quarta-feira, 29 de maio de 2019

TRABALHO PRISIONAL


Menos de 1/5 dos presos trabalha no Brasil; 1 em cada 8 estuda

Levantamento exclusivo do G1 revela números de presos que exercem algum tipo de atividade laboral e que estudam no país. A superlotação e o percentual de presos provisórios é maior que um ano atrás. Déficit de vagas chega a quase 300 mil. GloboNews mostra situação nos presídios.


Por Clara Velasco e Thiago Reis, Bárbara Carvalho, Carolline Leite, Gabriel Prado e Guilherme Ramalho, G1 e GloboNews

26/04/2019 





Superlotação aumenta e número de presos provisórios volta a crescer no Brasil



Menos de um em cada cinco presos (18,9%) trabalha hoje no país. O percentual de presos que estudam é ainda menor: 12,6%. É o que mostra um levantamento do G1 dentro do Monitor da Violência, uma parceria com o Núcleo de Estudos da Violência (NEV) da USP e com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública.


Os dados, coletados junto aos governos dos 26 estados e do Distrito Federal, expõem uma das principais falhas no sistema penitenciário: a da ressocialização dos presos no Brasil.


Um ano após uma ligeira queda na superlotação, os presídios brasileiros voltaram a registrar um crescimento populacional sem que as novas vagas dessem conta desse contingente. O percentual de presos provisórios também voltou a crescer.


Levando em conta os 737.892 presos do sistema (incluindo os em regime aberto), 139.511 exercem algum tipo de atividade laboral. São 92.945 os que estudam.


Para contar as histórias por trás dos dados, uma parceria foi feita com a GloboNews. Equipes foram a diversos estados para ver a realidade das unidades de perto.




Percentual de presos que trabalham e estudam é baixo no país — Foto: Guilherme Gomes/G1


“A sociedade e o estado esperam que o preso saia e recomece a vida longe do crime, mas a ele não é dado, durante todo o tempo que permanece no cárcere, nenhuma perspectiva, muitas vezes, de estudo e de trabalho”, afirma Maíra Fernandes, coordenadora do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais do Rio de Janeiro e ex-presidente do Conselho Penitenciário do Estado.


“Como é que a pessoa vai virar a página da sua vida e recomeçar se ela não sabe um ofício, muitas vezes nunca teve um trabalho lícito antes? Sem dúvida que se houvesse nos presídios não só uma perspectiva de trabalho, mas de formação profissional, a pessoa podia sair dali já tendo meios de se reinserir no mercado de trabalho”, diz. “A população prisional é cada vez mais jovem, e dar uma oportunidade pode fazer, sim, com que esse jovem saia do mundo do crime.”


O Ceará é o estado com o menor percentual de presos trabalhando: apenas 1,4%. O Rio de Janeiro aparece logo depois: 1,7%. Já Sergipe é o que possui o maior contingente exercendo alguma atividade: 37,2%.


A Secretaria da Administração Penitenciária do Ceará informa que, desde o início deste ano, o sistema penitenciário cearense passa por uma profunda reestruturação, desde mudanças práticas de funcionamento até a modificação e melhoria estrutural das suas unidades prisionais.


“Passada a fase inicial do processo, a SAP dedica seus esforços para os serviços de educação e qualificação profissional aos internos do sistema. Em aproximadamente 90 dias já construímos novas salas de aula e conseguimos estabelecer ensino de alfabetização, fundamental e médio a cerca de 1.900 internos. Até o fim deste semestre dobraremos esse efetivo de alunos. Ainda neste mês de abril e começo do mês de maio, lançaremos dois programas que inserem indústrias de peso para o trabalho dos detentos e uma parceria com Senai e Senac, que deve qualificar profissionalmente mais de 4 mil presos até o fim de 2019”, afirma.


Presos estudam na Unidade de Progressão do Complexo Penitenciário de Piraquara (PR) — Foto: Danilo Pousada/GloboNews



Serviços de manutenção em Sergipe


Em Sergipe, o secretário de Justiça e Cidadania, Cristiano Barreto, diz que o número positivo reflete a preocupação com a ressocialização dos detentos. “Uma das primeiras medidas foi instituir uma coordenação, equiparada em autonomia ao departamento que gerencia a parte de segurança, que foca a reinserção social: trabalho, estudo, assistência social e saúde. O preso parado e ocioso tendia a retornar ao sistema. Era preciso conferir a ele uma ocupação para evitar a reincidência.”

Segundo ele, os presos hoje fazem atividades voltadas à manutenção das próprias unidades, como limpeza e auxílio na parte administrativa, além de artesanato. Uma boa parte trabalha também numa linha de montagem de chuveiros elétricos, em razão de um convênio com uma empresa privada. Novas parcerias devem ser firmadas em breve, conta.

“Há dois anos, havia uma oficina de máquinas de costura no presídio feminino desativada por falta de manutenção. Hoje, a realidade é outra. A gente tem um projeto, chamado Odara, que foi inclusive visitado pela ministra Carmen Lúcia e tem sido reconhecido. É um ateliê em que as próprias presas confeccionam diversas vestimentas”, afirma.

Apesar do alto índice de presos trabalhando, o percentual de detentos que estudam em Sergipe ainda é baixo: 3,6% – o segundo menor do país.

“Com relação ao trabalho, existe a questão da diminuição da pena, fora que é remunerado e o preso consegue ajudar a família. É mais atrativo. Além disso, é preciso lembrar que tudo é sempre voluntário. O estado não pode obrigar o interno a estudar. E infelizmente as condições físicas das unidades dificultam, apesar de não serem impeditivas”, diz Barreto. Segundo ele, porém, a parte de salas de aula será melhorada.


Presos trabalham em horta da Unidade de Progressão do Complexo Penitenciário de Piraquara (PR) — Foto: Danilo Pousada/GloboNews




Convênio com a Secretaria de Educação no Piauí





Já o Piauí é o estado com o maior percentual de presos estudando: 40%. O subsecretário de Justiça do estado, Carlos Edilson, diz que o dado é resultado de um convênio com a Secretaria da Educação, que passou a gravar aulas e também fazer sessões por teleconferência.


“Há professores que atendem nos presídios também, mas esse número é grande em razão dessa pactuação feita para os presos que têm assistido às aulas por vídeo. Vale ressaltar que quase todas as unidades possuem uma sala de aula no estado”, diz. “Muitos dos presos aprendem a ler e se alfabetizam dentro da prisão.”


Edilson afirma ainda que há um número elevado de presos participando do programa “Leitura livre”. “Os livros são fornecidos aos reeducandos, que podem ler em suas próprias celas. Depois, eles precisam participar de grupos de discussão e fazer resenhas, que são corrigidas. Isso serve para remição da pena.”


Para Maíra Fernandes, a questão do estudo e do trabalho devia ser prioridade no país. “Devia ser política prioritária, de fato, no sistema penitenciário. E é tão fácil fazer isso com parcerias adequadas. Lembrando que, pela Lei de Execução Penal, o trabalho do preso é remunerado. E é importante que seja remunerado para que ele, quando saia do presídio, possa ter uma reserva financeira, uma renda mínima, para recomeçar sua vida. Não adianta ele sair do presídio pela porta da frente e não ter o dinheiro nem da passagem.”




Unidade de referência no Brasil





O Paraná é um dos estados com o maior percentual de presos que estudam (36,3%) e que trabalham (30,7%). Na Unidade de Progressão do Complexo Penitenciário de Piraquara, por exemplo, todos os presos estudam e trabalham. São cerca de 300 detentos na unidade, que tem apenas dois anos e já virou referência no país.


Para ser admitido no local, o preso não pode ter cometido crimes violentos. Além disso, a ficha criminal é analisada e passa pela avaliação de uma equipe multidisciplinar.


Ao trabalhar e estudar, o detento consegue reduzir a pena e também ganha um salário mínimo. Parte do valor pode ser destinado à família dele, fora do presídio. No local, existe uma biblioteca que é organizada pelos próprios presos. A cada livro lido, há quatro dias de remição de pena. A taxa de reincidência dos presos que saem do local é de apenas 5%.


Todos os presos da Unidade de Progressão do Complexo Penitenciário de Piraquara (PR) estudam e trabalham — Foto: Danilo Pousada/GloboNews


Outras dez unidades semelhantes estão sendo implantadas no estado.


Ruy Mugiati, desembargador e supervisor do Grupo de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e Socioeducativo do TJ-PR, diz que se trata de um processo de construção. “Todas as pessoas que visitam a unidade se sentem bem. Porque o ambiente dessa unidade é de construção, e não só do prédio, mas, principalmente, dentro das pessoas. Isso é perceptível. Na sala de aula, no canteiro de trabalho, no local de diversão, no culto ecumênico.”


“Quando saírem daqui, elas vão sair melhores que elas entraram no sistema. É isso que um sistema penitenciário tem que entregar à sociedade como resultado do seu trabalho, essa promessa tem que ser cumprida, para que esse sistema seja efetivamente um sistema de segurança, e não uma escola do crime, porque a sociedade tem que perceber que sustentar uma escola do crime é um fator de grande insegurança, porque ela passa a fazer parte do círculo de violência que atinge a sociedade.”





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Participaram desta etapa do projeto Monitor da Violência:


Coordenação: Thiago Reis


Dados e edição: Clara Velasco e Thiago Reis


Produção e reportagem: Bárbara Carvalho, Clara Velasco, Carolline Leite, Gabriel Prado, Guilherme Ramalho e Thiago Reis


Imagens (vídeos): Danilo Pousada, David Faria e Rodrigo Pires


Edição de imagens (vídeos): Camilla Machuy, Daniela Adrião e Sérgio Fernandes


Edição de texto (vídeos): Carolline Leite e Lucas Torres


Operação técnica (vídeos): Jundy Leal


Edição (infografia): Rodrigo Cunha


Design: Guilherme Gomes e Igor Estrella

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