Presos em flagrante vão depor no Presídio Central para reduzir superlotação. Medida chega ao RS em julho, e juízes ouvirão suspeitos em até 24 horas
Por: Humberto Trezzi
26/06/2015 - 05h03min |
Penitenciária Estadual do Jacuí, que começou a ser construída na década de 1920, tem 800 presos a mais do que sua capacidadeFoto: Jefferson Botega / Agencia RBS
Sem espera, sem risco de encarceramento de inocentes por meses a fio. Essa é a ideia por trás do projeto Audiência de Custódia, que deve ser implementado em julho em Porto Alegre. A iniciativa determina que os presos em flagrante sejam apresentados em juízo no prazo de 24 horas. Hoje, alguém que é detido por suspeita de crime pode esperar dias ou até meses encarcerado, antes de ser ouvido por um juiz. E os magistrados estão cada vez mais preocupados com o volume de detentos no Brasil.
Levantamento do Sistema Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen), divulgado nesta semana pelo Ministério da Justiça, confirma que o Brasil tem o segundo contingente de detentos que mais cresce no mundo. Desde 2000, o número de presos brasileiros subiu 161%. No mesmo período, a população aumentou 16% (10 vezes menos). Nos últimos seis anos, a taxa de encarceramento no país avançou 33%. Ritmo maior só foi vivenciado na Indonésia (66%), um país que tem apenas um quarto do número de detentos do Brasil. A população carcerária brasileira mais que dobrou em 10 anos, fenômeno oposto ao dos outros países campeões em prisioneiros. Das quatro nações com mais presos, o Brasil é a quarta, mas a única em que a população prisional cresce mais do que a população geral. A taxa de aprisionamento brasileira é positiva, enquanto nos demais é negativa.
Tanto preso no Brasil só pode resultar em um fenômeno: a superlotação dos cárceres, o que inviabiliza um sonho dos juízes, a reeducação do criminoso. É por isso que ganha força o projeto Audiência de Custódia, que determina apresentação dos presos em até 24 horas. Em São Paulo, desde fevereiro os presos em flagrante são ouvidos na hora pelos juízes do fórum da Barra Funda, o maior da capital paulista – isso porque a comarca tem sua própria carceragem.
Seguindo uma recomendação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), muitos juízes têm libertado os presos na hora, substituindo a prisão por medidas alternativas, como comparecimento semanal à Justiça, proibição de se ausentar da cidade e de cometer novos delitos. São medidas para evitar a lotação das cadeias. Na capital paulista ocorreram 3.111 audiências de custódia este ano, e em 58% delas o suspeito ficou preso. Nas demais, foi liberado mediante fiança ou medidas cautelares alternativas.
Os prós e os contras da medida adotada
Sala para Audiência de Custódia está pronta para ser usada a partir de julho no Presídio Central, em Porto Alegre. Foto: Sidinei Jose Brzuska / divulgação
A Audiência de Custódia, quando implementada na capital gaúcha, promete ser revolucionária: o juiz irá até os presos. A ideia é que sete magistrados do plantão judicial criminal do Fórum de Porto Alegre trabalhem dentro do Presídio Central, em revezamento (um por dia). No momento em que alguém for detido em flagrante (em média, oito presos por dia ingressam no Central), será interrogado pelo juiz. Uma sala informatizada já está montada no presídio. Ela tem terminais de computador suficientes para que advogados, policiais, promotores e juízes atuem de forma simultânea na audiência do detido.
Hoje, o flagrante acontece em etapas: é lavrado por um delegado de polícia, que envia o preso para a cadeia antes que a prisão seja homologada pelo magistrado. Na maioria das vezes, a detenção é mantida sem que o detido seja ouvido pelo juiz – ele decide com base na leitura de documentos – e a primeira audiência só ocorre dias ou meses depois.
A vice-presidente da Associação de Delegados de Polícia-RS (Asdep), Nadine Anflor, elogia a iniciativa, do ponto de vista da garantia dos direitos dos presos. Mas ressalta que os juízes, quando substituírem a prisão, consigam fiscalizar as medidas alternativas.
– Hoje não há fiscalização dos presos do semiaberto. Será que alguém vai fiscalizar se o criminoso não se ausenta da cidade ou vai punir o detento que não se apresenta ao juiz? Difícil – pondera Nadine.
O promotor criminal Luciano Vaccaro, estudioso das audiências de custódia, diz que é impossível ser contra a ideia, por ela garantir mais justiça. Porém, podem surgir dificuldades de ordem prática.
– Principalmente no Interior, onde escasseiam tanto promotores quanto juízes e advogados. Será difícil ouvir o suspeito a cada flagrante – analisa.
Cadeias gaúchas têm mais visitas e menos lotação
No oceano de más notícias que costuma caracterizar o sistema penitenciário brasileiro, o Rio Grande do Sul representa uma ilha de bons exemplos, em alguns pontos. É o caso da superlotação. Por incrível que pareça, os presídios gaúchos são os menos lotados dentre os existentes nos 26 Estados brasileiros e no Distrito Federal, conforme o levantamento do Infopen.
Apesar de ser o 6º colocado em aprisionamentos, o RS tem a melhor taxa de ocupação de presídios, ou seja, a menor superlotação (121% das vagas ocupadas). Isso significa 12 presos para cada 10 vagas. No país, a média é 16 detentos para cada 10 vagas. Pernambuco, o campeão, contabiliza 26 apenados por cada 10 vagas.
O juiz Sidinei Brzuska, da Vara de Execuções Criminais de Porto Alegre, é cauteloso ao analisar esses números. Ele adverte que cerca de 5 mil presos gaúchos estão em prisão domiciliar e podem não ter sido contabilizados pelo Infopen. Mesmo assim, ressalta a quantidade de vagas no Interior.
– Pequenos municípios como Cerro Largo (Missões), Candelária ou Rio Pardo (ambas no Vale do Rio Pardo), por exemplo, têm presídios, nunca superlotados – diz.
A superlotação acontece sobretudo na Grande Porto Alegre, no Presídio Central (4,1 mil presos, dois terços acima do número de vagas) e na Penitenciária Estadual de Charqueadas, com 2,1 mil (800 a mais do que a capacidade).
A maioria dos presos gaúchos também é condenada, como é de se esperar. Enquanto sete Estados brasileiros têm mais presos provisórios do que condenados – uma aberração jurídica e violação de direitos humanos, segundo especialistas –, no RS, o número de provisórios é 35% do total.
Os presos gaúchos também são os que mais recebem visitas. São, em média, quatro por mês. Já em nível nacional é 1,6 visita mensal.
Mas nem tudo são vantagens no RS. Dos 72 presídios brasileiros com mais de 50 anos de fundação, 26 (um terço) estão no Rio Grande do Sul. Alguns, como a PEJ, começaram a ser construídos na década de 1920. O que os torna mais insalubres.
Outro ponto negativo é que o Estado tem a maior taxa de vírus HIV no sistema penitenciário nacional (40 em cada mil presos estão infectados). A média nos presídios brasileiros é de 12 infectados em cada mil presos.
A volta do "olho no olho"
O juiz-corregedor do Tribunal de Justiça do RS, Eduardo Almada, admite que, para implementar a Audiência de Custódia no Interior, há falta de pessoal e também que é difícil fiscalizar se o preso cumpre medida alternativa. Ele sugere ampliar o uso de tornozeleiras eletrônicas.
– A medida trará de volta uma qualidade perdida ao longo dos anos: o juiz olhará o preso no olho, que terá voz. É bem mais saudável.
Quanto aos que temem liberação em massa de presos, Almada contrapõe com números. Na Capital, em maio, 62% dos 390 presos (245) em flagrante tiveram a prisão confirmada pelo juiz, mostrando rigor, alega Almada.
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