ZERO HORA 03 de agosto de 2015 | N° 18246
JOSÉ LUIS COSTA
UM DIA DEPOIS de contar histórias de vítimas assassinadas por criminosos que deveriam estar presos, mas acabaram soltos por falhas no sistema, ZH apresenta alternativas para enfrentar o problema
Qual a solução para o semiaberto? Manter o sistema atual, com melhorias na estrutura e na vigilância ou acabar com ele, instituindo um regime único, o fechado, autorizando a progressão apenas na fase final do cumprimento de pena com a liberdade condicional? O tema divide opiniões, é discutido há décadas por autoridades e volta ao centro dos debates à medida que cresce a criminalidade protagonizada por apenados.
Pelo menos duas grandes reformas na legislação penal elaboradas por juristas chegaram ao Senado entre 2012 e 2013, mas seguem em estudo. As propostas (leia quadro) não terminam com o semiaberto e uma delas até propõe a progressão de regime antecipada para quem estiver em presídio superlotado. No Supremo Tribunal Federal, é aguardado desde 2011 o julgamento de um recurso, provocado por más condições dos albergues gaúchos, que pode abrir as celas para 66,5 mil apenados do semiaberto no país.
Nos últimos tempos, o tema envolve com mais intensidade a sociedade. Em junho, uma lista com cem mil assinaturas partiu do Rio Grande do Sul rumo a Brasília, propondo a congressistas o fim do regime semiaberto. A iniciativa foi do Movimento Paz Novo Hamburgo, em parceria com ONG Brasil sem Grades – organizações gaúchas que propõem medidas para redução da violência e maior rigor na legislação penal.
O Paz Novo Hamburgo surgiu em 2014, após o assassinato do empresário Gabriel da Silva Rodrigues, 32 anos, vítima de um assaltante foragido do semiaberto, um dos casos abordados na edição dominical de Zero Hora.
– Acreditamos que o aumento do tempo no regime fechado vai reduzir a criminalidade, já que a medida por si só inibe a prática ilícita. Afinal, são mais anos de confinamento e longe das ruas – diz o empresário Luiz Fernando Oderich, presidente da ONG Brasil Sem Grades.
OLHARES DIVERGENTES
O modelo defendido pelas duas entidades vai ao encontro da posição de juízes gaúchos que atuam em varas de execução criminal (VEC). Em 2013, magistrados encaminharam uma sugestão que chegou ao Senado na qual autores de crimes com morte, por exemplo, passariam metade do tempo de condenação no regime fechado e só depois poderiam sair das grades para a liberdade condicional. Mas essa posição encontra divergências dentro do próprio Tribunal de Justiça do Estado e entre outras autoridades e especialistas. O advogado Aury Lopes Junior defende a vigência dos regimes progressivos.
– Querem acabar com o semiaberto não porque ele seja ruim, mas sim pela incompetência de fiscalizar e de manter casas prisionais adequadas. Agora, diante da falência do sistema prisional, aceito discutir proposta de mudança – observa o criminalista, professor universitário e doutor em Direito Penal.
A defensora Ana Paula Pozzan, dirigente do Núcleo de Defesa em Execução Penal da Defensoria Pública Estadual, concorda que o semiaberto virou um produtor de criminalidade, mas é favorável à manutenção dos albergues, aliada a uma ampla reforma da política prisional.
– Deveríamos ter casas sem superlotação, com condições dignas de cumprimento de pena em todos os regimes. O Estado perdeu o controle de cadeias. Tem preso que recebe assistência, como material de higiene e limpeza, de uma facção. Quando vai para o semiaberto tem de pagar, assaltando, matando. Há casos em que o apenado não quer ir para o semiaberto com medo de morrer.
Promotora que atua junto à VEC na Capital, Débora Balzan apoia a manutenção do modelo atual em condições adequadas.
– A tendência das pessoas é ser contrária ao semiaberto porque não funciona de acordo com a lei. Mas o semiaberto serve para o apenado ser testado, sair para trabalhar. O Estado tem de investir em albergues – argumenta.
Mobilização da comunidade transformou albergue em NH
O assassinato de Gabriel Rodrigues, vítima de um assalto frustrado por um foragido do semiaberto em junho de 2014, provocou comoção em Novo Hamburgo e desencadeou uma mobilização incomum. Depois de chorar a morte do empresário de 32 anos e protestar contra a violência, amigos, parentes e representantes da comunidade arregaçaram as mangas. Embora contrário à existência do regime semiaberto, o grupo decidiu promover melhorias no albergue local, a única casa prisional da cidade. A primeira iniciativa foi criar o movimento PAZ Novo Hamburgo, composto por 42 entidades, entre ONGs, sindicatos, clubes e escolas.
– A morte do Gabriel foi um estopim do sentimento de insegurança na cidade. O luto resultou em um novo tempo, tempo de somar forças. A sociedade tem de fazer a sua parte e dá para fazer – diz a coordenadora do PAZ, a advogada Andrea Schneider.
A partir da mobilização, foram obtidos recursos junto à prefeitura e à Câmara de Vereadores para a instalação de nove câmeras de vigilância no albergue. Os equipamentos registram imagens no interior e no entorno do Instituto Penal da cidade, monitoradas por agentes penitenciários e compartilhadas com a Guarda Municipal e a Brigada.
– Se alguém é flagrado com um celular no pátio, vai para o castigo durante 10 dias. Presos reclamam que aqui está pior que no regime fechado – afirma o diretor do albergue, César Corrales.
As câmeras ajudaram a reduzir fugas. Desde a instalação, em 24 de março, foram registrados quatro casos. Antes desapareciam, em média, 20 detentos a cada mês.
O PAZ Novo Hamburgo também firmou parcerias para fiscalizar os presos que trabalham fora. Uma vez por mês, integrantes do movimento passaram a acompanhar agentes penitenciários, guardas municipais, policiais civis e militares, em blitze para checar se, de fato, apenados estavam no serviço – dos 240, cerca de 120 têm atividade externa. Na primeira inspeção, em fevereiro, sete detentos não foram encontrados no emprego. Na última, apenas dois. Quem não é localizado responde a um procedimento administrativo disciplinar, podendo regredir para o regime fechado. E o empregador que abona frequências indevidas ou emite documento falso de contratação de apenado é indiciado por falsidade ideológica.
Diante das mudanças implementadas, 30% dos presos do albergue já pediram transferência para outro lugar.
O que pode mudar na legislação penal
No Senado Federal
Pelo menos duas alterações de lei estão em debate, relacionadas ao tempo de pena e à progressão de regime:
-A reforma do Código Penal (PLS 236) tramita no Senado desde julho de 2012. Em dezembro de 2013, chegou à Comissão de Constituição e Justiça, onde permanece.
-O projeto mantém o atual modelo de cumprimento de penas, mas estipula uma nova escala para progressão de regime, aumentando o tempo no fechado de três quintos para dois terços (para crimes hediondos).
-A reforma da Lei de Execução Penal (PLS 513) começou em abril de 2013, chegou ao Senado em dezembro daquele ano e segue na Comissão de Constituição e Justiça.
-O projeto proíbe presos em delegacias de polícia, prevê melhorias nos serviços de saúde e educação ao apenado e a progressão de regime antecipada caso a penitenciária esteja lotada, ponto que promete gerar intenso debate.
No Supremo Tribunal Federal
-Desde maio de 2011, o Supremo avalia a possibilidade de mandar para casa presos do semiaberto por falta de vagas ou condições indignas nos albergues brasileiros.
-O tema está nas mãos do ministro Gilmar Mendes, relator do Recurso Especial Nº 641320, interposto pelo Ministério Público do Estado, que se insurgiu contra a decisão do Tribunal de Justiça do Estado de conceder prisão domiciliar para um apenado do semiaberto, de Jaguari, em 2009.
-Em maio de 2013, durante dois dias, Mendes organizou debates públicos sobre o assunto no STF, inclusive com a presença de autoridades gaúchas, para obter informações que o ajudem a decidir seu voto. Caso o ministro confirme a decisão do TJ, a tendência é de que juízes de todo o país sigam a orientação do STF, concedendo prisões domiciliares em massa. O Brasil tem 66,5 mil presos no semiaberto. No Estado são 7,6 mil, sendo que 1,3 mil já estão em casa, usando tornozeleiras eletrônicas.
COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - O modelo do regime semiaberto deve ser extinto. Ou é fechado ou é aberto, ambos sob controle total do Estado. O erro está na falta de um sistema de justiça criminal integrado, ágil, coativo, estruturado, desvinculado tecnicamente da gestão partidária e capaz de exigir, sob as penas da lei, deveres e responsabilidades do poderes e órgãos da justiça criminal e da execução penal.
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