sábado, 27 de janeiro de 2018

NÃO TEM DISCUSSÃO SÉRIA SOBRE SEGURANÇA




ENTREVISTA


"Não tem discussão séria sobre segurança"


JOSÉ ANTÔNIO DALTOÉ CEZAR, Desembargador do TJ do RS




Especialista em Direito Penal, aos 57 anos, o desembargador José Antônio Daltoé Cezar já foi titular em vara e câmara criminal e em juizados da infância. É escritor e conferencista sobre o tema. Com 30 anos de magistratura, Daltoé deixa a área criminal devido ao descontentamento com o sistema penal do país.

Em 2013, o senhor criticou o fato de presos irem para casa com tornozeleiras por falta de vaga no semiaberto. Agora, condenados estão sendo soltos sem qualquer controle.

É preciso construir presídios. Grande parte dos réus fica presa somente no andamento do processo. Depois são julgados, condenados e liberados por falta de vagas. É pior do que enxugar gelo. Em dezembro, pedi transferência para a 8ª Câmara Cível.

Está desiludido?

Sim. O sistema prisional é muito ruim. No Brasil, não tem discussão séria sobre segurança, sobre presídios, sobre como cumprir a pena. O Poder Executivo não se responsabiliza.

O trabalho para se manter um condenado preso, às vezes, parece ser desfeito?

Sim. Há muitos gastos. Envolve as polícias, o Ministério Público, o Judiciário no primeiro e segundo graus, até em Brasília. E, no final, as condenações caem como castelos de cartas.

Como o senhor interpreta as diferenças de tratamento entre jovens infratores e criminosos adultos?

Conheço bem os dois sistemas. O dos adolescentes é ruim, mas o dos adultos é muito pior. Em muito casos, os jovens ficam, de fato, recolhidos. São mais responsabilizados do que os adultos. Deve ter adolescente na Fase querendo ir para um presídio, porque não ficará preso.


COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - Concordo com o sr. desembargador José Antônio Daltoé Cezar de que as questões de segurança  não tem uma discussão séria no Brasil. O principal motivo é o corporativismo dos poderes que impede tratar a segurança como um DIREITO a ser garantido por um SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL e não por gestões político-partidária focadas em forças e departamentos de controle, sem finalidade e sem objetivos. E neste "sistema de justiça criminal" há o subsistema de execução penal envolvendo poderes e órgãos relacionados na LEP com competência,  atribuições e incumbências nas questões prisionais. Entre estas "incumbências" há a devida apuração de responsabilidade em caso de ilicitudes e irregularidades. Por que não são apuradas pela justiça? Por que a justiça não lidera esta discussão? Está na hora das autoridades de justiça pararem de se omitir e começar a enfrentar a irresponsabilidade de seus membros e do poder político para que a Lei de Execução Penal seja cumprida na finalidade, no objetivo e na humanidade.

CADEIA VIRTUAL



ZERO HORA 27 de Janeiro de 2018

JOSÉ LUÍS COSTA

SEGURANÇA. 693 PRESOS CUMPREM PENA EM CADEIA VIRTUAL. 



COM CONDENADOS POR CRIMES cometidos na Grande Porto Alegre, maior unidade do regime semiaberto do Estado só existe no computador



Nos corredores de órgãos de segurança tornou-se comum ouvir a expressão "o preso está na nuvem". Aos mais desavisados, pode soar como brincadeira. Mas, na prática, a frase significa que o condenado está recolhido virtualmente.

Enquanto 551 apenados estão em albergues na Região Metropolitana, 693 estão na "nuvem", sem tornozeleira eletrônica. Ou seja, cumprem pena em casa, livres, sem controle. Oficialmente, seus nomes constam no "Estabelecimento Susepe de Vagas", a maior cadeia do semiaberto no Estado, que só existe nos computadores da Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe). O fenômeno é um novo estágio do caótico sistema prisional gaúcho.

Somado aos 792 presos monitorados com tornozeleiras, o número de criminosos em casa é quase o triplo dos recolhidos em albergues na Região Metropolitana. O "Estabelecimento" é, na prática, uma lista eletrônica de apenados à espera de uma tornozeleira ou vaga em albergues do semiaberto. Como não existem equipamentos em quantidade suficiente nem espaços nas cadeias, a Susepe não sabe qual destino dar aos condenados no momento em que eles devem começar a cumprir a pena no semiaberto.

A ordem é, uma vez por semana, apresentarem-se em busca de vaga ao Instituto Padre Pio Buck, unidade ao lado do Presídio Central de Porto Alegre, que na década passada já foi um semiaberto e cujo setor administrativo é usado hoje para instalar tornozeleiras. Todos os dias, filas se formam na frente do Pio Buck, onde apenados "batem o ponto". A maioria volta para casa com a recomendação de retornar nas semanas seguintes, o que se repete sucessivamente meses afora. Estão nesse grupo traficantes, homicidas, sequestradores, estupradores, assaltantes de banco e de carros e estelionatários.

Chamado por policiais de "sempre aberto" pela facilidade com que os detentos chegam às ruas, os albergues entraram em colapso há uma década. Em parte por causa da flexibilização da lei penal que abrandou as normas de progressão do regime fechado. Iniciativas para endurecer as regras não faltam. Há cinco anos, o Tribunal de Justiça do Estado (TJ) encaminhou a uma comissão de juristas, em Brasília, proposta de extinção do semiaberto. E, ao menos, quatro projetos de lei sobre o tema tramitam no Congresso sem avanços, sufocados por discussões de maior interesse do governo federal, como a reforma previdenciária.

"ESTÃO JOGANDO DINHEIRO PÚBLICO PELA JANELA"

Outro motivo para a falência do semiaberto é a escassez de investimentos em albergues. As últimas obras ocorreram em 2010, quando foram erguidas seis unidades emergenciais. Apenas uma segue de pé, mas em ruínas, jamais ocupada (leia ao lado). Três anos depois, o governo do Estado desistiu de construir albergues, optando pelo monitoramento eletrônico. Prometeu 5 mil tornozeleiras, mas o número máximo chegou à metade. O promotor Alexander Thomé, da Promotoria de Execução Criminal, lembra que, no final do ano passado, um ofício da Susepe informou que o órgão chegou ao seu limite operacional de controle das tornozeleiras - atualmente são 2,4 mil apenados monitorados.

Segundo o promotor, a Susepe não pode aumentar o número de servidores nem de equipamentos por questões financeiras. Rodrigo Kist, diretor jurídico do Sindicato dos Servidores Penitenciários do Estado (Amapergs-Sindicato), lembra que, entre 2016 e 2017, o número de presos monitorados subiu de 1,6 mil para 2,4 mil, enquanto o quadro de agentes para o trabalho caiu de 90 para 60.

- Soubemos que vai aumentar o volume de tornozeleiras. Isso, necessariamente, vai exigir contratação imediata de mais servidores. Temos 2 mil candidatos aprovados em concurso que não foram chamados para curso - afirma.

Segundo Thomé, o Estado não fez nova licitação para tornozeleiras e está prorrogando o atual contrato. Isso o motivou a solicitar audiência para obter explicações.

- Acendeu a luz vermelha. São muitas pessoas na rua a deus-dará. A crise na segurança é enorme, precisa de, ao menos, algum controle. Do contrário, desmoraliza o sistema - observa o promotor.

Para o juiz da Vara de Execuções Criminais da Capital Sidinei Brzuska, a situação é fruto de deficiências de gestão. Ainda segundo o magistrado, os albergues estão sem segurança, têm fugas frequentes e viraram bocas de fumo, pontos de prostituição, esconderijo de assaltantes e até cemitério de presos, executados por desafetos.

- O Estado abandonou as casas, e foi perdendo o controle do semiaberto. Isso levou ao fechamento de unidades por iniciativa de governo e outras por interdições judiciais - observa o magistrado.


Assaltante de carro-forte fugiu da "nuvem" em julho



Rafael Oliveira de Azambuja, 30 anos, foi preso em 2014. Desde então, tem três condenações por assalto que somam 23 anos de cadeia, até 2036. Em junho de 2017, após cumprir um sexto da pena, ganhou direito ao regime semiaberto.

A progressão foi registrada em processo de execução, mas a transferência da Penitenciária Estadual do Jacuí (PEJ) para um albergue não se efetivou. A partir daí, a Vara de Execuções Criminais de Novo Hamburgo determinou que ele fosse liberado da PEJ e procurasse a Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe). O órgão deveria remover Azambuja para um estabelecimento prisional compatível com o semiaberto.

Em 3 de julho de 2017, Azambuja foi até o Instituto Penal Padre Pio Buck, e acaboui incluído na nuvem, ou seja, no "Estabelecimento Susepe". Ficaria dois dias na nuvem para depois se apresentar na Colônia Penal Agrícola, em Charqueadas, para seguir cumprindo pena. Jamais apareceu. Em 11 de janeiro, segundo a polícia, Azambuja estava no comando da quadrilha que atacou um carro-forte, roubou valores e amarrou falsas bombas-relógio na cintura de vigilantes, no bairro Anchieta, zona norte de Porto Alegre.

As condenações impostas a Azambuja são por conta de roubo de R$ 300 mil do Banco do Brasil, em Içara (SC), em 2011. A segunda, pelo assalto, em junho de 2013, a uma agência do Itaú, em Porto Alegre. Levou R$ 353 mil e dois revólveres de vigilantes. O terceiro crime, em julho de 2013, foi o roubo de R$ 184 mil de uma agência do Santander, no bairro Petrópolis.

Segundo o delegado Joel Wagner, da Delegacia de Repressão a Roubos e Extorsões, Azambuja é suspeito de participar de assalto a uma agência do Banrisul, na zona norte de Porto Alegre, em novembro de 2017, e, 10 dias depois, de roubo a malote de lotérica, em um hipermercado.

- É um risco para a sociedade esse tipo de pessoa solta. Precisa maior rigor na lei e reformulação do semiaberto - avalia Wagner.



 

segunda-feira, 15 de janeiro de 2018

O MITO DO ENCARCERAMENTO EM MASSA

O ESTADÃO - 05 Setembro 2017 | 05h00


Bruno Amorim Carpes*



Bruno Amorim Carpes. FOTO: DIVULGAÇÃO

“Números redondos são sempre falsos”, alertava o escritor inglês Samuel Johnson. Nos últimos anos, mídia engajada, ativistas e setores da academia jurídica têm repetido à exaustão que o Brasil possui um “sistema punitivista e encarcerador em massa”. De forma a referendar suas convicções, citam os números do relatório Infopen, divulgado pelo Ministério da Justiça em dezembro de 2014, que revela a existência de aproximadamente 622.000 presos nas cadeias brasileiras. Esta estatística alavanca o país, segundo o próprio relatório, ao 4º lugar mundial em população carcerária em números absolutos, não obstante a posição brasileira de 5ª maior população mundial, suspeitosamente omitida.

Em estudo conjunto com Promotores de Justiça de Minas Gerais, dentre eles Renato Teixeira Rezende, apresentado no I Congresso Brasileiro da Escola de Altos Estudos em Ciências Criminais, realizou-se análise comparativa detalhada entre os números divulgados em 2014 pelo relatório Infopen e as estatísticas divulgadas pelo Conselho Nacional do Ministério Público, em 2016, em seu Relatório do Sistema Prisional Brasileiro.

Já em um primeiro passar de olhos, surpreendi-me com a gritante incongruência dos números prisionais. Inicialmente, em relação à própria população carcerária: enquanto o órgão federal informa 622.202 presos, o CNMP, no ano seguinte, informa 557.310 presos. A explicação quanto à grande diferença, em parte atenuada pelo número de presos em delegacia não contabilizados pelo CNMP (37.444), pode estar no interesse dos estados brasileiros em inflacionar sua população carcerária, a fim de possibilitar maiores repasses do FUNPEN (Fundo Penitenciário Nacional), uma vez que são os entes federados que informam os dados. Enquanto isso, os números do CNMP são recolhidos pelos membros do Ministério Público encarregados pela fiscalização mensal dos estabelecimentos prisionais.


A seguir, a fim de cotejar os índices de presos com os demais países, em consulta ao sítio eletrônico que busca realizar comparativo global prisional (prisonstudies.org), foi possível constatar que o Ministério da Justiça buscou alavancar a posição brasileira no comparativo, tendo desrespeitado os critérios adotados pelo instituto internacional. Isto é, não observou que o estudo global corretamente considera como preso somente aquele que se encontra em regime integralmente fechado; e como preso provisório somente aquele que se encontra aguardando julgamento.

Por conseguinte, conforme o relatório do CNMP (o último relatório do órgão executivo federal não informa o número de presos por regime), o Brasil possui 456.108 presos – dentre provisórios e no regime fechado, e não 622.202. Essa brutal diferença influencia diretamente na taxa de encarceramento brasileiro (número de presos a cada cem mil habitantes). Assim, adotando-se o justo critério considerado pelos demais países, o Brasil passa a configurar na 60ª posição mundial e na 8ª posição da América do Sul (13 países), com 224 presos a cada 100.000 habitantes. Dessa forma, o país com maior número de homicídios no mundo e que alcançou a marca de aproximadamente um milhão de roubos, conforme levantamento realizado em 2011(parou-se inexplicavelmente a contagem), encontra-se próximo da taxa europeia, de 192 presos para cada 100.000 habitantes.

Ainda, ambos os relatórios consideram presos provisórios todos aqueles sem julgamento transitado em julgado, apresentando percentuais que oscilam entre 35% e 36%, taxas menores que as de Suíça e dos Países Baixos, e em paridade com a Itália, todos países que não utilizam o nosso critério alargado. Não obstante a falta de critério equânime adotado pelos órgãos oficiais, segundo o próprio comparativo global, o país ocupa a 117ª posição em número de presos provisórios para cada 100.000 habitantes. Por fim, em meio ao relatório do Infopen encontra-se o percentual de 26% para presos provisórios sem julgamento há mais de 90 dias, critério praticamente similar ao adotado pelos demais países. Por óbvio, pois, o número de presos provisórios não pode ser causa de preocupação para as autoridades brasileiras e os “especialistas”.

As taxas irreais de encarceramento e de presos provisórios apresentadas por meio do Ministério da Justiça, repetidas a todo o momento, lembram a lição de Daniel Huff em “Como Mentir Com Estatística”, quando alertava para o perigo das amostras com “tendenciosidade embutida”, com a finalidade única de manipular a utilização das estatísticas.

Por outro lado, desde 2006 o sítio eletrônico da entidade “Contas Abertas” vem alertando quanto ao contingenciamento de verbas do Fundo Penitenciário Nacional – o que inclusive já fora reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal na ADPF 347. Entre 2006 e 2015, o governo federal reduziu praticamente pela metade (49,2%) os gastos com o sistema prisional brasileiro, permitindo que o FUNPEN alcançasse no final de 2016, o saldo positivo de 3,5 bilhões de reais disponíveis para investimento no sistema penitenciário, valores predominantemente oriundos das loterias federais e das taxas administrativas. A conclusão divulgada pela “Contas Abertas”, e outrora reconhecida pelo próprio governo federal, é de que se optou pela utilização do saldo para auxiliar na melhoria do balanço financeiro da União, e não pela melhoria do sistema prisional. Surpreendem, aliás, as declarações de ex-Ministro da República que se escandalizava com as prisões brasileiras, nomeando-as de masmorras medievais, enquanto não aplicava vultoso valor à disposição.

Ainda, outro mantra repetido à exaustão refere-se à falência do instituto da prisão. Nesta ordem, declara-se que é autoevidente a falência do cárcere, ante a constatação simplória de que o aumento do número de presos não interferiu na escalada assustadora da criminalidade. Inverte-se de forma bizarra a relação de causa e efeito, segundo a qual a pena é consequência do crime e não o contrário. Ora, com os cerca de 800 mil homicídios registrados apenas entre 2000 e 2015 – dos quais, segundo dados da ENASP, nem 10% resultaram em denúncias – é um verdadeiro escândalo atribuir à pena e não à impunidade o cenário caótico de violência em que ora vivemos.

Apenas a cegueira ideológica, ou malícia pura e simples, impedem alguém de enxergar o óbvio ululante: que a pena detém caráter dissuasório, punitivo e pedagógico (isto sim autoevidente a quem já teve de educar um filho), não é possível visualizar a desproporcionalidade da pena privativa de liberdade aplicada em solo brasileiro. Como refere sabiamente o grande jurista Edilson Mougenot Bonfim: “de tanto esmiuçarem a árvore, esqueceram-se de observar a floresta”.

A partir de dados esquecidos em meio ao relatório Infopen, denota-se que apenas no segundo semestre de 2014, enquanto 279.912 pessoas ingressaram no sistema prisional, saíram praticamente 200.000 pessoas. Consequentemente, é possível deduzir o que muitos operadores do Direito já percebem no cotidiano forense criminal: que o sistema punitivo brasileiro tornou-se totalmente deficiente em razão da desproporcionalidade da pena.

Após inúmeras mudanças legislativas, iniciadas em 1984 por um sistema progressivo irreal, o sistema prisional assemelha-se a uma porta giratória de criminosos, permitindo-se, com o sangue e o sofrimento de incontáveis vítimas, que um malfeitor tenha de cometer inúmeros crimes para permanecer tempo razoável em regime fechado. Em outras palavras, verifica-se que os condenados criminalmente permanecem pouquíssimo tempo no sistema prisional, o que demonstra a falta do efeito intimidatório/dissuasório inerente à pena de prisão por tempo prolongado, conforme alertava o Nobel Gary Becker.

Cabe aqui a pergunta: por que os órgãos oficiais não colhem dados estatísticos que permitam aferir o tempo médio de prisão no regime fechado de condenados por crimes que interferem diretamente na vida social? Ou ainda, qual o percentual de condenados que sequer iniciam o cumprimento da pena em regime fechado? As perguntas muito provavelmente não são feitas em razão da previsibilidade do resultado assustador que desmascara a falácia da narrativa do encarceramento em massa, patrocinado generosamente por instituições internacionais com interesses espúrios.

Infelizmente, nada disso tem incomodado inúmeros “especialistas” na área, que se dizem preocupados com a cientificidade em suas manifestações, mas se encontram perdidos na lama da ideologia. Conforme salientado na paradigmática obra intitulada Bandidolatria e Democídio, escrita pelos Promotores de Justiça Diego Pessi e Leonardo Giardin de Souza: “Transformar o aparato policial e o sistema prisional do país em espantalhos, para em seguida denunciar-lhes a ineficácia e promover sua aniquilação é uma monstruosidade digna dos piores psicopatas. É algo que vem sendo feito de maneira sistemática pelo estamento brasileiro, com um custo de 60 mil vidas por ano”.

*Promotor de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

segunda-feira, 8 de janeiro de 2018

CADASTRO NACIONAL DA POPULAÇÃO PRISIONAL



Cadastro nacional da população prisional já tem dados de três estados

ZERO HORA 18/12/2017





CNJ capacitou equipes dos três tribunais para operar o BNMP 2.0 FOTO: Gil Ferreira/Agência CNJ

Informações da população carcerária de três estados já fazem parte do cadastro nacional de pessoas privadas de liberdade que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) desenvolveu. O Banco Nacional de Monitoramento de Prisões (BNMP 2.0) começou a ser alimentado com dados dos Tribunais de Justiça de Roraima (TJRR), Santa Catarina (TJSC) e São Paulo (TJSP). Os três estados foram escolhidos para testar uma versão-piloto do sistema. Até quinta-feira (14/12), cerca de 530 mil registros individuais tinham sido incluídos no BNMP 2.0.

Não significa que há meio milhão de presos nesses três estados. De acordo com a juíza coordenadora do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e de Execução de Medidas Socioeducativas (DMF/CNJ), Maria de Fátima Alves, cada registro individual pode representar uma pessoa sob custódia do estado, mas também uma pessoa que ainda não está presa, devido ao não cumprimento de um mandado de prisão.

“Quando o banco estiver alimentado por todos os estados, o BNMP 2.0 fornecerá um quadro dinâmico da situação prisional do país, com atualização constante. São dados qualificados produzidos em tempo real pelo Poder Judiciário”, afirmou.
Tecnologia

A inclusão dos dados carcerários de Roraima, Santa Catarina e São Paulo foi trabalhada com duas estratégias diferentes. Em Roraima, servidores do Tribunal de Justiça (TJRR) acessaram o sistema via web, diretamente no site do CNJ, para alimentar manualmente os dados dos presos e das prisões. Para “importar” os dados da população prisional de Santa Catarina e São Paulo, optou-se por alimentação via webservice, integrando o sistema de tramitação virtual operado no TJSC e no TJSP, o Sistema de Automação da Justiça (SAJ), com o BNMP 2.0.

O BNMP 2.0 conterá dados pessoais e processuais sobre os presos ou pessoas procuradas. No caso do cadastro de presos mantidos no sistema carcerário, haverá nome, idade, escolaridade da pessoa privada de liberdade, por exemplo, assim como informações sobre o motivo da prisão. Tempo da pena, nome do juiz que o tiver condenado, para os presos com condenação (definitivos), ou a acusação a que responde, no caso de presos ainda não julgados (provisórios), constarão do registro ligado ao nome de cada cadastrado do BNMP 2.0. Pessoas que têm contra si mandado de prisão não cumprido também terão seus nomes neste banco nacional.
Cronograma

Em Roraima, 1.715 pessoas privadas de liberdade estão cadastradas no BNMP 2.0, entre prisões provisórias e definitivas. Em Santa Catarina e São Paulo, o cadastramento foi iniciado no dia 12 de dezembro. O trabalho em curso é o de inserir documentos processuais no sistema gerido pelo CNJ. Simultaneamente, o CNJ organiza atividades de capacitação de equipes dos três tribunais para operar o BNMP 2.0.

Quando essa etapa, experimental, do projeto estiver concluída, os tribunais da Justiça Estadual informarão à presidente do CNJ e do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Cármen Lúcia, um cronograma de implantação do BNMP em seus estados. A expectativa é de que a fase final do projeto transcorra entre janeiro e maio de 2018.

Manuel Carlos Montenegro
Agência CNJ de Notícias

MENOS 1% DOS PRESÍDIOS É EXCELENTE

ZERO HORA 06/06/2017

Menos de 1% dos presídios é excelente, aponta pesquisa


Exemplo de presídio excelente: Centro de detenção Provisória Feminino de Vila Velha/ES. FOTO: Luiz Silveira/Agência CNJ

Cumprir pena em prisões em excelentes condições é raridade no Brasil. Dados do sistema Geopresídios, mantido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), indicam que apenas 24 (0,9%) de 2.771 unidades de detenção foram classificadas do melhor modo possível. A avaliação é feita por juízes de execução penal em inspeções nos presídios.

A maior parte (48,5%) das prisões recebeu classificação regular. Avaliações de péssimo (27,6%) e ruim (12,3%) vêm em seguida, enquanto um em cada dez é considerado em bom estado. Pesam na análise fatores como infraestrutura para acomodação dos presos, lotação e serviços oferecidos assistência médica, jurídica, ensino e trabalho.

Nenhuma parte do país está livre do problema. “O Brasil é muito heterogêneo. Há presídios críticos em todas as regiões, mas a distribuição é desigual", comenta Rogério Nascimento, conselheiro do CNJ que coordena o Grupo Especial de Monitoramento e Fiscalização (GEMF) para apurar crimes no sistema prisional da região Norte, onde massacres deixaram ao menos 100 presos mortos.

Mais da metade das prisões do norte tem conceito ruim (14,3%) ou péssimo (37,1%), as taxas mais negativas do país. “É a pior situação, não há temor em reconhecer isso. Pode não ter sido a causa determinante das mortes, mas cria o cenário que as tornou possíveis. Em outro contexto, elas seriam bem menos prováveis”, afirma o conselheiro.

Exemplo de péssimo presídio: Presídio Central de Porto Alegre/RS. FOTO: Marjuliê Martini/MPRS

Enquanto condições ruins e péssimas atingem 40% das prisões do país, as excelentes costumam alojar réus especiais. “No geral, elas recolhem presos provisórios especiais. A existência de prisão especial é uma perversidade do nosso desequilibrado sistema. Quando não são fisicamente melhores, ao menos não estão superlotadas”, diz Nascimento.




Militares e advogados ocupam melhor prisão de Brasília

Brasília ilustra a situação. Na capital, o Núcleo de Custódia Militar é a única unidade prisional tida como excelente. O núcleo recebe presos militares — policiais e bombeiros — até a eventual condenação com perda da farda. Abriga também advogados, devido à previsão legal de que sejam detidos em sala de estado-maior até o trânsito em julgado.

O núcleo funciona no 19º Batalhão da PMDF, dentro do Complexo da Papuda, que reúne cinco das nove unidades prisionais do Distrito Federal. "As instalações são alojamentos militares que viraram celas. Puseram grades, cadeados", conta Leila Cury, juíza titular da Vara de Execuções Penais (VEP-DF), que inspeciona os presídios locais.

Com vagas para 76 internos, o local abriga 28 (duas mulheres, 26 homens). Eles dispõem de horta, cozinha, campo de futebol, chuveiro quente e vaso sanitário — os dois últimos ausentes na maioria das prisões. "São celas enormes, claras, com ventilação cruzada. O preso tem fogão, geladeira, televisão, sofá, em cada uma", detalha Leila.

Políticos inscritos na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) já passaram pelo núcleo. “Não deixa de ser um presídio. Embora esteja muito bem em relação ao restante, ninguém sai quando quer, por exemplo. Aos olhos do público, às vezes, parece um privilégio, mas não é. Eles estão sob responsabilidade do Estado", afirma a magistrada.

Além da excelente, quatro prisões de Brasília são consideradas ruins, três boas e uma regular. “É como se o presídio fosse uma casa, construída e mantida pelo Executivo, mas o inquilino é do Judiciário. O preso é responsabilidade nossa, precisamos acompanhar de perto. Quanto mais controle, melhor. Se não, acaba como no Norte”, diz a juíza.

Celas para mães do Centro de detenção Provisória Feminino de Vila Velha. FOTO: Luiz Silveira/Agência CNJ


Geopresídios reúne dados de 2,7 mil unidades prisionais


Os juízes de execução criminal devem, mensalmente, inspecionar as unidades prisionais sob sua jurisdição, como prevê a Lei de Execução Penal (LEP) e a Resolução n. 47/2007 do CNJ. Cabe a eles, também, lançar os dados das visitas no Cadastro Nacional de Inspeções em Estabelecimentos Penais (CNIEP), que alimenta o Geopresídios.

O banco lista 2,7 mil unidades, que incluem cadeias públicas, delegacias e associações de proteção ao preso (APACs) inspecionadas. A inclusão de prisões não registradas deve ser solicitada ao gestor local do sistema.

Os dados por estabelecimentos penais podem ser acessados http://www.cnj.jus.br/inspecao_penal/mapa.php. Na página, filtre os resultados por Informações sobre Estabelecimentos Penais e no campo Tribunais, selecione o tribunal referente ao estado a ser verificado. Em seguida, clique em Gerar Resultados.

domingo, 7 de janeiro de 2018

GUERRA ENTRE FACÇÕES DENTRO DOS PRESIDIOS


A rebelião em Goiás é mais um episódio da guerra entre facções nos presídios. O motim que deixou nove mortos, 14 feridos e dezenas de foragidos é a mais recente batalha de uma disputa entre as grandes facções criminosas do país

MATEUS COUTINHO| DE APARECIDA DE GOIÂNIA
EPOCA 05/01/2018

 
A AGONIA DA ESPERA
Familiares se desesperaram em busca de notícias. Eles não sabiam se seu parente preso estava vivo, ferido ou foragido (Foto: Sérgio Lima/ÉPOCA)

A tarde começou agitada no primeiro dia do ano na Colônia Agroindustrial de Aparecida de Goiânia, em Goiás, onde ficam os presos que cumprem pena no regime semiaberto no estado. Situada no centro do complexo, a ala C, dominada pela facção paulista Primeiro Comando da Capital (PCC), começava a se movimentar. Nela amontoavam-se 388 detentos em 12 celas. É a maior ala do presídio. A insatisfação dos detentos após quatro dias sem água serviu de estopim para que as duas maiores organizações do país, PCC e a carioca Comando Vermelho (CV), protagonizassem mais um capítulo da sangrenta briga por território que se estende há mais de ano na esteira da omissão dos governos.


Por volta das 14h30, sob o efeito de drogas e portando facas e armas de fogo, os detentos da ala, dominada pelo PCC, se reuniram e rumaram para a ala B, mais identificada com o Comando Vermelho, onde ficavam 180 detentos. O atalho para chegar à ala vizinha, separada por um muro e um portão de grade, foi um buraco aberto na parede da cela de um dos detentos, cavado há dias. A cena foi seguida por tiros, ataques e agressões que tinham alvos definidos: os membros do Comando Vermelho nas alas A e B.

As cenas de brutalidade que se seguiram foram gravadas por celulares dos próprios detentos em vídeos que remontam às rebeliões ocorridas antes em Roraima, Amazonas e Rio Grande do Norte. Detentos protagonizavam ataques brutais de facas e até machado, queimavam colchões e depredavam geral, tudo com as saudações ao PCC. Em outros, celebravam decapitações, em meio a vísceras esparramadas pelo local e até dependuradas na cerca do presídio.

Por volta das 16 horas o Grupo de Operações Penitenciárias Especiais (Gope), uma espécie de tropa de choque da segurança penitenciária no estado, com apoio do Batalhão de Choque da Polícia Militar, conseguiu retomar o presídio, e os bombeiros controlaram as chamas. O estrago feito: dois decapitados, sete mortos no incêndio (todos do Comando Vermelho) e 14 feridos, além de três armas de fogo apreendidas (um revólver 38 e duas pistolas 9 mm), 15 facas e 200 gramas de cocaína.




A tragédia na Colônia Agrícola de Aparecida de Goiânia, com base em relatos de agentes, detentos, familiares e investigadores, era mais que esperada e consequência de uma briga por território entre os dois grupos criminosos que controlam o tráfico. Desde outubro de 2016, o CV se uniu a organizações criminosas locais – como Família do Norte, no Amazonas, e Sindicato do Crime, no Rio Grande do Norte (ver o mapa) – para enfrentar o PCC. A reportagem teve acesso a um mapeamento dos órgãos estaduais que mostra que, de janeiro a dezembro de 2017, o número de detentos ligados ao PCC no estado disparou de 40 para 700.

A facção está presente em cerca de 80% dos 137 presídios de Goiás e chega até a fazer conferências semanais por telefone com todos eles. O estado é estratégico para o tráfico por uma questão logística: além de estar literalmente no centro do país, facilitando a distribuição para qualquer região, fica próximo de Brasília, um importante mercado para o tráfico devido à alta renda de seus moradores, além de ser utilizado também na rota internacional, distribuindo drogas que vêm de países vizinhos como o Paraguai. A articulação da quadrilha contrasta com a desorganização e má gestão do sistema penal abarrotado em Goiás, não muito diferente do resto do país.

Na hora do massacre em Aparecida de Goiânia, havia apenas cinco agentes penitenciários no local para cuidar dos 721 detentos que estavam lá – 388 da ala C, dominada pelo PCC. Diante da proporção, muito abaixo da recomendação internacional de um agente para cada cinco detentos, os próprios funcionários sugeriram aos presos que não estavam envolvidos no conflito que deixassem a prisão, rodeada por um matagal e próxima a uma região industrial do município.

Segundo relatório da Secretaria de Segurança Pública de Goiás, 207 detentos seguiram a recomendação dos agentes e fugiram para o entorno do local, mas retornaram tão logo a tropa de choque da Polícia Militar retomou o controle, por volta das 16 horas do dia da rebelião. Outros 106 presos, porém, aproveitaram a oportunidade para fugir. Nesse grupo estava o filho da aposentada Sônia, de 55 anos (ela não quis se identificar com o sobrenome), que foi recapturado no mesmo dia, assim como outros 28 detentos. Na última vez que Sônia visitara o filho, em 31 de dezembro, o rapaz adiantou para a mãe o que estava por vir: “Mãe, vai ter invasão aqui, a turma da ala C vai invadir nós (sic)”, relatou. Sônia era uma das dezenas de familiares que passaram os primeiros dias do ano sem saber se seu parente preso estava vivo, ferido ou foragido.

MARCAS
Ricardo Cristiano Lima exibe os ferimentos que sofreu. Ele retornou à prisão depois de se esconder na mata (Foto: Sérgio Lima/ÉPOCA)

Dois dias após o motim que chocou o país, uma mulher loira era uma das cinco pessoas atrás de informações sobre detentos no balcão de entrada da Colônia Agroindustrial. Abalada após ouvir dos agentes do presídio que seu marido não estava lá, ela começou a caminhar de um lado para o outro. Foi para um canto, em uma parede na lateral da recepção, para falar ao telefone. “Meu marido é esperto, ele não ia se machucar”, afirmava aos prantos. Abordada pela reportagem, que presenciou a cena, ela não quis dar entrevista.


Ricardo Cristiano Lima, de 29 anos, foi um dos detentos que retornaram espontaneamente à prisão. Por volta das 16 horas da quarta-feira, o detento chegou à Colônia Agrícola para se entregar. Ferimentos em seu corpo, provocados por pedradas, exibiam nele a marca da ação do PCC. Ricardo ficava na ala A e fugiu no dia do motim. Correu pelo vasto matagal que circunda a penitenciária até chegar a uma favela próxima. “Me escondi em uma casa e fiquei esperando”, contou. Retornou à prisão com sua advogada e só se apresentou após ter a garantia de que seria transferido para a Penitenciária Coronel Odenir Guimarães (POG ), para onde foram mandados os presos sem relação com a briga.

A origem da rebelião remonta a fevereiro do ano passado, quando um dos maiores traficantes do estado morreu em uma briga de gangues na POG. Thiago César de Souza, então com 32 anos, era ligado ao PCC. Sua morte desencadeou uma reação do grupo criminoso, que passou a se expandir e ocupar o espaço que era do Comando Vermelho, acirrando o clima nos presídios. Segundo investigadores, as práticas adotadas pelas lideranças do grupo nos presídios têm sido a extorsão e a ameaça, com a promessa de garantir proteção ao preso e a seus familiares, moeda de troca irrecusável para os detentos. Ainda assim, o Comando Vermelho também tem mostrado sua força.



Cinco dias antes do episódio em Aparecida, membros do CV decapitaram um integrante do PCC no presídio do município de Jaraguá, no interior do estado. O caso ainda está sob investigação da Polícia Civil. O Comando Vermelho tem mantido força nas cidades localizadas nas fronteiras do entorno do estado, enquanto o PCC se concentra na região central, mais próxima do Distrito Federal.

Somente na noite de quarta-feira o governo do estado admitiu que a rebelião em Aparecida foi devido ao confronto das duas facções. Ainda assim, até a noite de quinta-feira, as autoridades não puniram e nem retiraram da Colônia os detentos da ala C. Foram transferidos apenas os das alas A e B. Para tentar apaziguar os ânimos, a Justiça ainda autorizou temporariamente os detentos que trabalham durante o dia a não retornar à noite para dormir – mesmo sem tornozeleiras eletrônicas.


A situação em todo o estado, porém, continua prestes a explodir. Na noite da quinta-feira, dia 4, houve uma nova tentativa de rebelião dos detentos da ala C. Na madrugada da sexta-feira, dia 5, foi a vez de a POG registrar um princípio de motim. A maior preocupação das autoridades agora são os presídios do interior, que não contam com a estrutura do choque e das tropas especiais da PM para agir rapidamente e controlar motins. O secretário de Segurança Pública de Goiás, Ricardo Balestreri, afirmou na sexta-feira que mapeou articulações de aproximadamente 20 rebeliões no estado. Nenhuma se concretizou. O diretor-geral de administração penitenciária, Edson Costa, afirmou que vai transferir presos para tentar desarticular as rebeliões. Uma inspeção dias antes, por determinação da presidente do Supremo Tribunal Federal, ministra Cármen Lúcia, havia constatado que os agentes não controlam a situação do presídio de Aparecida.

A disputa sangrenta em Goiás é apenas mais um capítulo no previsível avanço do crime organizado nas cadeias e fora delas. As duas grandes facções passam por um processo de consolidação do poder no Brasil todo, à sombra da omissão das autoridades que não assumem um plano estratégico de âmbito nacional. Enquanto cada estado tenta conter a ameaça sozinho, o Brasil se vê cada vez mais refém de grupos bem estruturados e sem escrúpulos.

quinta-feira, 4 de janeiro de 2018

REBELIÕES E MASSACRES EM PRESÍDIOS



ACERVO O GLOBO
Publicado: 25/01/17 - 14h 46min
Atualizado: 03/01/18 - 21h 44min



Rebeliões e massacres em presídios: 10 casos que chocaram o Brasil e o mundo. Na Ilha Anchieta (SP) ocorreu 1º grande motim, em 1952. Com superlotação e ação de facções, cadeias registram índice anual de 58 mortes violentas por 100 mil presos


Fabio Ponso*

Janeiro de 2017. Nos primeiros 15 dias do ano, três violentas rebeliões em penitenciárias do Norte e do Nordeste do Brasil, motivadas pela guerra entre facções criminosas rivais, deixaram 119 mortos, o equivalente a 30% de todas as mortes ocorridas em presídios no ano anterior. Os números alarmantes e a crueldade das execuções, com decapitações e esquartejamentos, chamaram a atenção do mundo inteiro.

Na tarde do dia 1º, um motim de 12 horas, com confronto entre presos de grupos rivais, no Complexo penitenciário Anísio Jobim (Compaj), e Unidade Prisional do Puraquequara, em Manaus, terminou com 60 mortos. Cinco dias depois, na Penitenciária Agrícola de Monte Cristo, em Roraima, o conflito terminou com 33 mortos em menos de uma hora, numa provável retaliação da facção ligada às vítimas do massacre ocorrido em Manaus. Por fim, no dia 14, teve início outra guerra, na Penitenciária Estadual de Alcaçuz, no Rio Grande do Norte, que se estendeu por mais de uma semana e deixou 26 detentos mortos. Os massacres brutais ocorridos em sequência entraram para a lista dos dez maiores da história do sistema prisional brasileiro e colocaram mais uma vez em evidência as mazelas do sistema e as dificuldades do Estado em contornar uma crise que vem de longa data.

Historicamente, as penitenciárias brasileiras apresentam condições precárias de infraestrutura e segurança, além de programas de reabilitação insuficientes. Assoladas pela superlotação, oferecem condições de vida degradantes aos detentos. Com isso, tornaram-se alvo fácil para a ação violenta de grupos criminosos ligados ao tráfico de drogas, que dizem defender os interesses dos presos, e tentam dominar o sistema prisional. Um relatório elaborado por setores dos serviços de Inteligência do governo federal, e divulgado pelo GLOBO em 7 de janeiro de 2017, sustenta que as cadeias brasileiras abrigariam cerca de 80 facções criminosas, quase todas dividindo sociedade com o Primeiro Comando da Capital (PCC), maior organização criminosa do país, baseada em São Paulo, e o carioca Comando Vermelho (CV), as únicas facções com atuação nacional.

De acordo levantamento divulgado em abril de 2016 pelo Ministério da Justiça, com dados relativos a dezembro de 2014, o Brasil possui a quarta maior população carcerária do mundo, com mais de 622,2 mil presos, atrás apenas de Estados Unidos, China e Rússia. O estudo apontou ainda que, de 2004 a 2014, a população prisional subiu 85% (de 336,3 mil para 622,2 mil), sendo que entre 2013 e 2014 houve um aumento de 40.695 detentos, uma média de 113 encarceramentos por dia. Já o índice de detentos por 100 mil habitantes passou de 288,6 para 306,2 no mesmo período. A taxa é mais que o dobro da média mundial, de 144 por 100 mil habitantes. A quantidade de vagas também subiu, de 341.253 para 371.884, mas continua insuficiente.

A superlotação é realidade em todos os estados brasileiros. Rondônia, Amazonas e Tocantins têm as piores situações, com taxas de ocupação superiores a 250%. Ou seja, abrigam mais de três pessoas a cada vaga disponível. No Rio, o índice é de 143%, pouco abaixo da média nacional, de 167%. O Espírito Santo tem a situação menos desfavorável, com taxa de 123%.

O levantamento apontou ainda que a população de presos apresenta índices de doenças como Aids e tuberculose muitos superiores aos da população em geral. Por sua vez, são tímidos os índices de presos estudando (13%) e trabalhando (12%). Já a taxa de mortes violentas é alarmante: em 2016, o índice foi de 58 por 100 mil ocupantes do sistema prisional, o que equivale ao dobro dos óbitos por causas externas verificados no país, de 29 por 100 mil habitantes.

Todos esses números, além do poder paralelo das facções criminosas, indicam a ineficácia do Estado na gestão do sistema prisional, como reforça Renato De Vitto, que apresentou o estudo em abril de 2016, na condição de diretor-geral do Departamento Penitenciário Nacional (Depen):

— Há uma cobrança social de que prendamos mais. Para fazer discurso, pode ser um expediente. Mas se olharmos do ponto de vista de política pública, veremos que essa fórmula não para em pé — afirma ele.

Em 2015, o relator da Organização das Nações Unidas (ONU) para a Tortura, Juan Méndez, visitou vários presídios brasileiros e chamou a atenção da sociedade para a prática recorrente de tortura nesses locais. Disse ainda que esses crimes — uma herança da ditadura militar — não são investigados e ficam impunes. Em seu relatório, encaminhado ao Conselho de Direitos Humanos da ONU, também alertou para a superlotação das cadeias, para o tratamento cruel e desumano a que os presos são submetidos e para a ausência de políticas eficazes de ressocialização.

A seguir, o Acervo O GLOBO destaca dez rebeliões prisionais que provocaram o maior número de mortes no Brasil, conforme noticiadas nas páginas do jornal:

1) ILHA ANCHIETA (SP). Em 20 de junho de 1952, cerca de 300 presos amotinados atacaram a guarda de surpresa e tomaram as instalações da colônia correcional que existia na Ilha Anchieta, litoral norte de São Paulo (conhecida como a “Alcatraz brasileira”), iniciando uma fuga em massa. Durante as 16 horas do levante, os detentos incendiaram o presídio, roubaram armas e munição e travaram intenso conflito com forças policiais, que terminou com 16 mortos, segundo dados oficiais da época. Alguns estudos, como o da Associação Pró-Resgate Histórico da Ilha Anchieta, apontam, no entanto, que o número de mortos teria passado de cem, incluindo presos que naufragaram quando tentavam fugir em pequenas embarcações. Três dias após a rebelião, O GLOBO já noticiava o registro de 74 mortos, destacando a tentativa das autoridades policiais do local de ocultar a gravidade dos acontecimentos. Na ocasião, foi montada uma grande operação, envolvendo as Forças Armadas, para recapturar os presos que chegaram ao continente em cidades como Ubatuba, Caraguatatuba e Paraty. Fontes não oficiais indicam que, de um total de mais de cem fugitivos, seis nunca foram recapturados.

2) CARANDIRU (SP).
Em 2 de outubro de 1992, 111 presos foram mortos após a Polícia Militar entrar na Casa de Detenção de São Paulo, conhecida como Carandiru, para conter uma rebelião. O massacre é considerado a maior tragédia já ocorrida numa penitenciária brasileira, com 111 mortos. Na ocasião, o Carandiru era o maior complexo penitenciário da América Latina, com 7.500 presos (mais que o dobro da sua capacidade). Após o início de uma briga entre detentos de dois grupos rivais, que fugiu ao controle, a PM foi autorizada a entrar no local pelo então secretário de Segurança Pública, Pedro Franco de Campos, e pelo ex-governador paulista Luiz Antônio Fleury Filho. Participaram da invasão 330 homens, 25 cavalos e 13 cães, sob o comando do coronel Ubiratan Guimarães, numa ação que durou cerca de meia hora. A maioria dos detentos do Pavilhão 9 morreu com tiros na cabeça e os corpos tinham marcas de facadas e mordidas dos cães. O massacre ocorreu às vésperas da eleição para a prefeitura de São Paulo, em 1992. O vice-governador Aloysio Nunes Ferreira (então do PMDB) era o candidato apoiado por Fleury Filho. No dia da chacina, as autoridades divulgaram a morte de apenas oito presos. Somente no dia seguinte, pouco antes do fechamento das urnas, foi divulgado o número definitivo.

O episódio chocou o país e repercutiu no exterior. Os mais importantes jornais da Europa e dos EUA deram destaque à tragédia. Por sua vez, diversas organizações de direitos humanos cobraram rigor e agilidade nas investigações. No Brasil, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e a Igreja formaram uma comissão para investigar a chacina. Em 2001, o coronel Ubiratan foi condenado a 632 anos de prisão em júri popular pela morte de 102 dos 111 presos. Ele recorreu da pena em liberdade e, em fevereiro de 2006, os desembargadores do Tribunal de Justiça de São Paulo o inocentaram, acolhendo o argumento da defesa, de que sua ação se deu no cumprimento do dever. Em 10 de setembro do mesmo ano, o coronel foi encontrado morto com um tiro, em seu apartamento, num crime que continua sem solução. Setenta e quatro policiais também chegaram a ser considerados culpados em primeira instância pela morte de 77 das vítimas (os outros 34 teriam sido mortos por detentos), mas, em setembro de 2016, após identificar problemas como a falta de individualização de conduta dos acusados, o Tribunal de Justiça de São Paulo anulou os cinco julgamentos em que os agentes foram condenados. Dos três desembargadores que votaram pela anulação, o relator da ação, Ivan Sartori, defendeu ainda a absolvição de todos os PMs, alegando que “não houve massacre, mas, sim, uma contenção necessária à imposição da ordem e da disciplina”. Sartori, no entanto, foi voto vencido: em abril de 2017, por quatro votos a um, os desembargadores do TJSP votaram por um novo julgamento dos acusados.

3) SÃO PAULO. Em 18 de fevereiro de 2001, a maior rebelião da História do país tomou conta de 27 presídios e dois distritos policiais de São Paulo, envolvendo 27.300 presos e fazendo 13 mil reféns, entre eles milhares de familiares de detentos que realizavam a visita dominical. Após ação do PM, o motim terminou cerca de 24 horas depois, com 16 presos mortos e dezenas de feridos, incluindo uma criança de 4 anos. Planejado pelo PCC, o motim contou com a utilização de telefones celulares, armas de fogo e granadas de mão, numa clara demonstração de força do poder paralelo. As imagens do levante foram transmitidas para o mundo inteiro e noticiadas pelos principais jornais. Em sua edição do dia seguinte, o “Washington Post” afirmaria que cenas como aquelas eram comuns “nas indecentemente superlotadas e violentas prisões brasileiras”. Na Itália, o “Il Corriere della Sera” destacou que “o homicídio e a revolta são o pão cotidiano nas lúgubres penitenciárias brasileiras”.

4) URSO BRANCO (RO). Em 1º de janeiro de 2002, 27 detentos foram mortos na Casa de Detenção Doutor José Mário Alves da Silva, conhecida como Urso Branco, em Porto Velho. A maior e mais sangrenta rebelião já registrada no local começou após uma mudança nas regras de circulação, que tirou os presos ameaçados de morte de celas seguras e os mandou aos pavilhões onde estavam seus inimigos. Os presos que ficavam no chamado “Seguro” eram considerados traidores, por delatarem planos de fuga. Com sua transferência, foram imediatamente tomados como reféns e assassinados de modo cruel. A chacina teve repercussão mundial e chamou a atenção da Corte Interamericana de Direitos Humanos, que passou a acompanhar a situação no Urso Branco, através de visitas bimestrais, e chegou a ameaçar o governo brasileiro com possíveis sanções.

5) BENFICA (RJ). Em 29 de maio de 2004, criminosos atacaram a recém-inaugurada Casa de Custódia de Benfica, no Rio, jogando um explosivo no portão principal da cadeia e possibilitando a fuga de 14 dos cerca de 800 detentos. Os presos que não conseguiram escapar iniciaram uma rebelião, tomando 26 agentes penitenciários como reféns. O motim durou 62 horas e terminou com a morte de 30 presidiários e de um agente penitenciário. Um pastor evangélico conduziu a negociação que encerrou o conflito. O massacre foi o maior já registrado num presídio do estado. Após a rebelião, 62 presos ameaçados de morte por rivais ou acusados de terem comandado a chacina foram transferidos para outros presídios.

6) PEDRINHAS (MA). Nos dias 8 e 9 de novembro de 2010, um anexo do Presídio São Luís 2, no Complexo Penitenciário de Pedrinhas, em São Luís, foi palco do maior motim já registrado no estado. A rebelião durou cerca de 30 horas e deixou 18 presos mortos. Os detentos reclamavam das condições do presídio, reivindicando a redução da superlotação e o fornecimento de alimentos e água com maior qualidade. Pediam também a revisão de seus processos e transferências de presídio. A rebelião começou por descuido de um agente penitenciário, que teve a arma roubada pelos detentos. Cinco agentes penitenciários chegaram a ser feitos reféns, mas foram libertados. As mortes foram causadas por confrontos entre facções criminosas rivais, e a violência dentro do presídio ganhou destaque nacional.

7) CEARÁ. Entre 21 e 23 de maio de 2016, diversas rebeliões foram registradas em presídios cearenses, terminando com a morte de 14 presos. De acordo com a Secretaria da Justiça do estado, os assassinatos foram decorrentes de conflitos entre os internos. As rebeliões se iniciaram durante a greve dos agentes penitenciários, e a motivação principal dos levantes teria sido a suspensão das visitas nas unidades prisionais. Os detentos depredaram vários presídios, e quando os agentes penitenciários retornaram às atividades, a situação já estava fora de controle, sendo necessária a intervenção de forças policiais para conter as rebeliões.

8) COMPAJ (AM). Em 1º de janeiro de 2017, uma guerra entre facções deixou 56 mortos no Complexo Penitenciário Anísio Jobim (Compaj) e quatro na Unidade Prisional do Puraquequara (UPP), em Manaus (AM), no que foi considerado o massacre mais violento da história do sistema prisional brasileiro desde a chacina do Carandiru, em 1992. A rebelião ocorreu no primeiro dia do ano e começou após uma fuga de detentos no Instituto Penal Antônio Trindade (Ipat), unidade que fica ao lado do Compaj. O conflito, que durou cerca de 12 horas (do horário de visita, na tarde do dia 1º, até a manhã do dia seguinte), vitimou detentos ligados ao PCC e condenados por estupro. As execuções foram praticadas por presos rivais, ligados à Família do Norte (FDN), aliada do Comando Vermelho. Durante o motim, ao menos 12 agentes penitenciários e mais de 70 presos foram feitos reféns. Seis deles foram decapitados e tiveram seus corpos arremessados por cima dos muros do complexo prisional. Outros foram esquartejados. Mais de cem detentos do Compaj, que se apoderaram de armas, teriam fugido do presídio.

Segundo a socióloga Camila Nunes, que investiga as organizações criminosas, o PCC e o CV romperam um pacto que mantinham para a compra de drogas e armas em regiões de fronteira em meados de 2016, e o fim da aliança explica em grande parte o quadro de instabilidade no sistema prisional brasileiro evidenciado no início de 2017, principalmente nas regiões Norte e Nordeste, onde há um equilíbrio de poder entre os dois grupos dentro e fora das prisões. O massacre foi destaque na imprensa mundial e motivou declarações do Papa Francisco, que pediu orações pelos mortos e suas famílias, além de condições mais humanas nos presídios. O presidente da República, Michel Temer, classificou o episódio como um “acidente pavoroso” e declarou não ter havido “responsabilidade objetiva, clara e definida dos agentes estatais”, uma vez que o Compaj era privatizado. Mesmo assim, dias depois, o governo federal anunciou a liberação de verbas, além de medidas de segurança, como a intervenção das Forças Armadas, para tentar contornar a crise no sistema penitenciário.

9) MONTE CRISTO (RR).
Na madrugada de 6 de janeiro de 2017, cinco dias depois do massacre em Manaus, 33 presos foram mortos na Penitenciária Agrícola do Monte Cristo, na zona rural de Boa Vista. O massacre foi um dos mais violentos da série ocorrida nos presídios brasileiros em janeiro de 2017. Além de serem decapitados e esquartejados, alguns corpos tiveram os olhos e o coração arrancados. Segundo grande parte da imprensa, a matança foi uma resposta do PCC à rebelião comandada pela FDN no Amazonas. De acordo com especialistas, um confronto no mesmo local entre o PCC e a FDN — que deixou 11 mortos, em outubro de 2016, já evidenciava a consolidação do PCC na região. A Secretaria de Justiça e Cidadania de Roraima descartou, no entanto, a possibilidade de as mortes estarem associadas à guerra entre as organizações criminosas. O massacre estaria relacionado a um “acerto de contas interno” do PCC, já que no local estariam apenas presos ligados à facção e outros que dizem não pertencer a nenhum grupo criminoso. Detentos ligados à FDN teriam sido transferidos do local após o conflito de outubro de 2016. O governo de Roraima afirmou ainda que não houve rebelião, já que nenhuma arma de fogo foi roubada, não houve depredação nem tentativa de fuga, e que a chacina foi o resultado de uma ação rápida de um grupo de detentos, armados com faca.

10) ALCAÇUZ (RN). Em 14 de janeiro de 2017, na Penitenciária Estadual de Alcaçuz, em Nísia Floresta, região metropolitana de Natal, teve início uma rebelião causada por guerra de facções, que se estendeu por quase duas semanas e terminou com 26 detentos mortos. Durante o motim, pelo menos 56 presos fugiram.As vítimas, ligadas ao Sindicato do Crime (SDC), facção aliada do Comando Vermelho, foram executadas por integrantes do PCC. Foi o terceiro massacre em prisão no Brasil nos primeiros 15 dias de janeiro de 2017. A polícia só conseguiu retomar totalmente o controle do presídio e debelar a rebelião 14 dias após seu início, com a ajuda do governo federal. Os líderes da rebelião, pertencentes ao PCC, foram transferidos para outras unidades prisionais do estado.

* com edição de Matilde Silveira

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