terça-feira, 13 de maio de 2008

O Déficit Penitenciário





A constatação de que, a cada dia, entram cerca de 200 presos a mais do que os que saem das 1.150 prisões espalhadas pelo país, conforme dados do Ministério da Justiça, alerta para o risco de caos iminente no sistema penitenciário, que precisa ser evitado com ações emergenciais e de médio e longo prazos.

A situação atual só não é mais grave porque, pela primeira vez nas últimas três décadas, no ano passado houve uma oferta de vagas 7,4% superior à do número de presos que entraram no sistema. Ainda assim, o déficit oficial no país é de 185 mil vagas, mais de 9 mil só no Rio Grande do Sul. A evolução demonstra que o país tem um desafio pela frente, mas que a solução para evitar a impunidade no país não se limita, obviamente, à ampliação de vagas nos cárceres.

A realidade dos presídios no Brasil, que o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, definiu como um "quadro de vergonha nacional" se deve a um descaso histórico, agravado em conseqüência de uma combinação de fatores nos últimos anos. Os índices de delinqüência aumentaram, a polícia está reprimindo mais e o Judiciário, embora ainda lento, condena um número cada vez maior de pessoas a ir para as cadeias, que precisam de vagas para recebê-las. Esse conjunto de fatores dá margem a uma deterioração que, no Rio Grande do Sul e no país de maneira geral, precisa ser atacada em múltiplas frentes.

Somente de janeiro do ano passado até agora, o número de detentos no país ampliou-se em 13,4%. Desde o início da década, o total praticamente dobrou. Ao mesmo tempo, o Ministério da Justiça calcula em 550 mil o número de ordens de prisão em aberto, que não teriam como ser cumpridas ao mesmo tempo.

A análise fria dos números confirma que o Estado e o país devem, sim, criar mais vagas nos presídios. Ao mesmo tempo, precisam investir em medidas de prevenção da criminalidade e de recuperação dos presos, para evitar que continuem voltando tão rapidamente e num número tão elevado para os presídios, depois de terem cumprido suas penas.

Publicado em Zero Hora - Editorial - de 13 de maio de 2008

Comentário do Bengochea - Parabéns pelo editorial. Realmente, a muito tempo existe "o risco de caos iminente no sistema penitenciário, que precisa ser evitado com ações emergenciais e de médio e longo prazos", mas até agora nada houve para mudar esta situação. Há um passivo tanto no Judiciário que é o responsável pela aplicação coativa da lei e penalização dos autores de ilícitos, como no Executivo a quem incumbe a guarda dos apenados pela justiça. Lógicamente a "a solução para evitar a impunidade no país não se limita, obviamente, à ampliação de vagas nos cárceres", mas sim à construção de um sistema mais amplo de ordem pública envolvendo instrumentos judicial, MP, policial, prisional, defensorias, saúde e assistencial. Um dos maiores óbices na preservação da ordem pública é a visão míope de segurança pública focada apenas na polícia e nos presídios. O pior é se deparar com manifestações retóricas como as do Exmo Sr Presidente STF que definiu que "o quadro de vergonha nacional se deve a um descaso histórico", quando o próprio judiciário tem se distanciado das questões de ordem pública e estimulado esta vergonha ao tolerar e ser conivente com os abusos e desrespeito aos direitos humanos causados pelas políticas prisionais até agora em vigor. O judiciário, ao invés de argüir responsabilidade, prefere soltar ou beneficiar antes do tempo e sem as mínimas condições para a reinclusão social dos apenados.

Se "os índices de delinqüência aumentaram, a polícia está reprimindo mais e o Judiciário, embora ainda lento, condena um número cada vez maior de pessoas a ir para as cadeias, que precisam de vagas para recebê-las", urge uma reformulação no sistema e nas leis e apuração de responsabilidades para que o caos se alastre, pois de retórica a sociedade está cheia.

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