Apenado do semiaberto matou empresário em assalto na Capital. Júlio Cruz, o Bocha, 34 anos, não estudava nem trabalhava, mas tinha direito de ir à rua. No último dia de licença, assassinou Fábio Bertoglio
Por: José Luís Costa, Cid Martins, Renato Dornelles e Fábio Almeida
ZERO HORA 26/07/2016 - 08h27min
Morte de gerente da Termolar, na zona sul de Porto Alegre, aconteceu há 10 anosFoto: Ronaldo Bernardi / Agencia RBS
Ações de indenizações contra o Estado por crimes praticados por apenados contra a população são menos comuns do que processos que exigem dinheiro para parentes de presos executados por outros presos devido a brigas entre eles.
Entre 2011 e 2015, Zero Hora localizou apenas duas ações de cobrança de ressarcimento financeiro no Tribunal de Justiça do Estado (TJ) em razão de latrocínios cometidos por detentos do semiaberto.
Um dos casos é emblemático. Expõe a falência do semiaberto combinada com falhas de controle, legislação leniente e fragilidade da segurança pública. Trata-se do assassinato do administrador de empresas Fábio Antônio Sartori Bertoglio, 40 anos, há 10 anos, em Porto Alegre.
O autor do crime foi identificado como Júlio Cesar da Rosa Cruz, o Bocha, 34 anos, detento do regime semiaberto, condenado, à época, a 17 anos e quatro meses de prisão por assaltos e furtos.
Bocha, o autor do crimeFoto: Daniel Marenco / Agencia RBS
Bocha tinha fugido em março de 2006 da Instituto Penal Escola Profissionalizante (IPEP, atual Instituto Penal de Charqueadas), sendo recapturado 76 dias depois. A fuga não foi apurada, e logo ele foi transferido para outro albergue, o extinto Instituto Penal de Mariante (IPM), em Venâncio Aires.
Bocha não tinha vínculos com familiares, não estudava, não trabalhava e praticar crimes parecia fazer parte do seu cotidiano. Apesar disso, sua conduta foi atestada como plenamente satisfatória pelo IPM e ganhou autorização judicial para sair por uma semana do albergue a partir de 24 de novembro de 2006.
Às 5h do último dia de licença, 30 de novembro, usando um garfo para arrombar portas, invadiu o sobrado de três andares da família de Bertoglio, na Vila Assunção, zona sul da Capital.
Diretor Comercial da empresa Termolar, Bertoglio se acordou com gritos da mulher, assustada com um intruso ao lado da cama anunciando um assalto. Em outros quartos dormiam dois filhos pequenos do casal, uma sobrinha e uma empregada. Surpreendido, Bertoglio lutou com o ladrão, mas foi atingido por golpes de faca no tórax e morreu.
Bertoglio, empresário e vítima de latrocínio em Porto AlegreFoto: Reprodução / Reprodução
Bocha não voltou para o albergue. Foi expedido um mandado de prisão contra ele, policiais o procuraram no endereço fornecido ao IPM, mas o local não existia. Em fevereiro de 2007, três meses após o crime, Bocha foi capturado pela Polícia Civil e foi para atrás das grades, condenado a mais 20 anos de prisão.
Em outubro de 2010, ganhou novamente o direito de progressão para o semiaberto. Fugiu mais duas vezes. Na última, ficou dois meses na rua. Foi recapturado em abril de 2011, após invadir novamente uma casa, dessa vez no bairro Cavalhada, também zona sul da Capital.
O assaltante pegou uma mochila, duas caixas de bombons, um barbeador e um celular. Surpreendido pelo dono da moradia que chegava naquele momento, lutou e feriu a vítima, que teve mais sorte do que Bertoglio, sofrendo apenas fratura de um dedo.
Revolta a burrice do Estado, diz desembargador
Bocha ainda tentou fugir, mas foi perseguido pelo morador que o prendeu e o entregou para agentes da 13ª Delegacia da Polícia Civil na Capital. O assaltante foi condenado a quatro anos e oito anos de prisão, mas recorreu, e a pena foi reduzida para 10 meses, por se enquadrar em uma tentativa de furto.
Apesar disso, Bocha teve o regime regredido para o fechado em maio de 2011. Então, em janeiro de 2015, obteve mais uma vez, o direito de progressão para o semiaberto. Fugiu um mês depois.
Ficou menos de 24 horas na rua e foi recapturado. Levado para a Penitenciária Estadual do Jacuí, aguarda decisão judicial que vai definir a forma como vai cumprir os 14 anos restantes de penas, podendo ser beneficiado, de novo, com o semiaberto.
O assassinato de Bertoglio gerou uma ação de indenização pela qual o Estado foi condenado pelo TJ, em novembro de 2015. A decisão manda pagar à família da vítima R$ 240 mil, além de pensão aos filhos equivalente a 66% do salário do administrador até completarem 25 anos, e uma pensão de valor similiar para a viúva até ela completar 70 anos.
— A questão da responsabilização é mais um ítem do caos prisional. Revolta a burrice e a incompetência do Estado, pois o descaso de anos está se refletindo nas ruas. O maior prejuízo não é o financeiro, é a insegurança e a perda desnecessária de vidas — lamenta o desembargador Carlos Eduardo Richinitti, da 9ª Câmara Cível do TJ.
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