Facções avançam e dominam o Presídio Central de Porto Alegre. Entre os espaços destinados à entrada de novos presos na maior prisão do RS, 91% são controlados pelos criminosos
Por: Renato Dornelles
ZERO HORA 03/02/2017
Foto: Ronaldo Bernardi / Agencia RBS
Maior prisão do RS, a Cadeia Pública de Porto Alegre, mais conhecida como Presídio Central, está dominada por facções criminosas. Separadas dentro da prisão, as organizações estenderam seus tentáculos ao longo dos últimos 15 anos dominando 10 das 11 galerias para as quais são levados presos que estão ingressando no sistema prisional.
Uma vez lá dentro, eles recebem uma segunda sentença: se não tinham, têm de escolher do lado de qual facção ficar. Viram dependentes e acabam tendo de cumprir depois, nas ruas, uma segunda pena: para pagar dívidas de droga, produtos de higiene e até mesmo de alimentação, precisam voltar para a vida do crime e obedecer às ordens dadas lá de dentro. Eventuais dívidas nunca prescrevem e são pagas com novos crimes, como assaltos e assassinatos.
As 11 galerias formam a "parte nervosa" da cadeia, abrigando 80% dos presos do Central. É nelas que se criam e se fortalecem as facções. Um lugar em que nem mesmo a guarda do presídio entra. São também as mais superlotadas: a semana terminou com 3.619 presos nestes espaços — 3.300 ligados a facções. Outros 20% dos presos — 1.029 nesta semana — são divididos em grupos específicos.
Detentos que não pertencem a nenhuma organização criminosa acabam cooptados já no setor de triagem ou, depois, no pátio. A conquista se dá por promessa de proteção e apoio, com a oferta de bens materiais, incluindo gêneros alimentícios e de higiene.
Fortalecidas por essa arregimentação dentro do próprio presídio, as facções não param de se expandir no Central. Há 15 anos, três grupos ocupavam quatro galerias de um total de 10: 40% da área. Sete anos depois, já eram quatro grupos em seis das 11 galerias: 54% do espaço.
A mudança mais recente foi a destinação da segunda galeria do pavilhão F, que abrigava presos sem vínculos com grupos criminosos, a integrantes de uma facção. Agora são seis organizações criminosas — cinco facções e uma aliança de quadrilhas — em 10 espaços atingindo 91% do local.
— O crime se deu conta da importância do espaço do presídio, e o Estado não — avalia o procurador de Justiça Gilmar Bortolotto.
Ex-subsecretário nacional de Segurança Pública, Guaracy Mingardi alerta que, com o avanço das facções nas galerias, o processo de cooptação tende a se intensificar e os bandos, cada vez mais, a se fortalecer.
— Um grupo costuma se espelhar nos outros. Tem o caso de um que nasceu em um bairro e, ao perceber como atuavam os outros, aprendeu que a atuação dentro de presídios é altamente lucrativa — afirma.
No ano passado, líderes de uma facção chegaram a impedir que um preso fosse retirado do local para ser submetido a julgamento no Tribunal do Júri.
— As facções funcionam no vácuo do Estado. É o outro lado da lógica do "bandido bom é bandido morto". O Estado se afasta, pois ele não irá investir para melhorar o ambiente no qual vivem tais bandidos. Nessa ausência, surgem as facções, que passam a dominar o sistema — detalha o juiz da Vara de Execuções Criminais de Porto Alegre Sidinei Brzuska.
O diretor da prisão, coronel Marcelo Gayer, não quis se manifestar sobre o assunto.
Crescimento à base de ilegalidades
Além da omissão no interior das prisões, para a socióloga Julita Lemgruber, coordenadora do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Candido Mendes (RJ), o Estado peca ao não cumprir as leis. Isso, segundo ela, provoca a expansão das facções.
— O novo preso, aquele que chega a uma prisão pela primeira vez por ter descumprido leis do lado de fora, depara com uma realidade em que as leis são descumpridas 24 horas por dia. Em unidades com espaços limitadíssimos, superlotação e facções, como ocorre no Presídio Central, é lógico que os grupos vão continuar crescendo à base desse combustível — diz.
Entre as ilegalidades elencadas pela socióloga, estão a não separação de presos provisórios dos condenados, dos primários e dos reincidentes.
— A gente tende a responsabilizar as administrações, mas o Judiciário também tem sua responsabilidade. Há um estrangulamento na entrada e na saída de presos, com provisórios permanecendo longos períodos sem julgamento, e condenados com demora na hora de receber a progressão de regime. Isso mantém os presídios superlotados. Em vez de defender a criação de mais vagas, o Judiciário deveria buscar uma solução para esse estrangulamento.
Para o juiz Sidinei Brzuska, enquanto não houver uma reação do Estado, a tendência é o fortalecimento do crime.
— Cada vez mais aumenta a taxa de retorno, com os mesmos presos saindo e voltando para o sistema várias vezes, sendo comum o agravamento dos crimes cometidos por eles.
Solução passa por mudança cultural
Diferentes soluções são apontadas por especialistas e representantes do Judiciário e do MP. Guaracy Mingardi lança um alerta:
— É uma situação que parece irreversível se for mantido o atual modelo de prisões no Brasil, no qual o Estado não controla os presídios e acaba fazendo diferente do que a lei manda. Com essa falta de controle, não vejo solução.
Para ele, a médio e longo prazo podem ocorrer mudanças positivas, se houver vontade política.
— A solução pode se dar em uns 20 anos, se o Estado decidir retomar o controle. Seria necessário separar os presos por grau de periculosidade, ter gente para manter o controle e cumprir a lei.
Brzuska defende mais investimento
— Como a nossa taxa de encarceramento é muito elevada, esse custo torna-se altíssimo, tendo ainda o ônus político, de gastar mais com presos que com saúde e educação.
Bortolotto acredita que mudanças poderão ser iniciadas a partir de outras prisões, como o Complexo Penitenciário de Canoas:
— No Central, não tem muito o que fazer. Em um sistema novo, tem que levar o preso novo, "descontaminado", e não deixar entrar a cultura velha, das facções. É preciso preservar os novos espaços e alimentá-los com uma nova cultura.
Como funciona o chamado "Fundo da Cadeia"
Para evitar conflitos e mortes, as facções estão separadas por galerias. O criminoso autuado em flagrante ou com prisão provisória , quando chega ao Presídio Central, é levado para o setor de triagem. Neste local, ele recebe a opção de escolher a galeria para a qual quer ir, entre as disponíveis, nos pavilhões A, B, D e F. O pavilhão C foi destruído em 2014, quando o plano era demolir o Central. Se ele já pertence a alguma facção, é encaminhado à respectiva galeria controlada pelo grupo. Caso ainda seja independente e não queira se envolver com organizações criminosas, só resta a primeira galeria do pavilhão F que, pelo menos em tese, não é dominada.a a primeira galeria do pavilhão F que, pelo menos em tese, não é dominada.
COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - CONSEQUÊNCIA DE UMA EXECUÇÃO PENAL IRRESPONSÁVEL, PERMISSIVA E LENIENTE, SEM FINALIDADE E SEM OBJETIVOS. O único espaço de controle do Estado é a segurança externa. O pior é que este tipo de denúncia pela mídia é mais uma entre tantas ao longo do tempo, crescendo em proporção e gravidas, e mesmo assim os Poderes e Órgãos da execução penal continuam com ações paliativas se omitindo na apuração de responsabilidade com a devida representação da Defensoria e denúncia do Ministério Público exigindo o processo legal, urgente, pois há vidas humanas em perigo, vivendo no ócio, na insegurança e na insalubridade, submetidas ao medo e sendo aliciadas, preparadas, estimuladas ao crime e executadas pelas facções organizadas.
Se fosse apurada a responsabilidade, os culpados seriam punidos e serviriam de exemplo aos demais, pois se trata de crime contra os direitos humanos e crime de responsabilidade, entre outros. Não há investimentos em presídios para atender a finalidade da pena e os objetivos da execução penal. Não há celeridade nos processos para apurar a ilicitude cometida, julgar a gravidade do crime, estabelecer a pena e garantir direitos aos presos provisórios e às suas vítimas. Não há divisão dos presos para tentar recuperar aqueles que querem e nem manter isolados os perigosos e reincidentes, mantendo juntos e misturados para subjugar, aliciar, recrutar e fomentar ainda mais o crime. Não há celas e nem disciplina nas galerias. O Presídio está depredado e com fiação elétrica detonada. As facções negociam e impõem lei, ordem e justiça própria dentro do ambiente prisional. A desumanidade se vê nas condições precárias, deterioradas e insalubres do Presídio Central. E o controle do Estado se limita à contagem dos presos, à negociação e à segurança externa.
Por: Renato Dornelles
ZERO HORA 03/02/2017
Foto: Ronaldo Bernardi / Agencia RBS
Maior prisão do RS, a Cadeia Pública de Porto Alegre, mais conhecida como Presídio Central, está dominada por facções criminosas. Separadas dentro da prisão, as organizações estenderam seus tentáculos ao longo dos últimos 15 anos dominando 10 das 11 galerias para as quais são levados presos que estão ingressando no sistema prisional.
Uma vez lá dentro, eles recebem uma segunda sentença: se não tinham, têm de escolher do lado de qual facção ficar. Viram dependentes e acabam tendo de cumprir depois, nas ruas, uma segunda pena: para pagar dívidas de droga, produtos de higiene e até mesmo de alimentação, precisam voltar para a vida do crime e obedecer às ordens dadas lá de dentro. Eventuais dívidas nunca prescrevem e são pagas com novos crimes, como assaltos e assassinatos.
As 11 galerias formam a "parte nervosa" da cadeia, abrigando 80% dos presos do Central. É nelas que se criam e se fortalecem as facções. Um lugar em que nem mesmo a guarda do presídio entra. São também as mais superlotadas: a semana terminou com 3.619 presos nestes espaços — 3.300 ligados a facções. Outros 20% dos presos — 1.029 nesta semana — são divididos em grupos específicos.
Detentos que não pertencem a nenhuma organização criminosa acabam cooptados já no setor de triagem ou, depois, no pátio. A conquista se dá por promessa de proteção e apoio, com a oferta de bens materiais, incluindo gêneros alimentícios e de higiene.
Fortalecidas por essa arregimentação dentro do próprio presídio, as facções não param de se expandir no Central. Há 15 anos, três grupos ocupavam quatro galerias de um total de 10: 40% da área. Sete anos depois, já eram quatro grupos em seis das 11 galerias: 54% do espaço.
A mudança mais recente foi a destinação da segunda galeria do pavilhão F, que abrigava presos sem vínculos com grupos criminosos, a integrantes de uma facção. Agora são seis organizações criminosas — cinco facções e uma aliança de quadrilhas — em 10 espaços atingindo 91% do local.
— O crime se deu conta da importância do espaço do presídio, e o Estado não — avalia o procurador de Justiça Gilmar Bortolotto.
Ex-subsecretário nacional de Segurança Pública, Guaracy Mingardi alerta que, com o avanço das facções nas galerias, o processo de cooptação tende a se intensificar e os bandos, cada vez mais, a se fortalecer.
— Um grupo costuma se espelhar nos outros. Tem o caso de um que nasceu em um bairro e, ao perceber como atuavam os outros, aprendeu que a atuação dentro de presídios é altamente lucrativa — afirma.
No ano passado, líderes de uma facção chegaram a impedir que um preso fosse retirado do local para ser submetido a julgamento no Tribunal do Júri.
— As facções funcionam no vácuo do Estado. É o outro lado da lógica do "bandido bom é bandido morto". O Estado se afasta, pois ele não irá investir para melhorar o ambiente no qual vivem tais bandidos. Nessa ausência, surgem as facções, que passam a dominar o sistema — detalha o juiz da Vara de Execuções Criminais de Porto Alegre Sidinei Brzuska.
O diretor da prisão, coronel Marcelo Gayer, não quis se manifestar sobre o assunto.
Crescimento à base de ilegalidades
Além da omissão no interior das prisões, para a socióloga Julita Lemgruber, coordenadora do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Candido Mendes (RJ), o Estado peca ao não cumprir as leis. Isso, segundo ela, provoca a expansão das facções.
— O novo preso, aquele que chega a uma prisão pela primeira vez por ter descumprido leis do lado de fora, depara com uma realidade em que as leis são descumpridas 24 horas por dia. Em unidades com espaços limitadíssimos, superlotação e facções, como ocorre no Presídio Central, é lógico que os grupos vão continuar crescendo à base desse combustível — diz.
Entre as ilegalidades elencadas pela socióloga, estão a não separação de presos provisórios dos condenados, dos primários e dos reincidentes.
— A gente tende a responsabilizar as administrações, mas o Judiciário também tem sua responsabilidade. Há um estrangulamento na entrada e na saída de presos, com provisórios permanecendo longos períodos sem julgamento, e condenados com demora na hora de receber a progressão de regime. Isso mantém os presídios superlotados. Em vez de defender a criação de mais vagas, o Judiciário deveria buscar uma solução para esse estrangulamento.
Para o juiz Sidinei Brzuska, enquanto não houver uma reação do Estado, a tendência é o fortalecimento do crime.
— Cada vez mais aumenta a taxa de retorno, com os mesmos presos saindo e voltando para o sistema várias vezes, sendo comum o agravamento dos crimes cometidos por eles.
Solução passa por mudança cultural
Diferentes soluções são apontadas por especialistas e representantes do Judiciário e do MP. Guaracy Mingardi lança um alerta:
— É uma situação que parece irreversível se for mantido o atual modelo de prisões no Brasil, no qual o Estado não controla os presídios e acaba fazendo diferente do que a lei manda. Com essa falta de controle, não vejo solução.
Para ele, a médio e longo prazo podem ocorrer mudanças positivas, se houver vontade política.
— A solução pode se dar em uns 20 anos, se o Estado decidir retomar o controle. Seria necessário separar os presos por grau de periculosidade, ter gente para manter o controle e cumprir a lei.
Brzuska defende mais investimento
— Como a nossa taxa de encarceramento é muito elevada, esse custo torna-se altíssimo, tendo ainda o ônus político, de gastar mais com presos que com saúde e educação.
Bortolotto acredita que mudanças poderão ser iniciadas a partir de outras prisões, como o Complexo Penitenciário de Canoas:
— No Central, não tem muito o que fazer. Em um sistema novo, tem que levar o preso novo, "descontaminado", e não deixar entrar a cultura velha, das facções. É preciso preservar os novos espaços e alimentá-los com uma nova cultura.
Como funciona o chamado "Fundo da Cadeia"
Para evitar conflitos e mortes, as facções estão separadas por galerias. O criminoso autuado em flagrante ou com prisão provisória , quando chega ao Presídio Central, é levado para o setor de triagem. Neste local, ele recebe a opção de escolher a galeria para a qual quer ir, entre as disponíveis, nos pavilhões A, B, D e F. O pavilhão C foi destruído em 2014, quando o plano era demolir o Central. Se ele já pertence a alguma facção, é encaminhado à respectiva galeria controlada pelo grupo. Caso ainda seja independente e não queira se envolver com organizações criminosas, só resta a primeira galeria do pavilhão F que, pelo menos em tese, não é dominada.a a primeira galeria do pavilhão F que, pelo menos em tese, não é dominada.
COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - CONSEQUÊNCIA DE UMA EXECUÇÃO PENAL IRRESPONSÁVEL, PERMISSIVA E LENIENTE, SEM FINALIDADE E SEM OBJETIVOS. O único espaço de controle do Estado é a segurança externa. O pior é que este tipo de denúncia pela mídia é mais uma entre tantas ao longo do tempo, crescendo em proporção e gravidas, e mesmo assim os Poderes e Órgãos da execução penal continuam com ações paliativas se omitindo na apuração de responsabilidade com a devida representação da Defensoria e denúncia do Ministério Público exigindo o processo legal, urgente, pois há vidas humanas em perigo, vivendo no ócio, na insegurança e na insalubridade, submetidas ao medo e sendo aliciadas, preparadas, estimuladas ao crime e executadas pelas facções organizadas.
Se fosse apurada a responsabilidade, os culpados seriam punidos e serviriam de exemplo aos demais, pois se trata de crime contra os direitos humanos e crime de responsabilidade, entre outros. Não há investimentos em presídios para atender a finalidade da pena e os objetivos da execução penal. Não há celeridade nos processos para apurar a ilicitude cometida, julgar a gravidade do crime, estabelecer a pena e garantir direitos aos presos provisórios e às suas vítimas. Não há divisão dos presos para tentar recuperar aqueles que querem e nem manter isolados os perigosos e reincidentes, mantendo juntos e misturados para subjugar, aliciar, recrutar e fomentar ainda mais o crime. Não há celas e nem disciplina nas galerias. O Presídio está depredado e com fiação elétrica detonada. As facções negociam e impõem lei, ordem e justiça própria dentro do ambiente prisional. A desumanidade se vê nas condições precárias, deterioradas e insalubres do Presídio Central. E o controle do Estado se limita à contagem dos presos, à negociação e à segurança externa.
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