quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

PRISÕES BRASILEIRAS REGISTRAM UMA MORTE A CADA DOIS DIAS


FOLHA.COM 09/01/2014 - 03h00


ESTELITA HASS CARAZZAI DE CURITIBA
DIOGENES CAMPANHA DE SÃO PAULO




Conhecidas como "escolas do crime", as prisões do Brasil foram cenário de ao menos 218 homicídios em 2013. Isso representa média de uma morte a cada dois dias.

Só o complexo de Pedrinhas, em São Luís, respondeu por 28% do total nacional e por todas as mortes em prisões do Estado, aponta levantamento da Folha. Alagoas, Bahia e Rondônia não forneceram informações.

No Maranhão, que enfrenta grave crise de segurança, a chance de ser morto num presídio é quase 60 vezes maior do que do lado de fora.

Os números incluem apenas as mortes violentas no sistema prisional dos Estados. Não consideram casos registrados em carceragens de delegacias, para os quais não há dados consolidados.

Ou seja, a violência atrás das grades pode ser ainda maior, já que historicamente o número de presos sob custódia policial equivale a 10% do total de detentos em cadeias e presídios.

Além disso, há casos de mortes em cadeias que permanecem em investigação e, por ora, não foram computados como homicídios.

Em Mato Grosso do Sul, por exemplo, nenhum crime foi registrado em 2013, mas 14 óbitos estão "a esclarecer".

Cadeia superlotada em São Luís






Marlene Bergamo/Folhapress
Presos em cadeia superlotada no MA, que não faz parte do complexo de Pedrinhas

'GATORADE' DA MORTE

"A subnotificação é a regra", diz o assessor jurídico da Pastoral Carcerária, José de Jesus Filho.

Segundo ele, em muitos Estados há ainda a chamada "morte gatorade", em que os presos são obrigados a tomar um coquetel com drogas que leva à overdose.

Com cerca de 550 mil pessoas no sistema prisional, o Brasil tem, em números absolutos, a quarta maior população carcerária do mundo.

Fica atrás apenas de EUA (2,2 milhões), China (1,6 milhão) e Rússia (680 mil).

Brigas de toda a natureza são apontados como motivos mais comuns das mortes.

"Há rivalidades entre facções e também acertos de contas isolados, de quando já há problemas fora do presídio", afirma o diretor do Departamento Penitenciário do Paraná, Cezinando Paredes.

Nem mesmo a separação dos presos por alas, isolando gangues rivais, é capaz de eliminar esse tipo de ocorrência, dizem as gestões.

Os presos, segundo Paredes, convivem 24 horas. Rixas podem surgir qualquer momento, num ambiente tenso.

"Quando alguém planeja uma morte, ainda mais num ambiente em que se conhece a rotina da vítima, é difícil evitar", diz o superintendente de segurança penitenciária de Goiás, João Carvalho Coutinho Júnior.

Goiás, que registrou 17 homicídios em 2013, faz inspeções três vezes por semana nos principais presídios do Estado atrás de armas. Encontra cerca de 50 por vez.

Editoria de Arte/Folhapress




Só volto para o presídio de Pedrinhas morto, diz foragido no MA

JULIANA COISSI E MARLENE BERGAMO
ENVIADAS ESPECIAIS A SÃO LUÍS (MA)


"Eu dou um tiro na cabeça, te juro, se eu tiver que me entregar. Para Pedrinhas só volto se for morto."
Ao conversar ontem pela manhã com a Folha, por telefone, o tom de voz de Carlos Máximo Neto, 27, era ao mesmo tempo de ameaça e de súplica. Temia pela vida.

Neto é um dos 60 presos do Maranhão que ganharam o direito à saída temporária de Natal mas que não voltaram ao complexo de Pedrinhas e outros presídios na data definida pela Justiça. No fim do ano, 309 detentos maranhenses receberam o benefício.

Ele deixou Pedrinhas em 23 de dezembro, uma semana após a unidade ser palco de uma cena de barbárie.

Quatro presos foram mortos em rebelião, sendo três deles decapitados. Já são 62 mortes no complexo desde o início do ano passado.

A superlotação acentua a rixa entre facções criminosas que dominam Pedrinhas. Os grupos se dividem entre os presos da capital, do "Bonde dos 40", e os do interior, chamado de PCM (Primeiro Comando do Maranhão).

No caso de Neto, o temor pela volta às celas não é compartilhada por familiares, que não o querem como foragido.

A reportagem acompanhou anteontem o encontro da irmã de Neto com o juiz auxiliar da 1ª Vara de Execuções Penais, Roberto de Paula.

"Eu sei como está lá em Pedrinhas, estamos com medo. Mas ele está no fim da pena, precisa se entregar para conseguir logo sair da prisão", afirmou a irmã ao juiz.

Roberto de Paula ouviu os primeiros argumentos e a questionou em seguida sobre o paradeiro do irmão.

Ela admitiu que Neto estava escondido e partiu para um segundo apelo. Retirou o celular da bolsa e pediu ao juiz que ligasse para o foragido de Pedrinhas: "Doutor, convença meu irmão".

O magistrado se recusou, e ela deixou a sala com uma promessa: no dia seguinte, voltaria com o irmão rendido.

A jovem conhece bem o juiz, já que costuma interceder não só por Neto, mas também por outro irmão, detido em outro presídio local.

Condenado por assalto, Neto perambulou por cinco anos em unidades de Pedrinhas. Os últimos dois viveu na penitenciária, local criado para presos do regime semiaberto (mas, sem trabalho na cidade, cumpria pena como se estivesse no fechado).

'inferno'

A angústia da irmã, porém, não superava o medo do rapaz. "Lá em Pedrinhas tem ladrão atirando um no outro. Ninguém quer voltar para aquele inferno", disse à reportagem ainda pela manhã.

No início da noite, porém, foi surpreendido na casa da avó (o esconderijo) por um grupo de policiais. Recapturado, foi levado a Pedrinhas.



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