ZERO HORA 12 de março de 2015 | N° 18099
CRISTIANE BAZILIO
POLÍCIA - SISTEMA CARCERÁRIO. JUSTIÇA PROIBIU ENTRADA de presos até que falta de vagas para detentos condenados em outras cadeias fosse resolvida. Liberação ocorreu à tarde
A manutenção de suspeitos em celas de delegacias da Região Metropolitana, entre a 1h da madrugada e a tarde de ontem, por conta da interdição do Presídio Central, escancarou mais um episódio da falência do sistema carcerário do Estado. Na manhã de ontem, conforme o Departamento de Polícia Metropolitana (DPM), 17 presos estavam em delegacias de pronto atendimento de Porto Alegre, Canoas e Gravataí. À tarde, o número chegou a 26. Eles tiveram que ficar nas DPs porque uma ordem da Justiça impedia a entrada de novos detentos no Central até que os condenados que superlotam o presídio fossem transferidos para outras unidades.
– No ano passado, o Central fechou as portas três, quatro vezes, mas, logo que era fechado, a Susepe tirava condenados de lá. Agora, está demorando mais do que o habitual. Se a Susepe retirar os condenados, os portões reabrem – explicou o juiz da Vara de Execuções Criminais Sidnei Brzuska.
Segundo o magistrado, no domingo, foi dado prazo de 48 horas para transferência de condenados para outros locais. Como isso não ocorreu, por volta de 1h de ontem, o presídio na Capital passou a não receber qualquer tipo de preso.
Por causa da decisão, os detidos acabaram passando a noite e parte do dia nas celas das DPs. O diretor do DPM, delegado Marcelo Moreira, destaca que não são locais preparados para abrigar os presos por mais do que poucas horas:
– Não existe estrutura para acomodação. Não temos previsão de banho, nem colchão ou alimentação. O xadrez é uma cela de contenção, não de pernoite.
Em reunião que durou toda a tarde de ontem, na Casa Civil, a superintendente da Susepe, Marli Ane Stock, e o secretário de Segurança do Estado, Wantuir Jacini, discutiram o problema. Até as 19h, não havia um pronunciamento oficial. No entanto, informações preliminares davam conta de que o governo deverá enviar condenados do Central para a nova penitenciária de Venâncio Aires, com capacidade para 500 presos.
Enquanto isso, na tarde de ontem, a Susepe começou a autorizar o envio de detentos ao Central. À noite, conforme Moreira, os 26 presos já haviam saído das delegacias. Entre 18 e 20 foram encaminhados ao presídio na Capital, e os demais foram distribuídos nas casas prisionais de Charqueadas.
A Susepe não informou, porém, o critério da liberação ou de onde partiu a autorização para a entrada dos presos no Central.
ENTREVISTA - “Eu não teria demolido o pavilhão C”
MARCELO GAYER BARBOZA
No dia de sua posse oficial como novo diretor do Presídio Central de Porto Alegre, o tenente-coronel Marcelo Gayer Barboza foi recebido com uma crise para administrar.
Em entrevista exclusiva a Zero Hora, o oficial explicou o impasse com as delegacias ontem, e comentou os desafios para administrar a superlotação da cadeia. Ex-comandante do 2º Regimento de Polícia Montada (2º RPMon), o cavalariano rejeita o rótulo de pior presídio do país e fez questão de circular com suas botas de montaria por corredores e salas para mostrar que a estrutura tem muito a oferecer.
O problema, segundo o tenente-coronel, se resume à falta de espaço. Por isso, é enfático ao afirmar que as vagas do antigo pavilhão C fazem falta. Confira trechos da entrevista.
Como funciona a proibição de entrada de novos presos no Presídio Central?
Não entra preso condenado. O preso vem pra cá, fica 24 horas, e a Susepe o realoca para outro presídio. Às vezes, fica quatro, cinco presos, até zerar. Às vezes, um, às vezes, nenhum. Isso depende da possibilidade que a Susepe tem de alocar essas vagas. A superintendência teve uma dificuldade e chegou-se a um teto que trancou (a entrada) até que se diminua a massa carcerária que está impedida de entrar. Houve um pedido da Susepe ao doutor Sidnei Brzuska (juiz da Vara de Execuções Criminais da Capital) para que desse 36 horas para conseguir as vagas. Não se conseguiu. Pediu- se mais 24 horas e também não se conseguiu todas as vagas. Hoje (ontem) tenho 32 presos que teriam de ser retirados.
Embora faltem vagas, no ano passado o pavilhão C do Central foi demolido. O senhor considera que essa medida foi um erro?
Não vou dizer que foi nem um erro nem um acerto. O que posso dizer é que hoje preciso de vagas. Estou com quase mil presos além da capacidade.
Então as vagas do pavilhão C fazem falta?
É claro. E vou dizer mais: eu não demoliria (o pavilhão). Era o mais bem equipado. Todo reformado, novinho em folha.
O senhor acha que o Central precisa ser desativado?
Não. Nós não estamos precisando de vagas? Porque se vai demolir uma construção, erguida em 1959, que tem uma finalidade? Ela tem que ser usada para a finalidade dela. Vai se dar ao luxo de perder 2,5 mil vagas? Não tem por quê.
E como administrar essa realidade de superlotação. A negociação com os presos será mantida?
Claro. Conversa tem de haver.
O senhor pretende combater as cantinas paralelas?
Não tenho conhecimento de cantina paralela. Se (os presos) estão vendendo mais caro (os produtos que são comprados na cantina oficial do presídio), eles têm de ser responsabilizados.
O senhor acredita, como a gestão anterior, que as visitas e os arremessos por cima dos muros são os principais meios para entrada de drogas e celulares? Pretende detalhar os chamados “outros meios”, que respondem pela grande maioria das apreensões na cadeia?
Não acredito. Minha atenção está voltada para os outros meios. Agora, o que são esses outros meios eu ainda não sei, porque cheguei hoje.
A corrupção policial é uma possibilidade, então? O senhor pretende implantar a revista aos policiais militares?
Não é a corrupção policial, todo o ser humano (está sujeito). (A revista) já está sendo feita. Não se entra no presídio sem passar pela detecção de metal. Também está proibida a entrada de celulares, a não ser para membros da administração que tenham autorização coordenada com a Vara de Execuções Criminais.
ENTENDA O PROBLEMA |
O juiz da Vara de Execuções Criminais Sidnei Brzuska explica a cronologia das interdições do Central que culminou com a decisão de ontem |
-O Presídio Central foi interditado pela primeira vez em agosto de 1995. |
-Até 2010, o Estado era intimado a transferir os condenados, mas nunca o fez. O número de presos nesse período subiu de 1,7 mil para 5,3 mil. |
-A capacidade do Central, após a demolição do pavilhão C, em outubro do ano passado, caiu para 1,8 mil. |
-Ontem, a penitenciária abrigava 4.065 apenados. |
- Segundo o juiz, diante do reiterado descumprimento das transferências, houve nova decisão judicial para assegurar o cumprimento da primeira: enquanto os condenados não fossem retirados, não entraria mais ninguém. |
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