Ao decorrer dos anos, o fracasso do regime semiaberto no Estado. Diferentes tentativas não conseguiram fazer com que o sistema operasse de uma forma a ressocializar os presos
Por: José Luís Costa, Cid Martins, Renato Dornelles e Fábio Almeida
ZERO HORA 26/07/2016 - 08h20min | Atualizada em 26/07/2016 - 09h27min
Instituto Penal Pio Buck, fechado há anos na Capital, é exemplo do descaso e da falta de investimentos no sistema prisionalFoto: Tadeu Vilani / Agencia RBS
Há quase 20 anos, o regime semiaberto impulsiona a criminalidade no país sob a complacência de autoridades, responsáveis pelo descontrole dos presídios com renúncia de investimentos e afrouxamento de regras de contenção de presos atrás das grades. Estudioso e pesquisador do tema, o professor de Direito Penal e Processual Penal Alexandre Magno Fernandes Moreira Aguiar afirma que o Brasil tem uma das leis mais benevolentes em comparação a nações desenvolvidos, com larga tradição democrática e respeito aos direitos humanos.
— O que me surpreende é a velocidade com que um apenado sai da penitenciária no Brasil em comparação com outros países. É praticamente impossível alguém cumprir tal e qual a condenação foi estabelecida na sentença. A pena fixada é uma ficção — assegura Aguiar.
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Os primeiros sinais da decadência do sistema prisional surgiram no Estado no começo de 2000, quando apenados escapavam para cometer crimes nas ruas durante o dia e voltavam à noite para dormir nos albergues como se nada tivesse acontecido.
Naquela época, avaliações da personalidade psíquica — exame que aferia a capacidade de ressocialização dos presos — obedeciam a critérios controversos. O assunto alimentou debate entre especialistas e, em 2003, a Lei Federal 10.792 pôs fim à questão, abrandando exigências permitindo que mais detentos chegassem ao semiaberto.
Foi extinta a obrigatoriedade do laudo psicológico, abrindo caminho para a progressão de regime, liberdade condicional e o indulto. À época, mais de 4 mil vagas faltavam em cadeias do Estado. Beneficiado pela legislação, Dilonei Francisco Melara, preso mais famoso do sistema penitenciário gaúcho, criador de facções e ícone do crime organizado, ficou apenas 54 dias no semiaberto, mas tempo suficiente para convulsionar Charqueadas com uma onda incomum de violência em 2004, a cidade com maior número de cadeias no Estado.
Melara, ícone do crime organizado gaúcho, foi beneficiado pelo regime semiabertoFoto: Ronaldo Bernardi / Agencia RBS
O Ministério Público chegou a propor um projeto para que PMs fiscalizassem presos do semiaberto quando estivessem em licenças fora da cadeia, mas a ideia não encontrou apoio no governo.
Há 10 anos, mais precisamente em 23 de fevereiro de 2006, o STF flexibilizou a legislação penal, permitindo a troca de regime para autores de crimes hediondos — quando entrou em vigor, em 1990, a lei estabelecia que a pena deveria ser cumprida integralmente no fechado.
A mudança na regra beneficiou homicidas, latrocidas, sequestradores, maníacos sexuais, traficantes, torturadores e terroristas que voltaram a "frequentar" albergues e, logicamente, as ruas. Estupros em série no Vale do Sinos e ataques a carros-fortes na Serra se sucediam protagonizados por egressos do semiaberto. Já não havia mais espaços nos albergues, e as facções passaram a "gerenciar" as vagas. Quando precisavam que um comparsa, já com progressão autorizada, chegasse ao semiaberto mais rapidamente, ordenavam a presos sem vínculo com facções que sumissem dos albergues.
Em alguns casos até pagavam pela vaga. O resultado: 7 mil fugas em 2008, recorde histórico até hoje não superado.Os albergues continuaram inchando, e 14 foram interditados pela Justiça por causa da superlotação, falta de segurança e assassinatos entre desafetos de facções rivais. O Ministério Público chegou a pedir intervenção federal nas cadeias. O caos estava instalado no semiaberto, e a promiscuidade também.
Ao lado do Presídio Central de Porto Alegre, o Instituto Penal Padre Pio Buck, com 550 apenados onde cabiam 450, reunia a nata da bandidagem. E parte dela era estimulada a se manter no crime por uma quadrilha de agentes penitenciários. Com apoio de advogados e até de enfermeiros que conseguiam atestados médicos, servidores autorizavam a saída de presos da cadeia com a finalidade exclusiva de cometer assaltos e depois repartiam os lucros.
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