 mil vagas para apenados dos regimes aberto e semiaberto, o Estado vive uma situação inusitada. A cada semana, 315 presos se apresentam à Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe) pedindo para serem presos, sob pena de se tornarem foragidos. Essa é a única forma de controle imposta pela Justiça no momento em que concede a progressão de regime, que deveria ser para o semiaberto, para parte dos detentos que saem do regime fechado.

São presos considerados em regime “especial”. Para não descumprir a lei penal de progressões, eles recebem permissão de saída do regime fechado pelo prazo de cinco dias, quando devem se apresentar à Susepe em busca da vaga em algum albergue. Como não há lugar, precisam voltar semanalmente. Nas fichas, constam como detentos do regime semiaberto, uma pena cumprida apenas virtualmente. Boa parte deles também não se enquadra no perfil para serem monitorados por tornozeleiras eletrônicas.

– Na prática, são apenados vivendo livres nas ruas para cometer outros crimes – ressaltou, em entrevista à Rádio Gaúcha, o juiz da Vara de Execuções Criminais (VEC) da Capital, Sidinei Brzuska.

Foi dessa forma que Alexandre da Rosa, 40 anos, atacou um comissário da Polícia Civil no final de janeiro, para roubar o seu carro na Capital. No roubo, o agente foi baleado. Cinco dias depois, a Delegacia de Roubos de Veículos do Departamento Estadual de Investigaçõs Criminais (Deic) chegou ao suspeito e se surpreendeu. Fazia quatro meses que Alexandre deveria estar cumprindo pena em regime semiaberto. Ele fazia parte do grupo “especial”.

– Quando vi a ficha dele, cheguei a ligar para a Susepe para checar essa situação. Me surpreendi com o tempo em que ele já estava nessa condição, mas infelizmente deparamos cada vez com mais frequência com esse tipo de caso – aponta o titular da Delegacia de Roubos de Veículos do Deic, delegado Juliano Ferreira.

De volta à prisão, Alexandre engrossou a estatística atual de 70% de reincidentes no Estado.




Sem dinheiro para novas unidades


O diretor regional da Polícia Civil, delegado Cleber Ferreira, assegura que mais de 50% dos investigados em Porto Alegre já deveriam estar presos, ou mesmo, são detentos de albergues e saem para cometer crimes.

– Não vejo outra solução que não seja trancafiar esses criminosos com mais rigor – diz Ferreira.

Mas não há perspectiva de mudar o atual quadro. De acordo com a direção da Susepe, o Estado não tem recursos para criar novas casas prisionais para os regimes aberto e semiaberto. Se isso ocorrer, será com verba federal. Para a Região Metropolitana, também não há previsão de novos investimentos no curto prazo. Somente nos últimos cinco anos, em torno de mil vagas foram fechadas em institutos penais da região.

Atualmente, entre os seis albergues na área de atuação da VEC de Porto Alegre, 600 presos cumprem pena. Deveriam ser, de acordo com o juiz Sidinei Brzuska, cerca de 3 mil.



Menos presos com tornozeleiras


Desde o governo passado, a alternativa encontrada para driblar a falta de vagas nos regimes aberto e semiaberto tem sido as tornozeleiras eletrônicas, mas a opinião dominante na Justiça é de que o uso não pode ser indiscriminado.

Segundo a Susepe, 750 presos da região são controlados por esse monitoramento atualmente – 150 a menos do que no começo de dezembro. Nesse período, não foram criadas novas vagas em albergues, e não há previsão de que o sejam.

Um dos efeitos é o aumento dos presos em regime domiciliar – cerca de 1,3 mil na Região Metropolitana, 200 a mais do que em dezembro. Mesmo com controle frágil, na prisão domiciliar o Estado tem mecanismos para garantir cumprimento da pena. Há quatro anos, o Judiciário passou a decidir dessa forma pela ausência de vagas apenas aos beneficiados com regime aberto. Porém, a medida não pode ser aplicada a todo preso que sai do regime fechado.




 

Liberado deixou rastro de morte


A polêmica dos presos “especiais” mobilizou, no começo do ano passado, uma caçada liderada pelo Departamento de Homicídios de Porto Alegre. Beneficiado com a saída de cinco dias em fevereiro, Alequis Sandro Soares Mello, o Piolho, foi apontado como suspeito de envolvimento nos confrontos entre as gangues das vilas 27 e Pantanal, no bairro Santa Tereza, na Zona Sul.

De acordo com os investigadores da 4ª Delegacia de Homicídios e Proteção à Pessoa, em menos de uma semana, ele cometeu um homicídio e teria tentado mais dois. Duas semanas depois, passou a ser monitorado por tornozeleira eletrônica, mas, quando teve nova prisão decretada, arrebentou o equipamento.

Piolho acabou sendo preso após roubar um mercado em Tramandaí, quase um mês depois de ter saído da Penitenciária Estadual de Charqueadas, onde permanece até hoje.









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