domingo, 6 de abril de 2014

DO SEMIABERTO, SEIS DE CADA 10 PRESOS FOGEM




ZERO HORA 06 de abril de 2014 | N° 17755


MAURICIO TONETTO


SEMIABERTO NO DIVÃ. 6 em cada 10 presos fogem



Considerado uma conquista dos direitos humanos, o regime semiaberto – que tira o preso do confinamento permanente da prisão e proporciona a reinserção gradual na sociedade – entrou em colapso. Sem penitenciárias preparadas para oferecer trabalho e sem vigilância adequada, é consenso entre especialistas que o modelo fracassou no Brasil e chegou a hora de rediscuti-lo.

Em vez de ressocializar, o semiaberto virou uma porta giratória para a impunidade, onde os apenados entram e saem quando querem, cometem crimes e ameaçam agentes que ousam desafiá-los.

Nesta reportagem, veja o que pensam as pessoas que podem mudar essa realidade, entenda o que está sendo discutido em Brasília e saiba por que a situação chegou no limite.

Elisandro Taquatia de Matos, 33 anos, e Anderson Rodrigues Barbosa, 31 anos, são criminosos experientes, com condenações que somam 62 anos e seis meses por roubos, extorsões, receptações e porte de arma. Mas não é só na repetição de delitos que eles se especializaram.

Desde que ganharam o direito de cumprir as penas no regime semiaberto, eles fugiram 16 vezes de diversas cadeias do Rio Grande do Sul. Elisandro e Anderson foram recapturados cometendo os mesmos crimes e engrossam uma estatística que demonstra o descaso do Estado com o que deveria ser uma chance real de regeneração e volta ao convívio.

Os números divulgados pela Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe) mostram que, em 2013, o semiaberto teve 3.585 fugas, o que representa 62% da população carcerária desse regime (5.768). Em 2012, foram 3.646 e, em 2011, 4.884. Pela lei, as cadeias deveriam ter cercas ou muros altos, portões de ferro e controle de saída. Na prática, são alojamentos desprotegidos, que não oferecem aos apenados perspectivas de uma nova vida. Para a Justiça, o Estado não está preocupado com as consequências do descontrole. Para a sociedade, a descrença chegou a níveis alarmantes. No Congresso, a reforma da Lei de Execução Penal (LEP) é discutida como solução para o caos, mas especialistas sustentam que é preciso ir mais a fundo no problema. Ainda há tempo, pois o Congresso pretende votar a nova LEP no primeiro semestre. Subprocurador-geral da República e membro do Ministério Público Federal, Carlos Eduardo Vasconcelos afirma:

– O nosso sistema tem um paradoxo: é um dos mais desumanos do mundo e um dos mais generosos no cumprimento das penas. Nossas regras de progressão são liberais.

Para Vasconcelos, os tribunais superiores praticamente extinguiram a diferença entre os crimes comuns e hediondos.

– Nossas marcas são o “coitadismo penal” e o “cafuné processual”. As ameaças contidas nas penas são inócuas na prática. É preciso investir no sistema e acabar com suas contradições – complementa o subprocurador-geral da República.

O regime existe no Brasil desde o Código Penal de 1940, que estipulou a progressão: fechado (o preso não sai e trabalha internamente), semiaberto (trabalho em colônias agrícolas, industriais ou estabelecimentos semelhantes com possibilidade de saída autorizada judicialmente) e aberto (passa o dia fora e dorme em albergues). O problema é que as colônias agrícolas ou industriais não têm estrutura mínima para que a filosofia funcione e, ao contrário das penitenciárias de regime fechado, têm vigilância pífia e poucos agentes. Assim, a progressão é ideal apenas na teoria.

– O semiaberto nasceu em um período de rigor punitivo, em uma época em que se acreditava que a prisão podia melhorar uma pessoa. Falar em diminuir as penas no Brasil, hoje, é algo utópico. Na história do direito penal, isso é tido como humanização. A pena foi concebida com o argumento de ressocializar e teve o efeito contrário – argumenta o juiz Luís Carlos Valois, doutorando em Direito Penal pela Universidade de São Paulo (USP).

Membro do Fórum da Questão Penitenciária, o professor de Direito Penal da PUCRS Rodrigo de Oliveira ressalta que o problema não é o regime, e sim as dificuldades de implementação. Descrente em uma solução a curto prazo, ele fala que apenas com uma grande ampliação de vagas nos presídios fechados é que o Brasil dará um passo concreto para humanizar seu sistema penitenciário:

– Temos um universo projetado para uma norma que o Executivo não materializa. Só vamos ter o regime fechado? Muito bem, qual impacto que isso teria?

Para Oliveira, colapso chegou a um nível nunca antes visto. Ele complementa, em tom pouco otimista:

– Sinceramente, não enxergamos a luz no fim do túnel.



PRISÕES INTERDITADAS


COLÔNIA PENAL AGRÍCOLA DE VENÂNCIO AIRES - Em 2013, a Justiça determinou a interdição do local, que segue fechado e não aceita o ingresso de detentos. Ele já foi esvaziado. Segundo a Justiça, o fechamento ocorreu por deficiências materiais, alto risco e frágil segurança.


CASA DO ALBERGADO PADRE PIO BUCK, EM PORTO ALEGRE - Foi interditado pela Justiça em 2010 e está esvaziado. Entre os principais problemas estavam superlotação, goteiras no teto dos alojamentos, rachaduras nas paredes, banheiros em péssimas condições, fiação elétrica deficitária e buracos no telhado e nas paredes em um dos alojamentos, por onde presos saíam de noite para cometer crimes.


INSTITUTO PENAL DE VIAMÃO - Interditado na primeira semana de 2013. Uma das fugas do local foi de um dos integrantes da quadrilha que aterrorizou Cotiporã no final de 2012. Criado em 2004 com previsão para cem apenados, o IPV foi ampliado e atingiu a marca de maior albergue do Estado. À medida que aumentou o número de presos, multiplicaram-se os problemas. Eram 450 apenados confinados em alojamentos contidos apenas por uma cerca de arame esburacada, vizinha a 1,1 mil hectares de mata do Parque Saint-Hilaire, por onde os presos abriram uma trilha e fazem o entra e sai com drogas, armas e veículos roubados. A média era de duas fugas por dia. Hoje, alguns apenados seguem cumprindo pena no local.


INSTITUTO PENAL DE CHARQUEADAS - Em 2012, foi interditado pela Justiça. Alguns presos ainda cumprem pena no local, que será esvaziado. O MP pediu a interdição porque ocorreram quatro homicídios qualificados, além de conflitos entre facções criminosas, 25 fugas por mês e um efetivo de metade de agentes necessários.

O PIOR DO ESTADO


INSTITUTO PENAL IRMÃO MIGUEL DARIO - Segundo a Justiça, o Miguel Dario, como o estabelecimento de Porto Alegre é conhecido, é o pior semiaberto do Estado. Ainda não houve pedido de interdição, mas há suspeitas de venda de drogas, presos armados e descontrole de fugas.


COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - O semiaberto é mais uma das boas iniciativas exterminadas pela forma assistemática de execução e aplicação da justiça criminal no Brasil, onde tudo é tratado por leis brandas, pelo corporativismo, pela impunidade das negligências, pelo descaso na aplicação das leis e da Constituição do RS, pela supervisão leniente, pela inexistência de monitoramento, pelo abandono dos presos provisórios e apenados, e pela desarmonia entre os poderes que, independentes, se julgam separados do Estado e do compromisso com a segurança da população. Assim, diante do caos, é mais fácil jogar no lixo o sofá da sala, do que resolver o problema exigindo nas penas da leis que os poderes cumpram as leis e seus deveres na execução penal, pois presos da justiça e a população em geral são as vitimas das consequências desta permissividade e ilegalidades.


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