A Execução Penal é um dos extremos do Sistema de Justiça Criminal, importante na quebra do ciclo vicioso do crime pela reeducação, ressocialização e reinclusão. Entretanto, há descaso, amadorismo, corporativismo e apadrinhamento entre poderes com desrespeito às leis e ao direito, submetendo presos provisórios e apenados da justiça às condições desumanas, indignas, inseguras, ociosas, insalubres, sem controle, sem oportunidades e a mercê das facções, com reflexo nocivo na segurança da população.
quarta-feira, 12 de agosto de 2009
A FAVOR DO HOMEM COMUM ( e contra uma grave negligência na Execução Penal)
LEIA ESTE BRILHANTE ARTIGO QUE LOUVA A AÇÃO DO CNJ CONTRA UMA DAS MAIORES E GRAVES NEGLIGÊNCIAS DO JUDICIÁRIO NA EXECUÇÃO PENAL, INÉRCIA QUE ESTIMULA A LOTAÇÃO DOS PRESÍDIOS, UMA DAS CAUSAS DA FALÊNCIA DO SISTEMA PRISIONAL. O ARTIGO FOI PUBLICADO NO ESTADÃO DE 12/08/2009 - AQUI VAI UM RESUMO. O TEXTO COMPLETO VOCÊ ENCONTRA NO SITE DO ESTADÃO ONLINE OU NO NOSSO SITE "www.bengochea.com.br", NO CAMPO "ARTIGOS".
A favor do homem comum - Maria Tereza Aina Sadek
W. S. P. foi preso em maio de 2004 e cinco meses depois, condenado a 18 meses de detenção. Em novembro de 2006 seu advogado requereu a extinção da punibilidade em face do cumprimento integral da pena. Em julho de 2007, depois de uma coleção de ofícios, a juíza da vara de execução penal extinguiu a punibilidade. Em julho de 2009, contudo, W. S. P. continuava preso. Esse é só mais um caso. Há milhares de outros iguais ou ainda mais trágicos, como o de um lavrador que passou quase 11 anos encarcerado sem ter sido julgado. O quadro é desalentador: presos com penas integralmente cumpridas; inocentes presos sem julgamento; réus presos preventivamente há anos, também sem julgamento; indiciados presos, sem oferecimento de denúncia; presos com enfermidades graves, sem tratamento; etc.
As deficiências do sistema carcerário brasileiro são superlativas. Seu caráter perverso não constitui novidade. O retrato é sempre terrível, variando apenas a ênfase num de seus traços postos em evidência. Compõem a cena celas superlotadas, sem condições de higiene, insalubres; pavilhões sem divisões internas e sem triagem por tipo de delito. Recentemente duas jovens turistas inglesas tiveram a oportunidade, no Rio de Janeiro, de provar e proclamar ao mundo a calamidade do sistema prisional brasileiro, dividindo uma cela abarrotada, sem colchão, sem banho, com privada sem descarga. Depois de uma semana conseguiram sair. Deixaram para trás muitas brasileiras que provavelmente ficarão ao abandono, e por muito mais tempo, quaisquer que tenham sido seus delitos. Prisões com tais deficiências, nem seria preciso dizer, não ressocializam, mas são verdadeiras escolas do crime, fábricas de delinquentes, reino da lei do mais forte, tornando draconiano qualquer castigo.
Muitas denúncias já foram feitas sobre as condições de nossas prisões. O conhecimento das irregularidades, contudo, não tem gerado soluções minimamente capazes de amenizar a situação. Aliás, muitas delas não apenas caem no vazio, como instigam o descrédito na pregação pelos direitos humanos e estimulam a defesa de penas mais graves. Ademais, o crescimento da violência e o aumento da insegurança - real ou imaginária - dificultam a elaboração e a concretização de políticas de impacto sobre o sistema prisional.
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ), com suas inspeções e seus mutirões, está invertendo a lógica prevalecente, rompendo o círculo vicioso de denúncias, imobilismo e agravamento da situação. Não se tem tratado nessas ações de meramente descobrir e denunciar culpados, de aguardar alterações legislativas, de esperar por novos presídios. Os mutirões não escusam o Judiciário e todo o sistema de Justiça de seu quinhão de responsabilidade pela situação. O empenho é na direção de verificar processos, diagnosticar irregularidades - sejam elas de quem for -, corrigir problemas, enfim, de levar a lei para um dos espaços que, surpreendentemente, são dos mais avessos à legalidade. Para a efetivação dessa política os mutirões já examinaram 27.956 processos. Os dados consolidados até 6 de agosto indicam que já foram realizados 14 mutirões, que resultaram na concessão de liberdade a 4.860 indivíduos e em benefícios para outros 7.426. Como os mutirões têm trabalhado continuamente, esses números crescem dia a dia. Em média, cerca de 40% dos indivíduos encarcerados se encontravam em situação irregular, que pode ser caracterizada como de abandono da lei.
Do ponto de vista humanitário, ainda que fosse constatado que apenas um detento não deveria estar cumprindo pena, o trabalho do CNJ já seria relevante. O número de casos, contudo, é imenso. Essa ação inovadora da Justiça tem como foco os excluídos, permitindo que a lei não signifique para eles apenas e tão somente a imposição de penalidades. Hastear a bandeira da prevalência da lei pode parecer platitude ou, na melhor das hipóteses, uma plataforma anacrônica, desqualificada às vezes como jurisdicismo liberal. Seu significado, entretanto, é revolucionário, é transformador, especialmente em sociedades que ostentem graus excessivos de desigualdade e exclusão.
A lei é (ou deve ser) a expressão da igualdade, abomina privilégios e discriminações. É simultaneamente constrangimento e proteção. Ora, dirão os céticos, alguns são mais iguais do que outros. A lei não vale para todos os degraus da hierarquia. Os que estão no topo julgam que a lei não vale para eles, não são cidadãos comuns, gozam de privilégios. Nesses casos, a lei não constrange. Os que estão na base, por sua vez, não têm na lei proteção, vivem ao desamparo. Num contexto como esse, o domínio da lei é restrito, porque pouco constrange e pouco protege. Para a vigência do Estado de Direito é imperativo ampliar a efetividade da lei, fazendo-a valer tanto para os que a lei não atinge porque estão (ou se consideram) acima dela como para os que a lei não atinge porque estão abaixo ou fora de sua abrangência. Sem esse domínio da lei a democracia se transforma na democracia formal que algumas facções da esquerda adoram denunciar, sem se dar conta de que a institucionalização do processo democrático requer a efetiva aplicação universal da lei, que precisa ser a mesma para o pobre e para o rico, para os governantes e para os governados.(...)
Maria Tereza Aina Sadek, cientista política, professora do Departamento de Ciência Política da USP, é pesquisadora sênior do Centro Brasileiro de Estudos e Pesquisas Judiciais.
COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - A SUPERLOTAÇÃO NOS PRESÍDIOS TEM COMO UMA DAS CAUSAS A BUROCRACIA QUE EMPERRA O JUDICIÁRIO NA EXECUÇÃO PENAL, DEIXANDO-O DISTANTE DAS QUESTÕES DE ORDEM PÚBLICA, MOROSO NOS JULGAMENTOS, OMISSO NA SUPERVISÃO DA EXECUÇÃO PENAL, BENEVOLENTE NAS DECISÕES, TOLERANTE NAS PUNIÇÕES E CONTRAPARTIDAS, NEGLIGENTE NO TRATO DOS EFEITOS DOS DELITOS, IMPERITO NA APLICAÇÃO COATIVA DA LEI, QUESTIONADOR DAS LEIS E DIVERGENTE NA INTERPRETAÇÃO DELAS. O PODER JUDICIÁRIO BRASILEIRO, O MAIS CARO DE MUNDO E COM UM NÚMEMRO MENOR DE MAGISTRADOS, DESENVOLVE UM SISTEMA DE JUSTIÇA CENTRALIZADOR (UM DOS MAIS AMARRADOS DO MUNDO) SEDIMENTADO EM VOLUMES DE DOCUMENTOS, LONGOS PRAZOS, VARIADOS RECURSOS, DIVERSAS INSTÂNCIAS E COM LEIVADA DE MEDIDAS BASEADAS NA CONVICÇÃO PESSOAL DOS MAGISTRADOS.
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