Conteúdo Jurídico, Sábado, 23 de Julho de 2011
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» Fabíola dos Santos Araújo
Resumo: A psicopatia é considerada um transtorno de personalidade com traços notáveis de comportamento antissocial. O psicopata não possui consciência moral nem empatia, fatores que os tornam muito perigosos sob o ponto de vista legal. O objetivo desse artigo é apresentar um breve resumo sobre o transtorno e suas características, distingui-lo das doenças mentais e apontar os crimes mais comumente praticados por criminosos psicopatas.
Palavras-chave: criminologia, psicopatia, transtorno da personalidade dissocial, transtorno da personalidade antissocial
Psychopathic criminal’s profile
Abstract: Psychopathy is a personality disorder with remarkable traits of antissocial behavior. The psychopath doesn’t have moral conscience and empathy, these factors make him very dangerous on legal viewpoint. This paper presents a short summary about the disorder and its characteristics, distinguishes it from mental diseases and lists the common crimes that are practiced by psychopathic criminals.
Keywords: criminology, psychopathy, dissocial personality disorder, antissocial personality disorder.
INTRODUÇÃO
Este artigo tem por objetivo apresentar um breve estudo sobre as características do criminoso psicopata e os crimes mais usuais cometidos por pessoas que apresentam esse transtorno. O trabalho teve por base o estudo de livros que abordam a psicopatia, assim como artigos científicos. O método utilizado foi o dedutivo e o exposto foi obtido através das leituras do material bibliográfico. O tema é de grande relevância para o estudo da Criminologia, em correlação com o Direito Penal, a Psiquiatria e a Psicologia.
Personalidade, do latim personalis, pessoal, é a soma de muitos caracteres diferentes e variáveis, intelectuais, afetivos e físicos, que confere a cada pessoa uma individualidade como uma semelhança a seus iguais. A personalidade significa a organização física, psíquica, social e cultural do indivíduo. Para o alemão Kempf, a “personalidade é representada pelo modo habitual de ajustamento que o organismo efetua entre as exigências individuais e as do ambiente” (MIELNIK, 1987, p. 208).
Em geral, os psicólogos e os psiquiatras tendem a dizer que psicopatas são indivíduos com personalidade anormal.
O psiquiatra alemão Kurt Schneider (1887-1967) definiu, em 1923, que psicopatas são aquelas personalidades anormais que sofrem por sua anormalidade ou causam sofrimento para a sociedade.
Os psicopatas causam sofrimento, porque não têm consciência moral e, também, empatia.
O psicólogo norte-americano Daniel Goleman define a empatia com sendo “a compreensão dos sentimentos dos outros e a adoção da perspectiva deles, e o respeito às diferenças no modo como as pessoas encaram as coisas” (GOLEMAN, 2001, p. 282). A empatia é essencial no desenvolvimento do comportamento altruísta, afetivo e moral, ou seja, na forma como o indivíduo age perante as pessoas com as quais se inter-relaciona.
A empatia, reforçada pelo código de moral e de ética aprendido, funciona como um freio para as atitudes humanas. O psicopata não se comove com o sofrimento alheio e pode cometer atrocidades sem sentir remorso ou temer punições.
Segundo Luís Rey, consciência é o “estado do aparelho psíquico que permite ao indivíduo compreender tudo aquilo que percebe do mundo exterior, através dos sentidos, e tomar conhecimento a cada instante de sua própria existência com tudo que ela comporta” (REY, 1999, p. 177).
A consciência moral é conhecer, ter e respeitar a conduta moral do meio em que vive. Para a psicologia, há três aspectos importantes da consciência moral:
- julgamento moral (L. Kohlberg e J. Piaget);
- conduta moral (R. Hogan); e
- valores morais (H. J. Eysenck).
O desenvolvimento do julgamento moral decorre, segundo a concepção da psicologia do desenvolvimento cognitivo (Kohlberg, em ligação com Piaget) em seis estágios:
1-orientação pelo castigo (obediência);
2- orientação egoísta-ingênua;
3- orientação pela aprovação social;
4-autoridade e ordem social;
5- orientação pelo contrato legal; e só então
6- orientação pela consciência moral, isto é, por princípios universalmente válidos.
As dimensões da conduta moral são para Hogan:
1-conhecimento das regras morais;
2-socialização;
3-empatia com os outros;
4-autonomia (consciência versus responsabilidade) e
5-julgamento moral. (DORSCH; HÄCKER; STAPF, 2001, pp. 184-185)
Nesse diapasão, é necessário relacionar ao exposto o sentido de consciência de norma como sendo a prontidão para observar as prescrições sociais do comportamento, que pressupõe tanto o conhecimento das normas, sua valorização positiva, como também, a prontidão motivacional para cumpri-las. O psicopata conhece as normas sociais e legais, porém não as respeita, e não as respeitando, não as cumpre nem as teme, agindo sempre em favor de seus próprios interesses e sem considerar os sentimento dos outros.
No dizer da psiquiatra brasileira Ana Beatriz Barbosa Silva, “a consciência está profundamente alicerçada em nossa habilidade de amar, em criar vínculos afetivos e nos abastecer dos mais nobres sentimentos” (SILVA, 2010, p. 33.), sentimentos que o psicopata não possui.
1 Breve histórico dos estudos sobre psicopatia
Atribui-se à escola de psiquiatria alemã a introdução da palavra psicopatia nos estudos científicos.
Em 1888, o psiquiatra alemão J. L. A. Koch apresentou o termo inferioridade psicopática.
Emil Kraepelin (1856-1926), psiquiatra alemão, dedicou anos estudando as desordens de comportamento de pacientes hospitalizados em Munique. Em 1904, Kraepelin definiu a personalidade psicopática, caracterizando-a como uma personalidade não desenvolvida nas esferas afetiva e volitiva e fronteiriça com a psicose.
Kurt Schneider deu propulsão aos estudos da psicopatia ao defender que esta era um distúrbio da personalidade e não, uma doença. Schneider distinguiu dez tipos de personalidade psicopáticas: hipertímicos, deprimidos, medrosos, fanáticos, vaidosos, lábeis de humor, explosivos, frios, abúlicos e astênicos (GOMES; GARCÍA-PABLOS DE MOLINA, 2008, p. 275).
O trabalho do psiquiatra norte-americano Hervey Milton Cleckley (1903-1984), The Mask of Sanity (A Máscara da Sanidade), publicado em 1941, é reconhecido como o primeiro estudo completo sobre a psicopatia e o que fornece uma das definições mais completas.
O psicólogo canadense Robert D. Hare, após anos de estudos, formulou, em 1991, um questionário chamado Psychopathy Checklist-Revised – PCL-R, ou escala Hare, considerado, atualmente, o método mais confiável na identificação de psicopatas.
2 Conceito
A palavra psicopatia, etimologicamente, vem do grego psyché, alma, e pathos, enfermidade. O conceito de psicopatia não é consenso entre os especialistas, entretanto, apesar das inúmeras definições diversificadas, acorda-se que a psicopatia é um transtorno da personalidade e não, uma doença mental.
O transtorno da personalidade
[...] exige a constatação de um padrão permanente de experiência interna e de comportamento que se afasta das expectativas da cultura do sujeito, manifestando-se nas áreas cognoscitiva, afetiva, da atividade interpessoal, ou dos impulsos, referido padrão persistente é inflexível, desadaptativo, exibe longa duração de início precoce (adolescência ou início da idade adulta) e ocasiona um mal-estar ou deteriorização funcional em amplas gamas de situações pessoais e sociais do indivíduo. (GOMES; GARCÍA-PABLOS DE MOLINA, 2008, p. 284)
A Organização Mundial de Saúde, OMS, utiliza o termo Transtorno de Personalidade Dissocial e o registra no CID-10[1] (Classificação Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde) sob o código F60.2:
Transtorno de personalidade caracterizado por um desprezo das obrigações sociais, falta de empatia para com os outros. Há um desvio considerável entre o comportamento e as normas sociais estabelecidas. O comportamento não é facilmente modificado pelas experiências adversas, inclusive pelas punições. Existe uma baixa tolerância à frustração e um baixo limiar de descarga da agressividade, inclusive da violência. Existe uma tendência a culpar os outros ou a fornecer racionalizações plausíveis para explicar um comportamento que leva o sujeito a entrar em conflito com a sociedade.
Personalidade (transtorno da):
- amoral
- antissocial
- associal
- psicopática
- sociopática.
A Associação Americana de Psiquiatria (American Psychiatric Association – APA) prefere a expressão Transtorno da Personalidade Antissocial sob o código 301.7. Em seu manual DSM-IV-TR[2] – Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais), a instituição apresenta critérios diagnósticos do transtorno:
Critérios Diagnósticos para Transtorno da Personalidade Antissocial
A. Um padrão global de desrespeito e violação dos direitos dos outros, que ocorre desde os 15 anos, como indicado por pelo menos três dos seguintes critérios:
(1) incapacidade de adequar-se às normas sociais com relação a comportamentos lícitos, indicada pela execução repetida de atos que constituem motivo de detenção
(2) propensão para enganar, indicada por mentir repetidamente, usar nomes falsos ou ludibriar os outros ara obter vantagens pessoais ou prazer
(3) impulsividade ou fracasso em fazer planos para o futuro
(4) irritabilidade e agressividade, indicadas por repetidas lutas corporais ou agressões físicas
(5) desrespeito irresponsável pela segurança própria ou alheia
(6) irresponsabilidade consistente, indicada por um repetido fracasso em manter um comportamento laboral consistente ou de honrar obrigações financeiras
(7) ausência de remorso, indicada por indiferença ou racionalização por ter ferido, maltratado ou roubado alguém
B. O indivíduo tem no mínimo 18 anos de idade.
C. Existem evidências de Transtorno da Conduta com início antes dos 15 anos de idade.
D. A ocorrência do comportamento antissocial não se dá exclusivamente durante o curso de Esquizofrenia ou Episódio Maníaco.
3 Investigações empíricas
Tem-se dado importância a estudos experimentais para se mostrar a relação fisiológica do cérebro com a psicopatia. Modelos empíricos demonstram que psicopatas apresentam disfunções dos circuitos cerebrais relacionados à emoção.
O sistema límbico, formado por estruturas corticais e subcorticais, é responsável pelas emoções humanas (SILVA, 2010, p. 183) e por parte da aprendizagem e da memória (GOLEMAN, 2001, p. 29). A amígdala cortical, estrutura localizada no interior do lobo temporal, “é especialista em questões emocionais” (GOLEMAN, 2001, p. 29). “A amígdala cortical funciona como um depósito da memória emocional e, portanto, do próprio significado” (GOLEMAN, 2001, p. 29).
A região cerebral envolvida nos processos racionais é o lobo pré-frontal. Parte do lobo pré-frontal, o córtex medial pré-frontal, recebe influência do sistema límbico, mais especificadamente da amígdala, e atua na tomada de decisões pessoais e sociais. Assim, verifica-se a interconexão entre o sistema límbico, responsável pela parte emocional, e o lobo pré-frontal, pela parte racional do pensamento, e o resultado disso é determinante no comportamento social adequado, o que o psicopata não possui.
Através de pesquisas com aparelhos de ressonância magnética funcional (RMf), psicólogos e neurocientistas puderam estudar as estruturas cerebrais envolvidas nas emoções e constataram
[...] alterações características de um funcionamento cerebral de um psicopata. Pessoas sem qualquer traço psicopático revelaram intensa atividade da amígdala e do lobo frontal (sendo neste de menor intensidade), quando foram estimuladas a se imaginarem cometendo atos imorais ou perversos. No entanto, quando os mesmos testes foram realizados num grupo de psicopatas criminosos, os resultados apontaram para uma resposta débil nos mesmos circuitos. (SILVA, 2010, p. 187)
Pelo fato de serem hipofuncionantes, as amígdalas do psicopata
[...] deixam de transmitir, de forma correta, as informações para que o lobo frontal possa desencadear ações ou comportamentos adequados. Chegam menos informações do sistema afetivo/límbico para o centro executivo do cérebro (lobo frontal), o qual, sem dados emocionais, prepara um comportamento lógico, racional, mas desprovido de afeto. (SILVA, 2010, p. 187)
O psicopata possui uma capacidade muito limitada de sentir e responder às emoções em comparação com o não psicopata (GOMES; GARCÍA-PABLOS DE MOLINA, 2008, p. 278). Em experimentos que imaginam frases de forte conteúdo emotivo, pessoas não psicopatas têm aceleração do ritmo cardíaco e contrações dos músculos faciais, enquanto os psicopatas não evidenciam diferenças significativas nesses aspectos. Investigações utilizando scanner, para medir a ativação cerebral ao lerem palavras neutras e palavras de alto conteúdo emotivo, concluíram que “os cérebros dos psicopatas mostraram maior atividade que os cérebros dos não psicopatas ante palavras de carga emotiva que palavras neutras, isto é, os psicopatas hão de se esforçar mais para reconhecer e processar as palavras com carga emocional que as neutras” (GOMES; GARCÍA-PABLOS DE MOLINA, 2008, p. 279). Estudos utilizando pequenas descargas elétricas constataram que indivíduos psicopatas são menos sensíveis ao medo e que dispõem de um mecanismo mental que desconectam os sinais de medo e de ansiedade associados à ameaça das descargas: o ritmo cardíaco dos psicopatas decresce, ao passo que o dos não psicopatas se eleva (GOMES; GARCÍA-PABLOS DE MOLINA, 2008, p. 278).
4 Investigações teóricas[3]
Paralelamente aos estudos empíricos, há modelos teóricos que procuram investigar o comportamento psicopático e explicá-lo.
Atualmente, destacam-se dois modelos teóricos: o biológico-conductual ou de condicionamento do processo de socialização, do psicólogo teuto-britânico Hans Jürgen Eysenck (1916-1997), com colaboração do psicólogo e criminalista britânico Gordon Blair Trasler (1929-2002), e o biossocial, do psicólogo norte-americano Sarnoff A. Mednick.
4.1 Modelo biológico-conductual
O modelo de Eysenck e Trasler baseia-se no condicionamento clássico ou aprendizagem por associação de estímulos. Para os pesquisadores, a criança aprende através de reflexos condicionados: cada vez que é castigada ou reprimida pelos pais, que lhe aplicam uma sanção (estímulo incondicionado), a criança associa (aprendizagem) tal sanção a condutas proibidas (estímulo condicionado) e desenvolve uma consciência de medo ou de ansiedade (reação condicionada) de que comportamentos semelhantes devem ser evitados no futuro.
Segundo Eysenck, os psicopatas são incapazes de se condicionarem em virtude de possuírem uma muito ilimitada atividade cortical. A propensão dos psicopatas para exibirem comportamentos criminais ocorre porque tais indivíduos não conseguem formar uma consciência sólida, em virtude de incapacidade de condicionamento congênito e de incompetente processo de socialização dos pais, ou responsáveis, que não os condicionaram eficazmente.
Eysenck resume em quatro fases a dinâmica criminal: defeito congênito de condicionamento nas personalidades psicopáticas por uma insuficiente ativação cortical; comportamento criminal instintivo, natural, que se reforça; falta de consciência do desenvolvimento de um reflexo condicionado que permita associar conduta delitiva e castigo ou angústia no sentido dos processos de condicionamento ou aprendizagem ‘clássica’; ausência de todo o corte pessoal inibitório do comportamento criminoso por causa da péssima capacidade de condicionamento. (GOMES; GARCÍA-PABLOS DE MOLINA, 2008, p. 280)
4.2 Modelo biossocial
O modelo de Mednick apóia-se na aprendizagem operante ou instrumental: o homem aprende pelas consequências de seus atos, castigos ou recompensas. A criança que tem um sistema neurovegetativo muito sensível, que responde e se recupera rápido do medo ao castigo, conta com um rápido reforço para inibir comportamento desaprovados e aprende a agir conforme a lei – evita o castigo antecipando-o mentalmente e desenvolve mecanismos de inibição frente a atos desabonados socialmente.
Para Mednick, o psicopata aprende mal, ou não aprende, comportamentos ou atos prescritos por leis, porque possui o sistema nervoso vegetativo deficitário: este reage pouco diante do temor ao castigo.
Sarnoff A. Mednick descreve assim a resposta das personalidades psicopáticas: lenta recuperação do sistema neurovegetativo uma vez excitado pelo temor (ao castigo); hipoatividade congênita; planificação do comportamento proibido; reduzida e lenta mitigação de temor ao castigo, escasso ou nulo reforço (recompensa) dos mecanismos inibitórios frente ao comportamento proibido por causa da péssima capacidade de recuperação do sistema neurovegetativo; reduzida capacidade de aprendizagem do comportamento socialmente aprovado. (GOMES; GARCÍA-PABLOS DE MOLINA, 2008, pp. 280-281)
5 Características
A psicopatia apresenta níveis variados de gravidade: leve, moderado e grave, o que faz com que as características do transtorno sejam percebidas de formas variadas, ou seja, nem todos os psicopatas apresentam as mesmas características em número e grau iguais. Alguns podem tender para o cometimento de crimes contra o patrimônio, como o furto e o dano, enquanto outros realizam crimes contra a pessoa, a exemplo do homicídio e dos maus-tratos.
Em 1966, após avaliar os estudos existentes sobre o assunto, Craft detectou dois traços primários na personalidade psicopática: uma incapacidade de responder emocionalmente em situações nas quais se esperaria alguma resposta, tratando-se de uma pessoa normal, e uma irresistível tendência a atuar impulsivamente (GOMES; GARCÍA-PABLOS DE MOLINA, 2008, p. 297). Provêm desses traços primários características secundárias como “agressividade, ausência de sentimentos de culpa, falta de motivação ou impulsão positiva, não influenciabilidade pelo temor ao castigo etc.” (GOMES; GARCÍA-PABLOS DE MOLINA, 2008, p. 297).
O psicólogo espanhol Vicente Garrido Genovês analisou recentes investigações psiquiátricas e constatou que a psicopatia é composta por duas dimensões que dizem respeito à área emocional e ao estilo de vida antissocial. Em relação à dimensão referente à área emocional, o psicopata não possui a capacidade de se vincular emocionalmente aos seus semelhantes, sendo egocêntrico (narcisismo e elevada autoestima), manipulador (loquacidade, encanto superficial), mentiroso (enganos com convicção e sem necessidade) e cruel (total ausência de remorso e culpa, falta de empatia e déficit afetivo).O organismo dos psicopatas não apresenta respostas psicofisiológicas relacionadas com o medo e à ansiedade. A dimensão relativa ao estilo de vida antissocial caracteriza o psicopata como agressivo (necessidade de sentir tensão constantemente), impulsivo (agir ditado pelo capricho ou pelos ímpetos e desejo permanente de alcançar a satisfação imediata), irresponsável (inexiste preocupação com a repercussão negativa de seu comportamento para as pessoas em seu entorno) e insensível (percepção positiva das atitudes cruéis cometidos contra pessoas e animais). Essas características “fazem do psicopata um indivíduo especialmente preparado para patrocinar as empreitadas criminais mais absurdas e para executar delitos com uma violência desproporcional e gratuita” (GOMES; GARCÍA-PABLOS DE MOLINA, 2008, p. 274).
Daniel Goleman evidencia que os psicopatas são “deslavados mentirosos, prontos a dizer qualquer coisa para conseguir o que querem, e manipulam as emoções das vítimas com o mesmo cinismo” (GOLEMAN, 2001, p. 121). “A violência deles parece ser um ato de terrorismo calculado” (GOLEMAN, 2001, p. 122) e tais indivíduos “não se preocupam com punições futuras pelos atos que praticam. E como eles próprios não sentem medo, não há lugar para a empatia – ou piedade – em relação ao medo e à dor de suas vítimas” (GOLEMAN, 2001, p. 123).
No livro Mentes perigosas: o psicopata mora ao lado, a psiquiatra Ana Beatriz B. Silva pontua os traços distintivos do psicopata: frio, calculista, mentiroso, cruel, charmoso, atraente, dissimulado, desprovido de culpa, remorso e empatia, perverso, transgressor de regras sociais, imoral, impiedoso, com grande poder de convencimento, egocêntrico, insensível, manipulador, incapaz de aprender através da experiência, com grande capacidade de fazer intrigas e usar pessoas com a única intenção de atingir seus objetivos. A autora examina a falta de responsabilidade e os problemas comportamentais precoces dos psicopatas. Os psicopatas não honram obrigações e compromissos, seja no trabalho, nas relações interpessoais e na família. Ana Beatriz B. Silva destaca que a vigilância dos pais e a educação dada por eles podem reforçar as manifestações do transtorno e assegura que “quando em grau leve e detectada ainda precocemente, a psicopatia pode, em alguns casos, ser modulada através de uma educação mais rigorosa” (SILVA, 2010, p. 197). Assim, percebe-se que além do fator orgânico (ou neurobiológico), a psicopatia também sofre influências do meio social no qual o psicopata se encontra inserido.
Robert Hare aponta os aspectos[4] marcantes na personalidade psicopática: superficialidade e manipulação das relações, autoestima grandiosa, mentira patológica, falta de remorso, afeto superficial, falta de empatia, não aceitação de responsabilidade pelos próprios atos, impulsividade, parasitismo em relação aos outros, falta de objetivos realistas, problemas de comportamento precoces, delinquência na juventude, versatilidade criminosa e revogação de liberdade condicional.
6.Psicopatia e doenças mentais
A psicopatia é um transtorno comportamental e não, uma doença mental. Para a Psiquiatria, a psicopatia não é uma enfermidade mental, porque o psicopata não sofre alucinações e delírios, não apresenta manifestações neuróticas nem desorientações quanto ao tempo, ao lugar e às pessoas e não tem intenso sofrimento mental, como ansiedade, depressão ou pânico, características de enfermos mentais.
O neurótico (transtornos neuróticos) é consciente que possui uma enfermidade e sofre por isso, com alta ansiedade. O psicopata não sofre por sua condição nem manifesta ansiedade.
Na psicose (CID-10 – (F20 a F29); 298.X) há perda de contato com a realidade e a quebra com a própria identidade biográfica, acompanhadas de delírios e alucinações, mudanças profundas do estado de humor e transtornos de conduta extremos.
O paranoico sofre delírios crônicos e sistemáticos e, em decorrência disso, acha-se em erro e fora da realidade. O psicopata mente, engana, manipula a realidade, porém não a cria.
O psicopata não tem alucinações ou delírios típicos da esquizofrenia (CID-10 – (F20.X) ; 295.X), na qual há rompimento com a realidade e com a identidade. O psicopata “não tem capacidade para ver-se a si mesmo como os outros o veem, para conhecer como sentem os demais quando o veem, para apreciar os afetos e valores que suscite nos outros a sua existência” (GOMES; GARCÍA-PABLOS DE MOLINA, 2008, pp. 275-276).
7.Conflitos com o sistema legal
Estudos empíricos na cidade de Tübingen, Alemanha, na década de 1960, feitos pelo criminólogo Hans Göppinger, levaram-no a associar comportamentos de determinados indivíduos com personalidades “anômalas”, suas características psíquicas e a projeção de tais atos na vida social. Göppinger concluiu que certos tipos de psicopatas (sem se distanciar da classificação de K. Schneider) podiam ser úteis para a Criminologia, devido à relação de traços da personalidade desses e suas reações na convivência social (GOMES; GARCÍA-PABLOS DE MOLINA, 2008, p. 275).
Devido ao constante comportamento transgressor e antissocial, o psicopata tende a cometer infrações penais. Conforme registra Ana Beatriz B. Silva,
[...] os psicopatas têm total ciência dos seus atos (...) sabem perfeitamente que estão infringindo regras sociais e por que estão agindo dessa maneira. A deficiência deles (...) está no campo dos afetos e das emoções. Assim, para eles, tanto faz ferir, maltratar ou até matar alguém que atravesse o seu caminho ou os seus interesses, mesmo que esse alguém faça parte de seu convívio íntimo. (SILVA, 2010, p. 44)
Para a psiquiatra, “os psicopatas não apenas transgridem as normas sociais como também as ignoram e as consideram meros obstáculos, que devem ser superados na conquista de suas ambições e seus prazeres” (SILVA, 2010, p. 102).
Eles jamais deixarão de apresentar comportamentos antissociais; o que pode mudar é a forma de exercer suas atividades ilegais durante a vida (roubos, golpes, desvio de verba, estupro, sequestro, assassinato etc.). Em outras palavras, a maioria dos psicopatas não é expert numa atividade criminal específica, mas sim ‘passeia’ pelas mais diversas categorias de crimes, o que Hare denomina versatilidade criminal. (SILVA, 2010, pp102-103)
Utilizando a classificação de K. Schneider, o criminólogo Benigno Di Tullio entendeu que há três tipos de psicopatas com relevância penal: os hipertímicos, os lábeis e os histriônicos (GOMES; GARCÍA-PABLOS DE MOLINA, 2008, p. 275). Da mesma forma, baseando-se na mesma classificação, Jason Albergaria (1999) destaca os seis tipos que mais interessam à Criminologia: os hipertímicos tendem à difamação, à indolência e à fraude; os fanáticos praticam o delito político; os explosivos, delitos contra a pessoa; os frios, homicídio, latrocínio, terrorismo; os vaidosos, injúria, calúnia e fraudes; e os abúlicos, furtos, fraudes e apropriações indébitas.
Segundo Newton Fernandes e Valter Fernandes, “aspectos especiais dos indivíduos psicopatas são ‘traços criminais acentuados’”, como “a deficiência moral e a perversão sexual” (FERNANDES; FERNANDES, 2010, p. 185).
Pelo fato dos psicopatas reagirem com acessos de cólera quando seus desejos não são satisfeitos imediatamente, o traço de agirem impulsivamente os levam a cometer crimes que podem ter consequências desastrosas, tendo em vista que não há conexão lógica entre o sentir, o pensar e o agir desses indivíduos.
Por serem pessoas amorais, sem ética, desprovidas de culpa ou remorso e indiferentes diante da emoção alheia, os psicopatas são propensos á reincidência criminal. Ana Beatriz B. Silva informa que “estudos revelam que a taxa de reincidência criminal (...) dos psicopatas é cerca de duas vezes maior que a dos demais criminosos. E quando se trata de crimes associados à violência, a reincidência cresce para três vezes mais” (SILVA, 2010, p. 153). A autora afirma que por serem “incapazes de aprender através da experiência”, “são intratáveis sob o ponto de vista da ressocialização” (SILVA, 2010, p. 188).
As infrações mais comumente realizadas pelos criminosos psicopatas são:
- Contravenções Penais (Decreto-lei nº 3.688/41 – Lei das Contravenções Penais): porte de arma (art. 19); vias de fato (art. 21); disparo de arma de fogo (art. 28); direção perigosa de veículo na via pública (art. 34); arremesso ou colocação perigosa (art. 37); provocação de tumulto.Conduta inconveniente (art. 41); perturbação do trabalho ou do sossego alheios (art. 42); exercício ilegal de profissão ou atividade (art. 47); crueldade contra animais (art. 64); perturbação da tranquilidade (art. 65) e inumação ou exumação de cadáver (art. 67);
- Crimes (Decreto-lei nº 2.848/40 – Código Penal): homicídio (art. 121); lesão corporal (art. 129); violência doméstica (art. 129, § 9°); maus-tratos (art. 136); difamação (art. 139); injúria (art. 140); constrangimento ilegal (art. 146); ameaça (art. 147); sequestro (art. 148); violação de correspondência (art. 151); furto (art. 155); roubo (art. 157); extorsão (art. 158); dano (art. 163); estelionato (art. 171); abuso de incapazes (art. 173); estupro (art. 213 e 217-A); simulação de casamento (art. 239); explorar prostituição (art. 228 e 229); incêndio (art. 250); poluição de água potável (art. 270 e 271); exercício ilegal da medicina (art. 282); formação de quadrilha (art. 288); falsa identidade (art. 307); peculato (art. 312); crimes contra a administração pública (art. 315, 317, 318 e 322); desobediência (art. 330); desacato (art. 331); corrupção (art. 317 e 333); coação no curso do processo (art. 344); motim de presos (art. 354);
- Crimes contra o mercado financeiro (Lei nº 7.492/86);
- Crimes hediondos (Lei nº 8.072/90);
- Crimes de trânsito (Lei nº 9.503/97 – Código de Trânsito Brasileiro);
- Crimes ambientais (Lei nº 9.605/98);
- Crime de lavagem de dinheiro (Lei nº 9.613/98).
Considerações finais
A psicopatia é um transtorno de personalidade e não, uma enfermidade psíquica.
A psicopatia tem particular interesse para a Criminologia, tendo em vista que portadores desse transtorno, pelo fato de serem isentos de empatia e de não aceitarem qualquer ética moral, cultural, familiar, social ou legal, possuem inclinação intrínseca para o cometimento de infrações penais.
Estudiosos consideram, através de inúmeras pesquisas, tanto experimentais, quanto teóricas, que a psicopatia possui um correlato fisiológico (déficit funcional do sistema límbico) e um social (falhas na educação moral e ética e no processo de socialização).
Por serem indivíduos instáveis e pelo fato de não sentirem inibição de origem emocional, são propensos a reincidirem em atos criminosos, fatos que devem ser considerados no momento de conceder liberdade condicional ou redução de pena a um criminosos psicopata.
A construção de uma sociedade solidária e livre de violência passa pela proteção às pessoas em terem o direito de não conviverem com criminosos dissimulados e insensíveis.
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Notas:
[1] Também conhecida como Classificação Internacional de Doenças – CID 10 (International Statistical Classification of Diseases and Related Health Problems – ICD) é publicada pela Organização Mundial de Saúde e visa padronizar a codificação de doenças e outros problemas relacionados à saúde. A CID 10 fornece códigos relativos à classificação de doenças e de uma grande variedade de sinais, sintomas, aspectos anormais, queixas, circunstâncias sociais e causas externas para ferimentos ou doenças. A cada estado de saúde é atribuída uma categoria única à qual corresponde um código CID 10. A CID é usada no Brasil e foi adotada como referência para profissionais de saúde do SUS.
[2] O DSM foi elaborado por psiquiatras em grupo de trabalho estabelecido pela Associação Americana de Psiquiatria (American Psychiatric Association – APA). É um manual para profissionais da área da saúde mental que lista diferentes categorias de transtornos mentais e critérios para diagnosticá-los. É usado ao redor do mundo por clínicos e pesquisadores bem como por companhias de seguro, indústrias farmacêuticas e parlamentos políticos. O DSM-IV-TR é a revisão mais recente.
[3] Conforme a opinião de alguns estudiosos, modelos teóricos carecem de verificação empírica.
[4] Itens avaliados no questionário PCL-R formulado pelo referido psicólogo.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ARAÚJO, Fabíola dos Santos. O Perfil do Criminoso Psicopata. Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 23 jul. 2011. Disponivel em: . Acesso em: 21 dez. 2016.
Link: http://www.conteudojuridico.com.br/artigo,o-perfil-do-criminoso-psicopata,32921.html
» Fabíola dos Santos Araújo
Resumo: A psicopatia é considerada um transtorno de personalidade com traços notáveis de comportamento antissocial. O psicopata não possui consciência moral nem empatia, fatores que os tornam muito perigosos sob o ponto de vista legal. O objetivo desse artigo é apresentar um breve resumo sobre o transtorno e suas características, distingui-lo das doenças mentais e apontar os crimes mais comumente praticados por criminosos psicopatas.
Palavras-chave: criminologia, psicopatia, transtorno da personalidade dissocial, transtorno da personalidade antissocial
Psychopathic criminal’s profile
Abstract: Psychopathy is a personality disorder with remarkable traits of antissocial behavior. The psychopath doesn’t have moral conscience and empathy, these factors make him very dangerous on legal viewpoint. This paper presents a short summary about the disorder and its characteristics, distinguishes it from mental diseases and lists the common crimes that are practiced by psychopathic criminals.
Keywords: criminology, psychopathy, dissocial personality disorder, antissocial personality disorder.
INTRODUÇÃO
Este artigo tem por objetivo apresentar um breve estudo sobre as características do criminoso psicopata e os crimes mais usuais cometidos por pessoas que apresentam esse transtorno. O trabalho teve por base o estudo de livros que abordam a psicopatia, assim como artigos científicos. O método utilizado foi o dedutivo e o exposto foi obtido através das leituras do material bibliográfico. O tema é de grande relevância para o estudo da Criminologia, em correlação com o Direito Penal, a Psiquiatria e a Psicologia.
Personalidade, do latim personalis, pessoal, é a soma de muitos caracteres diferentes e variáveis, intelectuais, afetivos e físicos, que confere a cada pessoa uma individualidade como uma semelhança a seus iguais. A personalidade significa a organização física, psíquica, social e cultural do indivíduo. Para o alemão Kempf, a “personalidade é representada pelo modo habitual de ajustamento que o organismo efetua entre as exigências individuais e as do ambiente” (MIELNIK, 1987, p. 208).
Em geral, os psicólogos e os psiquiatras tendem a dizer que psicopatas são indivíduos com personalidade anormal.
O psiquiatra alemão Kurt Schneider (1887-1967) definiu, em 1923, que psicopatas são aquelas personalidades anormais que sofrem por sua anormalidade ou causam sofrimento para a sociedade.
Os psicopatas causam sofrimento, porque não têm consciência moral e, também, empatia.
O psicólogo norte-americano Daniel Goleman define a empatia com sendo “a compreensão dos sentimentos dos outros e a adoção da perspectiva deles, e o respeito às diferenças no modo como as pessoas encaram as coisas” (GOLEMAN, 2001, p. 282). A empatia é essencial no desenvolvimento do comportamento altruísta, afetivo e moral, ou seja, na forma como o indivíduo age perante as pessoas com as quais se inter-relaciona.
A empatia, reforçada pelo código de moral e de ética aprendido, funciona como um freio para as atitudes humanas. O psicopata não se comove com o sofrimento alheio e pode cometer atrocidades sem sentir remorso ou temer punições.
Segundo Luís Rey, consciência é o “estado do aparelho psíquico que permite ao indivíduo compreender tudo aquilo que percebe do mundo exterior, através dos sentidos, e tomar conhecimento a cada instante de sua própria existência com tudo que ela comporta” (REY, 1999, p. 177).
A consciência moral é conhecer, ter e respeitar a conduta moral do meio em que vive. Para a psicologia, há três aspectos importantes da consciência moral:
- julgamento moral (L. Kohlberg e J. Piaget);
- conduta moral (R. Hogan); e
- valores morais (H. J. Eysenck).
O desenvolvimento do julgamento moral decorre, segundo a concepção da psicologia do desenvolvimento cognitivo (Kohlberg, em ligação com Piaget) em seis estágios:
1-orientação pelo castigo (obediência);
2- orientação egoísta-ingênua;
3- orientação pela aprovação social;
4-autoridade e ordem social;
5- orientação pelo contrato legal; e só então
6- orientação pela consciência moral, isto é, por princípios universalmente válidos.
As dimensões da conduta moral são para Hogan:
1-conhecimento das regras morais;
2-socialização;
3-empatia com os outros;
4-autonomia (consciência versus responsabilidade) e
5-julgamento moral. (DORSCH; HÄCKER; STAPF, 2001, pp. 184-185)
Nesse diapasão, é necessário relacionar ao exposto o sentido de consciência de norma como sendo a prontidão para observar as prescrições sociais do comportamento, que pressupõe tanto o conhecimento das normas, sua valorização positiva, como também, a prontidão motivacional para cumpri-las. O psicopata conhece as normas sociais e legais, porém não as respeita, e não as respeitando, não as cumpre nem as teme, agindo sempre em favor de seus próprios interesses e sem considerar os sentimento dos outros.
No dizer da psiquiatra brasileira Ana Beatriz Barbosa Silva, “a consciência está profundamente alicerçada em nossa habilidade de amar, em criar vínculos afetivos e nos abastecer dos mais nobres sentimentos” (SILVA, 2010, p. 33.), sentimentos que o psicopata não possui.
1 Breve histórico dos estudos sobre psicopatia
Atribui-se à escola de psiquiatria alemã a introdução da palavra psicopatia nos estudos científicos.
Em 1888, o psiquiatra alemão J. L. A. Koch apresentou o termo inferioridade psicopática.
Emil Kraepelin (1856-1926), psiquiatra alemão, dedicou anos estudando as desordens de comportamento de pacientes hospitalizados em Munique. Em 1904, Kraepelin definiu a personalidade psicopática, caracterizando-a como uma personalidade não desenvolvida nas esferas afetiva e volitiva e fronteiriça com a psicose.
Kurt Schneider deu propulsão aos estudos da psicopatia ao defender que esta era um distúrbio da personalidade e não, uma doença. Schneider distinguiu dez tipos de personalidade psicopáticas: hipertímicos, deprimidos, medrosos, fanáticos, vaidosos, lábeis de humor, explosivos, frios, abúlicos e astênicos (GOMES; GARCÍA-PABLOS DE MOLINA, 2008, p. 275).
O trabalho do psiquiatra norte-americano Hervey Milton Cleckley (1903-1984), The Mask of Sanity (A Máscara da Sanidade), publicado em 1941, é reconhecido como o primeiro estudo completo sobre a psicopatia e o que fornece uma das definições mais completas.
O psicólogo canadense Robert D. Hare, após anos de estudos, formulou, em 1991, um questionário chamado Psychopathy Checklist-Revised – PCL-R, ou escala Hare, considerado, atualmente, o método mais confiável na identificação de psicopatas.
2 Conceito
A palavra psicopatia, etimologicamente, vem do grego psyché, alma, e pathos, enfermidade. O conceito de psicopatia não é consenso entre os especialistas, entretanto, apesar das inúmeras definições diversificadas, acorda-se que a psicopatia é um transtorno da personalidade e não, uma doença mental.
O transtorno da personalidade
[...] exige a constatação de um padrão permanente de experiência interna e de comportamento que se afasta das expectativas da cultura do sujeito, manifestando-se nas áreas cognoscitiva, afetiva, da atividade interpessoal, ou dos impulsos, referido padrão persistente é inflexível, desadaptativo, exibe longa duração de início precoce (adolescência ou início da idade adulta) e ocasiona um mal-estar ou deteriorização funcional em amplas gamas de situações pessoais e sociais do indivíduo. (GOMES; GARCÍA-PABLOS DE MOLINA, 2008, p. 284)
A Organização Mundial de Saúde, OMS, utiliza o termo Transtorno de Personalidade Dissocial e o registra no CID-10[1] (Classificação Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde) sob o código F60.2:
Transtorno de personalidade caracterizado por um desprezo das obrigações sociais, falta de empatia para com os outros. Há um desvio considerável entre o comportamento e as normas sociais estabelecidas. O comportamento não é facilmente modificado pelas experiências adversas, inclusive pelas punições. Existe uma baixa tolerância à frustração e um baixo limiar de descarga da agressividade, inclusive da violência. Existe uma tendência a culpar os outros ou a fornecer racionalizações plausíveis para explicar um comportamento que leva o sujeito a entrar em conflito com a sociedade.
Personalidade (transtorno da):
- amoral
- antissocial
- associal
- psicopática
- sociopática.
A Associação Americana de Psiquiatria (American Psychiatric Association – APA) prefere a expressão Transtorno da Personalidade Antissocial sob o código 301.7. Em seu manual DSM-IV-TR[2] – Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais), a instituição apresenta critérios diagnósticos do transtorno:
Critérios Diagnósticos para Transtorno da Personalidade Antissocial
A. Um padrão global de desrespeito e violação dos direitos dos outros, que ocorre desde os 15 anos, como indicado por pelo menos três dos seguintes critérios:
(1) incapacidade de adequar-se às normas sociais com relação a comportamentos lícitos, indicada pela execução repetida de atos que constituem motivo de detenção
(2) propensão para enganar, indicada por mentir repetidamente, usar nomes falsos ou ludibriar os outros ara obter vantagens pessoais ou prazer
(3) impulsividade ou fracasso em fazer planos para o futuro
(4) irritabilidade e agressividade, indicadas por repetidas lutas corporais ou agressões físicas
(5) desrespeito irresponsável pela segurança própria ou alheia
(6) irresponsabilidade consistente, indicada por um repetido fracasso em manter um comportamento laboral consistente ou de honrar obrigações financeiras
(7) ausência de remorso, indicada por indiferença ou racionalização por ter ferido, maltratado ou roubado alguém
B. O indivíduo tem no mínimo 18 anos de idade.
C. Existem evidências de Transtorno da Conduta com início antes dos 15 anos de idade.
D. A ocorrência do comportamento antissocial não se dá exclusivamente durante o curso de Esquizofrenia ou Episódio Maníaco.
3 Investigações empíricas
Tem-se dado importância a estudos experimentais para se mostrar a relação fisiológica do cérebro com a psicopatia. Modelos empíricos demonstram que psicopatas apresentam disfunções dos circuitos cerebrais relacionados à emoção.
O sistema límbico, formado por estruturas corticais e subcorticais, é responsável pelas emoções humanas (SILVA, 2010, p. 183) e por parte da aprendizagem e da memória (GOLEMAN, 2001, p. 29). A amígdala cortical, estrutura localizada no interior do lobo temporal, “é especialista em questões emocionais” (GOLEMAN, 2001, p. 29). “A amígdala cortical funciona como um depósito da memória emocional e, portanto, do próprio significado” (GOLEMAN, 2001, p. 29).
A região cerebral envolvida nos processos racionais é o lobo pré-frontal. Parte do lobo pré-frontal, o córtex medial pré-frontal, recebe influência do sistema límbico, mais especificadamente da amígdala, e atua na tomada de decisões pessoais e sociais. Assim, verifica-se a interconexão entre o sistema límbico, responsável pela parte emocional, e o lobo pré-frontal, pela parte racional do pensamento, e o resultado disso é determinante no comportamento social adequado, o que o psicopata não possui.
Através de pesquisas com aparelhos de ressonância magnética funcional (RMf), psicólogos e neurocientistas puderam estudar as estruturas cerebrais envolvidas nas emoções e constataram
[...] alterações características de um funcionamento cerebral de um psicopata. Pessoas sem qualquer traço psicopático revelaram intensa atividade da amígdala e do lobo frontal (sendo neste de menor intensidade), quando foram estimuladas a se imaginarem cometendo atos imorais ou perversos. No entanto, quando os mesmos testes foram realizados num grupo de psicopatas criminosos, os resultados apontaram para uma resposta débil nos mesmos circuitos. (SILVA, 2010, p. 187)
Pelo fato de serem hipofuncionantes, as amígdalas do psicopata
[...] deixam de transmitir, de forma correta, as informações para que o lobo frontal possa desencadear ações ou comportamentos adequados. Chegam menos informações do sistema afetivo/límbico para o centro executivo do cérebro (lobo frontal), o qual, sem dados emocionais, prepara um comportamento lógico, racional, mas desprovido de afeto. (SILVA, 2010, p. 187)
O psicopata possui uma capacidade muito limitada de sentir e responder às emoções em comparação com o não psicopata (GOMES; GARCÍA-PABLOS DE MOLINA, 2008, p. 278). Em experimentos que imaginam frases de forte conteúdo emotivo, pessoas não psicopatas têm aceleração do ritmo cardíaco e contrações dos músculos faciais, enquanto os psicopatas não evidenciam diferenças significativas nesses aspectos. Investigações utilizando scanner, para medir a ativação cerebral ao lerem palavras neutras e palavras de alto conteúdo emotivo, concluíram que “os cérebros dos psicopatas mostraram maior atividade que os cérebros dos não psicopatas ante palavras de carga emotiva que palavras neutras, isto é, os psicopatas hão de se esforçar mais para reconhecer e processar as palavras com carga emocional que as neutras” (GOMES; GARCÍA-PABLOS DE MOLINA, 2008, p. 279). Estudos utilizando pequenas descargas elétricas constataram que indivíduos psicopatas são menos sensíveis ao medo e que dispõem de um mecanismo mental que desconectam os sinais de medo e de ansiedade associados à ameaça das descargas: o ritmo cardíaco dos psicopatas decresce, ao passo que o dos não psicopatas se eleva (GOMES; GARCÍA-PABLOS DE MOLINA, 2008, p. 278).
4 Investigações teóricas[3]
Paralelamente aos estudos empíricos, há modelos teóricos que procuram investigar o comportamento psicopático e explicá-lo.
Atualmente, destacam-se dois modelos teóricos: o biológico-conductual ou de condicionamento do processo de socialização, do psicólogo teuto-britânico Hans Jürgen Eysenck (1916-1997), com colaboração do psicólogo e criminalista britânico Gordon Blair Trasler (1929-2002), e o biossocial, do psicólogo norte-americano Sarnoff A. Mednick.
4.1 Modelo biológico-conductual
O modelo de Eysenck e Trasler baseia-se no condicionamento clássico ou aprendizagem por associação de estímulos. Para os pesquisadores, a criança aprende através de reflexos condicionados: cada vez que é castigada ou reprimida pelos pais, que lhe aplicam uma sanção (estímulo incondicionado), a criança associa (aprendizagem) tal sanção a condutas proibidas (estímulo condicionado) e desenvolve uma consciência de medo ou de ansiedade (reação condicionada) de que comportamentos semelhantes devem ser evitados no futuro.
Segundo Eysenck, os psicopatas são incapazes de se condicionarem em virtude de possuírem uma muito ilimitada atividade cortical. A propensão dos psicopatas para exibirem comportamentos criminais ocorre porque tais indivíduos não conseguem formar uma consciência sólida, em virtude de incapacidade de condicionamento congênito e de incompetente processo de socialização dos pais, ou responsáveis, que não os condicionaram eficazmente.
Eysenck resume em quatro fases a dinâmica criminal: defeito congênito de condicionamento nas personalidades psicopáticas por uma insuficiente ativação cortical; comportamento criminal instintivo, natural, que se reforça; falta de consciência do desenvolvimento de um reflexo condicionado que permita associar conduta delitiva e castigo ou angústia no sentido dos processos de condicionamento ou aprendizagem ‘clássica’; ausência de todo o corte pessoal inibitório do comportamento criminoso por causa da péssima capacidade de condicionamento. (GOMES; GARCÍA-PABLOS DE MOLINA, 2008, p. 280)
4.2 Modelo biossocial
O modelo de Mednick apóia-se na aprendizagem operante ou instrumental: o homem aprende pelas consequências de seus atos, castigos ou recompensas. A criança que tem um sistema neurovegetativo muito sensível, que responde e se recupera rápido do medo ao castigo, conta com um rápido reforço para inibir comportamento desaprovados e aprende a agir conforme a lei – evita o castigo antecipando-o mentalmente e desenvolve mecanismos de inibição frente a atos desabonados socialmente.
Para Mednick, o psicopata aprende mal, ou não aprende, comportamentos ou atos prescritos por leis, porque possui o sistema nervoso vegetativo deficitário: este reage pouco diante do temor ao castigo.
Sarnoff A. Mednick descreve assim a resposta das personalidades psicopáticas: lenta recuperação do sistema neurovegetativo uma vez excitado pelo temor (ao castigo); hipoatividade congênita; planificação do comportamento proibido; reduzida e lenta mitigação de temor ao castigo, escasso ou nulo reforço (recompensa) dos mecanismos inibitórios frente ao comportamento proibido por causa da péssima capacidade de recuperação do sistema neurovegetativo; reduzida capacidade de aprendizagem do comportamento socialmente aprovado. (GOMES; GARCÍA-PABLOS DE MOLINA, 2008, pp. 280-281)
5 Características
A psicopatia apresenta níveis variados de gravidade: leve, moderado e grave, o que faz com que as características do transtorno sejam percebidas de formas variadas, ou seja, nem todos os psicopatas apresentam as mesmas características em número e grau iguais. Alguns podem tender para o cometimento de crimes contra o patrimônio, como o furto e o dano, enquanto outros realizam crimes contra a pessoa, a exemplo do homicídio e dos maus-tratos.
Em 1966, após avaliar os estudos existentes sobre o assunto, Craft detectou dois traços primários na personalidade psicopática: uma incapacidade de responder emocionalmente em situações nas quais se esperaria alguma resposta, tratando-se de uma pessoa normal, e uma irresistível tendência a atuar impulsivamente (GOMES; GARCÍA-PABLOS DE MOLINA, 2008, p. 297). Provêm desses traços primários características secundárias como “agressividade, ausência de sentimentos de culpa, falta de motivação ou impulsão positiva, não influenciabilidade pelo temor ao castigo etc.” (GOMES; GARCÍA-PABLOS DE MOLINA, 2008, p. 297).
O psicólogo espanhol Vicente Garrido Genovês analisou recentes investigações psiquiátricas e constatou que a psicopatia é composta por duas dimensões que dizem respeito à área emocional e ao estilo de vida antissocial. Em relação à dimensão referente à área emocional, o psicopata não possui a capacidade de se vincular emocionalmente aos seus semelhantes, sendo egocêntrico (narcisismo e elevada autoestima), manipulador (loquacidade, encanto superficial), mentiroso (enganos com convicção e sem necessidade) e cruel (total ausência de remorso e culpa, falta de empatia e déficit afetivo).O organismo dos psicopatas não apresenta respostas psicofisiológicas relacionadas com o medo e à ansiedade. A dimensão relativa ao estilo de vida antissocial caracteriza o psicopata como agressivo (necessidade de sentir tensão constantemente), impulsivo (agir ditado pelo capricho ou pelos ímpetos e desejo permanente de alcançar a satisfação imediata), irresponsável (inexiste preocupação com a repercussão negativa de seu comportamento para as pessoas em seu entorno) e insensível (percepção positiva das atitudes cruéis cometidos contra pessoas e animais). Essas características “fazem do psicopata um indivíduo especialmente preparado para patrocinar as empreitadas criminais mais absurdas e para executar delitos com uma violência desproporcional e gratuita” (GOMES; GARCÍA-PABLOS DE MOLINA, 2008, p. 274).
Daniel Goleman evidencia que os psicopatas são “deslavados mentirosos, prontos a dizer qualquer coisa para conseguir o que querem, e manipulam as emoções das vítimas com o mesmo cinismo” (GOLEMAN, 2001, p. 121). “A violência deles parece ser um ato de terrorismo calculado” (GOLEMAN, 2001, p. 122) e tais indivíduos “não se preocupam com punições futuras pelos atos que praticam. E como eles próprios não sentem medo, não há lugar para a empatia – ou piedade – em relação ao medo e à dor de suas vítimas” (GOLEMAN, 2001, p. 123).
No livro Mentes perigosas: o psicopata mora ao lado, a psiquiatra Ana Beatriz B. Silva pontua os traços distintivos do psicopata: frio, calculista, mentiroso, cruel, charmoso, atraente, dissimulado, desprovido de culpa, remorso e empatia, perverso, transgressor de regras sociais, imoral, impiedoso, com grande poder de convencimento, egocêntrico, insensível, manipulador, incapaz de aprender através da experiência, com grande capacidade de fazer intrigas e usar pessoas com a única intenção de atingir seus objetivos. A autora examina a falta de responsabilidade e os problemas comportamentais precoces dos psicopatas. Os psicopatas não honram obrigações e compromissos, seja no trabalho, nas relações interpessoais e na família. Ana Beatriz B. Silva destaca que a vigilância dos pais e a educação dada por eles podem reforçar as manifestações do transtorno e assegura que “quando em grau leve e detectada ainda precocemente, a psicopatia pode, em alguns casos, ser modulada através de uma educação mais rigorosa” (SILVA, 2010, p. 197). Assim, percebe-se que além do fator orgânico (ou neurobiológico), a psicopatia também sofre influências do meio social no qual o psicopata se encontra inserido.
Robert Hare aponta os aspectos[4] marcantes na personalidade psicopática: superficialidade e manipulação das relações, autoestima grandiosa, mentira patológica, falta de remorso, afeto superficial, falta de empatia, não aceitação de responsabilidade pelos próprios atos, impulsividade, parasitismo em relação aos outros, falta de objetivos realistas, problemas de comportamento precoces, delinquência na juventude, versatilidade criminosa e revogação de liberdade condicional.
6.Psicopatia e doenças mentais
A psicopatia é um transtorno comportamental e não, uma doença mental. Para a Psiquiatria, a psicopatia não é uma enfermidade mental, porque o psicopata não sofre alucinações e delírios, não apresenta manifestações neuróticas nem desorientações quanto ao tempo, ao lugar e às pessoas e não tem intenso sofrimento mental, como ansiedade, depressão ou pânico, características de enfermos mentais.
O neurótico (transtornos neuróticos) é consciente que possui uma enfermidade e sofre por isso, com alta ansiedade. O psicopata não sofre por sua condição nem manifesta ansiedade.
Na psicose (CID-10 – (F20 a F29); 298.X) há perda de contato com a realidade e a quebra com a própria identidade biográfica, acompanhadas de delírios e alucinações, mudanças profundas do estado de humor e transtornos de conduta extremos.
O paranoico sofre delírios crônicos e sistemáticos e, em decorrência disso, acha-se em erro e fora da realidade. O psicopata mente, engana, manipula a realidade, porém não a cria.
O psicopata não tem alucinações ou delírios típicos da esquizofrenia (CID-10 – (F20.X) ; 295.X), na qual há rompimento com a realidade e com a identidade. O psicopata “não tem capacidade para ver-se a si mesmo como os outros o veem, para conhecer como sentem os demais quando o veem, para apreciar os afetos e valores que suscite nos outros a sua existência” (GOMES; GARCÍA-PABLOS DE MOLINA, 2008, pp. 275-276).
7.Conflitos com o sistema legal
Estudos empíricos na cidade de Tübingen, Alemanha, na década de 1960, feitos pelo criminólogo Hans Göppinger, levaram-no a associar comportamentos de determinados indivíduos com personalidades “anômalas”, suas características psíquicas e a projeção de tais atos na vida social. Göppinger concluiu que certos tipos de psicopatas (sem se distanciar da classificação de K. Schneider) podiam ser úteis para a Criminologia, devido à relação de traços da personalidade desses e suas reações na convivência social (GOMES; GARCÍA-PABLOS DE MOLINA, 2008, p. 275).
Devido ao constante comportamento transgressor e antissocial, o psicopata tende a cometer infrações penais. Conforme registra Ana Beatriz B. Silva,
[...] os psicopatas têm total ciência dos seus atos (...) sabem perfeitamente que estão infringindo regras sociais e por que estão agindo dessa maneira. A deficiência deles (...) está no campo dos afetos e das emoções. Assim, para eles, tanto faz ferir, maltratar ou até matar alguém que atravesse o seu caminho ou os seus interesses, mesmo que esse alguém faça parte de seu convívio íntimo. (SILVA, 2010, p. 44)
Para a psiquiatra, “os psicopatas não apenas transgridem as normas sociais como também as ignoram e as consideram meros obstáculos, que devem ser superados na conquista de suas ambições e seus prazeres” (SILVA, 2010, p. 102).
Eles jamais deixarão de apresentar comportamentos antissociais; o que pode mudar é a forma de exercer suas atividades ilegais durante a vida (roubos, golpes, desvio de verba, estupro, sequestro, assassinato etc.). Em outras palavras, a maioria dos psicopatas não é expert numa atividade criminal específica, mas sim ‘passeia’ pelas mais diversas categorias de crimes, o que Hare denomina versatilidade criminal. (SILVA, 2010, pp102-103)
Utilizando a classificação de K. Schneider, o criminólogo Benigno Di Tullio entendeu que há três tipos de psicopatas com relevância penal: os hipertímicos, os lábeis e os histriônicos (GOMES; GARCÍA-PABLOS DE MOLINA, 2008, p. 275). Da mesma forma, baseando-se na mesma classificação, Jason Albergaria (1999) destaca os seis tipos que mais interessam à Criminologia: os hipertímicos tendem à difamação, à indolência e à fraude; os fanáticos praticam o delito político; os explosivos, delitos contra a pessoa; os frios, homicídio, latrocínio, terrorismo; os vaidosos, injúria, calúnia e fraudes; e os abúlicos, furtos, fraudes e apropriações indébitas.
Segundo Newton Fernandes e Valter Fernandes, “aspectos especiais dos indivíduos psicopatas são ‘traços criminais acentuados’”, como “a deficiência moral e a perversão sexual” (FERNANDES; FERNANDES, 2010, p. 185).
Pelo fato dos psicopatas reagirem com acessos de cólera quando seus desejos não são satisfeitos imediatamente, o traço de agirem impulsivamente os levam a cometer crimes que podem ter consequências desastrosas, tendo em vista que não há conexão lógica entre o sentir, o pensar e o agir desses indivíduos.
Por serem pessoas amorais, sem ética, desprovidas de culpa ou remorso e indiferentes diante da emoção alheia, os psicopatas são propensos á reincidência criminal. Ana Beatriz B. Silva informa que “estudos revelam que a taxa de reincidência criminal (...) dos psicopatas é cerca de duas vezes maior que a dos demais criminosos. E quando se trata de crimes associados à violência, a reincidência cresce para três vezes mais” (SILVA, 2010, p. 153). A autora afirma que por serem “incapazes de aprender através da experiência”, “são intratáveis sob o ponto de vista da ressocialização” (SILVA, 2010, p. 188).
As infrações mais comumente realizadas pelos criminosos psicopatas são:
- Contravenções Penais (Decreto-lei nº 3.688/41 – Lei das Contravenções Penais): porte de arma (art. 19); vias de fato (art. 21); disparo de arma de fogo (art. 28); direção perigosa de veículo na via pública (art. 34); arremesso ou colocação perigosa (art. 37); provocação de tumulto.Conduta inconveniente (art. 41); perturbação do trabalho ou do sossego alheios (art. 42); exercício ilegal de profissão ou atividade (art. 47); crueldade contra animais (art. 64); perturbação da tranquilidade (art. 65) e inumação ou exumação de cadáver (art. 67);
- Crimes (Decreto-lei nº 2.848/40 – Código Penal): homicídio (art. 121); lesão corporal (art. 129); violência doméstica (art. 129, § 9°); maus-tratos (art. 136); difamação (art. 139); injúria (art. 140); constrangimento ilegal (art. 146); ameaça (art. 147); sequestro (art. 148); violação de correspondência (art. 151); furto (art. 155); roubo (art. 157); extorsão (art. 158); dano (art. 163); estelionato (art. 171); abuso de incapazes (art. 173); estupro (art. 213 e 217-A); simulação de casamento (art. 239); explorar prostituição (art. 228 e 229); incêndio (art. 250); poluição de água potável (art. 270 e 271); exercício ilegal da medicina (art. 282); formação de quadrilha (art. 288); falsa identidade (art. 307); peculato (art. 312); crimes contra a administração pública (art. 315, 317, 318 e 322); desobediência (art. 330); desacato (art. 331); corrupção (art. 317 e 333); coação no curso do processo (art. 344); motim de presos (art. 354);
- Crimes contra o mercado financeiro (Lei nº 7.492/86);
- Crimes hediondos (Lei nº 8.072/90);
- Crimes de trânsito (Lei nº 9.503/97 – Código de Trânsito Brasileiro);
- Crimes ambientais (Lei nº 9.605/98);
- Crime de lavagem de dinheiro (Lei nº 9.613/98).
Considerações finais
A psicopatia é um transtorno de personalidade e não, uma enfermidade psíquica.
A psicopatia tem particular interesse para a Criminologia, tendo em vista que portadores desse transtorno, pelo fato de serem isentos de empatia e de não aceitarem qualquer ética moral, cultural, familiar, social ou legal, possuem inclinação intrínseca para o cometimento de infrações penais.
Estudiosos consideram, através de inúmeras pesquisas, tanto experimentais, quanto teóricas, que a psicopatia possui um correlato fisiológico (déficit funcional do sistema límbico) e um social (falhas na educação moral e ética e no processo de socialização).
Por serem indivíduos instáveis e pelo fato de não sentirem inibição de origem emocional, são propensos a reincidirem em atos criminosos, fatos que devem ser considerados no momento de conceder liberdade condicional ou redução de pena a um criminosos psicopata.
A construção de uma sociedade solidária e livre de violência passa pela proteção às pessoas em terem o direito de não conviverem com criminosos dissimulados e insensíveis.
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Notas:
[1] Também conhecida como Classificação Internacional de Doenças – CID 10 (International Statistical Classification of Diseases and Related Health Problems – ICD) é publicada pela Organização Mundial de Saúde e visa padronizar a codificação de doenças e outros problemas relacionados à saúde. A CID 10 fornece códigos relativos à classificação de doenças e de uma grande variedade de sinais, sintomas, aspectos anormais, queixas, circunstâncias sociais e causas externas para ferimentos ou doenças. A cada estado de saúde é atribuída uma categoria única à qual corresponde um código CID 10. A CID é usada no Brasil e foi adotada como referência para profissionais de saúde do SUS.
[2] O DSM foi elaborado por psiquiatras em grupo de trabalho estabelecido pela Associação Americana de Psiquiatria (American Psychiatric Association – APA). É um manual para profissionais da área da saúde mental que lista diferentes categorias de transtornos mentais e critérios para diagnosticá-los. É usado ao redor do mundo por clínicos e pesquisadores bem como por companhias de seguro, indústrias farmacêuticas e parlamentos políticos. O DSM-IV-TR é a revisão mais recente.
[3] Conforme a opinião de alguns estudiosos, modelos teóricos carecem de verificação empírica.
[4] Itens avaliados no questionário PCL-R formulado pelo referido psicólogo.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ARAÚJO, Fabíola dos Santos. O Perfil do Criminoso Psicopata. Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 23 jul. 2011. Disponivel em: . Acesso em: 21 dez. 2016.
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