terça-feira, 23 de junho de 2015

OS NÚMEROS DA IMPUNIDADE: A VERDADE SOBRE O SISTEMA PENITENCIÁRIO BRASILEIRO



JORNAL EXTRA 23/06/15 07:00



Luiz Eduardo Rabello*




A impunidade no Brasil, já de longa data, é um fato público e notório que, consequentemente, prescinde de prova e, o que é mais grave é que, significativa parcela da sociedade atribui tal fato ao Poder Judiciário, pensamento muitas vezes estimulado pela imprensa que, contraditoriamente, também mostra as cadeias brasileiras que mais parecem depósito de pessoas que um estabelecimento do sistema penitenciário cuja finalidade, além de punitiva, deveria ser no sentido da ressocialização do preso.

O discurso do Poder Executivo é sempre a falta de recursos para a melhoria do sistema, sendo que as péssimas condições das cadeias brasileiras levam, não raro, os magistrados a abrandarem as penas para não terem, sobre suas costas e na consciência, a culpa de mandarem para prisão os réus, até porque tem pleno conhecimento das precárias condições das cadeias brasileiras além do fato de que, quem vai cumprir pena, deixa a cadeia em piores condições psicológicas do que quando nela ingressou.

O que o Poder Judiciário ainda não enxergou é que, enquanto o Executivo poupa seus recursos não construindo penitenciárias, inclusive sob a falsa alegação de falta de recursos, o Judiciário paga a conta perante a sociedade, sendo significativo o dito popular : “A Polícia prende e o Juiz solta”.

Vejamos agora se realmente não existem recursos para a melhoria do Sistema Penitenciário Brasileiro. No dia 7 de janeiro de 1994 o Presidente Itamar Franco sancionou a Lei Complementar 79, criando o Fundo Penitenciário “com a finalidade deproporcionar recursos e meios para financiar e apoiar as atividades e programas de modernização e aprimoramento do Sistema Penitenciário Brasileiro.”

O artigo 2º. da referida Lei Complementar previu, para a constituição do Fundo, 10 (dez) fontes de receitas, dentre as quais podemos salientar, à título de exemplificação, as dos incisos VI (fianças quebradas ou perdidas) e as do inciso VIII, ou seja, 3% DO MONTANTE ARRECADADO DOS CONCURSOS DE PROGNÓSTICOS, SORTEIOS E LOTERIAS (vide verso dos talões da loto, loteria, sena, mega-sena, etc.). Pois bem, vejamos agora os valores informados pela Caixa Econômica Federal com relação aos valores repassados, do ano de 1994 até o ano de 2007 para o Fundo Penitenciário:



Vejamos agora o que foi repassado pela Caixa Econômica Federal a partir de 2006 até o ano de 2010:

Repasses ao Fundo Penitenciário Nacional - FUNPEN

2006 - R$ 127,23 milhões

2007 - R$ 155,97 milhões

2008 - R$ 172,36 milhões

2009 - R$ 221,09 milhões

2010 - R$ 264,82 milhões

Agora, os dados constantes das informações prestadas pelos Administradores do Fundo Penitenciário:



Parece demonstrado, de forma cabal, que a situação das “cadeias” brasileiras não decorre da falta de recursos, tudo fazendo crer que a legislação, cada vez mais benevolente com os criminosos, tem por objetivo “poupar” os recursos destinados ao Sistema Penitenciário Brasileiro.

A propósito leia-se o magnífico artigo do Procurador de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, Prof. Sérgio Demoro Hamilton, publicado na Revista da EMERJ, v. 5, n17, 2002, sob o seguinte título:

O Custo Social de uma Legislação Penal Excessivamente Liberal”.

Cabe aqui, com a licença do autor, a transcrição de alguns trechos de seu excelente artigo.

“1. O eventual leitor de meus modestos escritos deve ter plena consciência da luta que, há muito, tenho sustentado em relação aos perigosos caminhos que nossa legislação processual vem tomando desde o final da década de setenta até nossos dias. Nela, o réu vem sendo, generosamente, contemplado com sucessivas benesses de todas as espécies em detrimento da sociedade ordeira e em flagrante desrespeito às vítimas de crime.”

Prossegue o Procurador: “A segunda razão para a política criminal que vem sendo seguida em nossas leis invoca razões práticas: não há recursos financeiros por parte do Estado para a edificação e conservação de estabelecimentos penais e, muito menos, para a manutenção dos presos.”

Em seguida invoca Fernando da Costa Tourinho Filho, Código de Processo Penal Comentado, v. I, p. 514/515, Editora Saraiva, 5ª. Edição, 1999:

“As prisões brasileiras, e inclusive as nossas penitenciárias, poderiam ser bem melhores, não fossem os ralos por onde, vergonhosa e impunemente, escoam os dinheiros públicos. O FUNPEN (Fundo Penitenciário Nacional), instituído pela Lei Complementar n. 79/94, dispõe de recursos mais que suficientes para dar melhores condições de vida aos presos.”.

No tocante a outra fonte de receita do Fundo, ou seja, as fianças, vejamos o que informa o Ministério da Justiça a respeito:

Arrecadação com fianças sobe 300% no 1º mês da nova lei penal

A nova lei penal que substitui a prisão provisória por outras medidas alternativas tem gerado um “boom” na cobrança de fiança do país. De acordo com dados do Ministério da Justiça, somente no primeiro mês da aplicação da nova regra – que entrou em vigor no dia 4 de julho – o total arrecadado pelo Funpen (Fundo Penitenciário Nacional) com fianças aumentou em cerca de 308%, na comparação entre julho de 2010 e julho de 2011. A nova lei elevou de R$ 545 mil para R$ 10,9 milhões o valor máximo da fiança cobrada no Brasil.”

Uma consulta, na data de hoje, ao site da Caixa Econômica Federal temos os valores repassados ao Fundo Penitenciário de 2009 até 2013 conforme se vê abaixo:



A propósito, é o próprio Ministério da Justiça quem assim já se manifestou:

Fundo Penitenciário Nacional bate recorde de arrecadação em 2011.

O Ministério da Justiça comemora duplamente a saúde do Fundo Penitenciário Nacional (Funpen). Criado em 1994 para financiar e apoiar as ações de modernização e aprimoramento do sistema penitenciário brasileiro, o Funpen registrou, no ano passado, arrecadação recorde de R$ 393 milhões. Para este ano, o orçamento aprovado é o maior desde a sua criação, de R$ 350,3 milhões.

Por meio do Programa Nacional de Apoio ao Sistema Prisional, lançado em novembro de 2011, esses recursos vão financiar a criação de 42 mil novas vagas em penitenciárias e cadeias públicas, com intuito de zerar o deficit de vagas femininas e reduzir o número de presos provisórios em delegacias. O programa repassará para as unidades federativas, dentro de três anos, cerca de R$ 1,1 bilhão.

Além disso, os recursos do Funpen serão aplicados também no aparelhamento de estabelecimentos penais estaduais, no aperfeiçoamento do serviço prisional dos estados, na assistência jurídica, nas atividades educacionais e culturais para os presos, e outras ações de âmbito nacional.

O Funpen, que foi criado pela lei complementar nº 79/1994 e regulamentado pelo decreto nº 1.093/1994, recebe recursos da arrecadação das loterias, recursos confiscados ou resultantes da alienação dos bens perdidos em favor da União, multas decorrentes de sentenças penais condenatórias com trânsito em julgado, fianças quebradas ou perdidas e rendimentos decorrentes da aplicação de seu patrimônio”.

E ainda dizem que não há recursos para o Sistema Penitenciário!

*Luiz Eduardo Rabello é desembargador e presidente da Associação Nacional de Desembargadores



Leia mais: http://extra.globo.com/casos-de-policia/artigo-os-numeros-da-impunidade-verdade-sobre-sistema-penitenciario-brasileiro-16524807.html#ixzz3duTBjSBz


COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - Muito bom este artigo do desembargador Luiz Eduardo Rabello. Realmente é a impunidade o fator principal de uma execução penal falha e desumana, pois não há apuração de responsabilidade. E estou do lado da imprensa que atribui ao Poder Judiciário muita desta responsabilidade, pois tem sido conivente, junto com o MP, Defensoria, OAB e Direitos Humanos, para com o "depósito de pessoas" em "um estabelecimento do sistema penitenciário cuja finalidade, além de punitiva, deveria ser no sentido da ressocialização do preso".


"O discurso do Poder Executivo" que "é sempre a falta de recursos para a melhoria do sistema" tem sido aceito pelo Poder Judiciário que é quem supervisiona os presos e que "tem pleno conhecimento das precárias condições das cadeias brasileiras além do fato de que, quem vai cumprir pena, deixa a cadeia em piores condições psicológicas do que quando nela ingressou." O fato é que o Poder Judiciário é que vem sendo desacreditado, póis "paga a conta perante a sociedade, sendo significativo o dito popular : “A Polícia prende e o Juiz solta”.




Que há recursos para o Sistema Penitenciário, não tenho dúvida, mas falta alguém exercer o poder-dever de agir e as incumbências previstas em lei para constranger o Poder Executivo e obrigar, sob as penas da lei, que ele cumpra seus deveres na execução penal e instale condições humanas, seguras e objetivas. A impunidade existe porque o Poder Judiciário se omite.

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