segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

40% DOS PRESOS SÃO ORIUNDOS DO TRÁFICO


MUTAÇÃO NO CÁRCERE. Tráfico refaz perfil dos presos no Estado - FRANCISCO AMORIM, ZERO HORA 08/01/2012

Em um período de cinco anos, presos por venda de drogas superaram em número os ladrões e hoje representam 40% dos 22,8 mil condenados recolhidos aos presídios do Rio Grande do Sul.

Impulsionado pela disseminação do crack no Estado, o narcotráfico mudou o perfil dos presos gaúchos em apenas cinco anos. O tráfico de drogas passou a ser a principal causa de condenação entre os detentos, superando os crimes contra o patrimônio.

Atualmente, 40% dos 22,8 mil presos condenados estão na cadeia por venda ilegal de entorpecentes, índice que levou o tráfico a superar os roubos na lista dos crimes que mais conduzem pessoas ao cárcere no Rio Grande do Sul. Por trás do fenômeno, segundo especialistas, estão o recrudescimento da repressão policial a pequenos traficantes e a rápida transformação de usuários de crack em redistribuidores da droga.

A avalanche de prisões de traficantes começou no final de 2006. Naquele ano, apenas 12% dos que cumpriam pena no Estado haviam sido condenados por tráfico, segundo dados do Departamento Nacional Penitenciário. Era a segunda causa de privação de liberdade por sentença judicial, perdendo apenas para o crime de roubo (29%). A inversão gradual no topo do ranking se deu ao longo dos dois anos seguintes. Em dezembro de 2008, os presídios gaúchos abrigavam apenas 941 detentos condenados por roubo, contra 3.599 sentenciados por tráfico. Atualmente, quatro em cada 10 presos com sentença são traficantes, enquanto os assaltantes representam apenas 4% do total.

– Parece estar havendo também uma migração de uma atividade delituosa para outra. Ou seja, do roubo para o tráfico – acredita o doutor em sociologia Dani Rudnicki, integrante do Grupo de Pesquisa Violência e Cidadania, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, e professor do mestrado em Direitos Humanos da Universidade Ritter dos Reis.

Fenômeno se repete pelo país

Para especialistas como Rudnicki e para autoridades ligadas à segurança, o narcotráfico tem remodelado o crime organizado, não apenas no Estado, mas no Brasil. Quadrilhas até então concentradas em crimes contra o patrimônio passaram a investir também no comércio de entorpecentes. E a queda no registro de ocorrências de roubo confirma a diversificação.

Para isso, esses bandos estão usando a seu favor da lei antidrogas (11.343/2006), sancionada em agosto de 2006 e que distingue usuários de traficantes apenas pela quantidade de substância ilícita portada. As quadrilhas adaptaram seu modo de ação ao novo texto legal, e passaram a distribuir entorpecentes em menores quantidades a fim de dificultar o enquadramento de seus membros como traficantes. A estratégia para tentar ludibriar as polícias, Ministério Público e Judiciário tornou difícil a definição legal de quem usa e quem vende a droga.

– O tráfico tem grande poder de arregimentar pessoas. Você prende 30 traficantes em uma operação hoje, e amanhã novos criminosos assumem a distribuição das drogas nos mesmos locais – afirma o chefe de Polícia, delegado Ranolfo Vieira Júnior.

As opiniões de pesquisadores e forças policiais, no entanto, convergem apenas até esse ponto. Enquanto os primeiros destacam que pode estar havendo um processo de “cadeialização” de usuários, delegados e oficiais da Brigada Militar defendem a retirada das ruas dos pequenos traficantes para reduzir crimes relacionados como homicídios e furtos.

– Despenalizar o delito de porte ilegal de droga para uso pessoal e endurecer a pena para o delito de tráfico de drogas acabou tendo como efeito o enquadramento no delito de tráfico de um grande número de pessoas que anteriormente eram enquadradas como usuários. A ideia corrente, especialmente na polícia, é de que a nova lei é muito branda para com o usuário, e a consequência direta é que tem havido uma “sobrecriminalização” de pequenos traficantes, que hoje representam mais da metade de nossa população carcerária – afirma o doutor em sociologia Rodrigo Ghiringhelli de Azevedo, professor dos cursos de pós-graduação em Ciências Sociais e Ciências Criminais da Pontifícia Universidade Católica (PUCRS).


Dois crimes relacionados

A ascensão do tráfico de entorpecentes ao topo do ranking dos crimes que mais levam à cadeia no Estado foi acompanhada pelo aumento das condenações por porte ilegal de armas. Para quem estuda o tema da violência, os dois crimes estariam intimamente relacionados.

– O controle social exercido pelos traficantes se baseia na violência, e as armas têm papel fundamental nesse processo – afirma o professor Dani Rudnicki.

Além da difusão das armas entre narcotraficantes, outra mudança legal – a exemplo do que ocorreu com a lei antidrogas – pode ter tido efeito no perfil de encarceramento. O Estatuto do Desarmamento (Lei 10.826/2003) passou a penalizar duramente quem porta armas ilegalmente. Para o comandante-geral da Brigada Militar, coronel Sérgio de Abreu, a mudança ajudou no combate à criminalidade:

– Quanto mais armas retirarmos das ruas, melhor. Reduzir a circulação delas é essencial – avalia o comandante.

A posição do oficial encontra resistência entre muitos pesquisadores:

– Trata-se de um delito de perigo abstrato, que tem viabilizado a criminalização de indivíduos pelo simples descumprimento da proibição estatal de porte de arma, sem que tenha havido dano direto a alguém. Essa opção do legislador é bastante questionável e já representa 15% de nossa população carcerária – pondera o professor Rodrigo Ghiringhelli de Azevedo.

Cresceu total de presos provisórios

A análise dos mapas carcerários de 2006 e 2011 revela ainda um aumento de 137% no número de presos provisórios (ainda sem condenação), fenômeno apontado como motivo para a elevação da massa carcerária geral de 23 mil para mais de 30 mil detentos.

– O Rio Grande do Sul tem seguido a tendência nacional de “sobreutilização” do encarceramento provisório, fato este que pode, em tese, ser revertido pela recente entrada em vigor da Lei 12.403/2011, que prevê outras alternativas ao juiz além do encarceramento provisório durante o processo penal. De qualquer forma, a situação no Estado ainda não chega à média nacional, que está em cerca de 43% de presos provisórios no sistema prisional – ressalta Azevedo.

Mesmo sem dados sobre os motivos das prisões provisórias, especialistas e policias acreditam que boa parte das detenções também deriva de prisões em flagrante de traficantes:

– Chamo atenção, principalmente no caso da prisão cautelar, para a dificuldade de distinguir o traficante do usuário. A prisão de usuário como traficante faz com que o processo seja mais penoso do que a pena – destaca o professor de Direito Penal da Pontifícia Universidade Católica (PUCRS) Rafael Canterji.

As críticas são rebatidas pelas autoridades policiais. Segundo o chefe de Polícia, Ranolfo Vieira Júnior, todas as prisões passam pelo controle jurisdicional, ou seja, pelo crivo do Ministério Público e Judiciário. Para ele, as prisões cautelares têm importância não apenas na investigação como também na queda imediata dos indicadores criminais.

– Não se prende por prender, todas as prisões estão amparadas pela lei – lembra o delegado.

RS pode ter prisões especiais

Surpreendido pelo alto índice de encarceramento de traficantes, o secretário estadual da Segurança Pública, Airton Michels, promete implementar um antigo projeto seu: a criação de unidades prisionais especiais para abrigar usuários presos por também vender drogas.

– Nas viagens que faço pelo Interior tenho notado que, em cidades médias, o índice de presos por tráfico é alto. Em alguns locais, é de 70%, mas o número médio do Estado (40%) é bem alto também – ponderou o secretário.

Michels prometeu cobrar da Superintendência dos Serviços Penitenciários a conclusão de um projeto para a construção de penitenciárias regionais, para cerca de 500 detentos dependentes químicos, na prancheta desde meados de 2011.

– A ideia não é colocar ali criminosos que vivem do lucro das drogas, mas usuários que traficam para sustentar a dependência. É preciso acompanhamento médico e psicológico – diz.

Sem recursos para o empreendimento em 2011, o governo do Estado deve buscar recursos para a construção de pelo menos uma unidade em 2013. O dinheiro poderá vir do governo federal.

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