terça-feira, 25 de agosto de 2015

A VITÓRIA DA BUROCRACIA



ZERO HORA 25 de agosto de 2015 | N° 18273


EDITORIAIS



A capacidade de frustração dos gaúchos é testada mais uma vez pelas más notícias sobre a construção do complexo penitenciário de Canoas. É desolador, em especial para autoridades e servidores do setor, que o projeto, anunciado há cinco anos e meio como parte da solução para o Presídio Central, seja derrotado pela burocracia. O conjunto de prédios está incompleto e ninguém sabe ao certo quando poderá ser entregue. O setor público, considerando-se União, Estado e município, envolvidos no projeto da cadeia com 2,8 mil vagas, desperdiça mais uma vez uma ideia capaz de atenuar deficiências crônicas do sistema penitenciário.

Tem-se mais um exemplo da falta de vontade política, de recursos e de poder de pressão dos responsáveis pela solução de parte dos problemas das prisões gaúchas. O que se constata é uma sucessão de desculpas, a começar pela insuficiência de recursos, pois estariam faltando cerca de R$ 17 milhões para a conclusão do complexo. Mas já se sabe que, mesmo concluído, o conjunto de prédios estará incompleto, por deficiências nas mais variadas áreas, entre as quais o quadro de pessoal. Como adverte o juiz de execuções, de nada adianta entregar prisões que não tenham o suporte de pessoal.

Pode repetir-se o cenário de outras cadeias, em que o número de agentes é seis vezes inferior ao considerado ideal pelo Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária. Ainda há tempo para que os governos tentem evitar a confirmação da suspeita de que a estrutura em construção estaria longe da ideia original e perto de vir a ser uma cópia apenas melhorada do Presídio Central.




segunda-feira, 24 de agosto de 2015

MAIS RIGOR NA APLICAÇÃO DA LEP ALIVIARÁ PRESÍDIOS

BLASTING NEWS, SOCIEDADE E OPINIÃO  14 junho 2015, 21:52


Eduardo Schiefelbein


Para Rolim, maior rigor na aplicação da LEP aliviará presídios. Jornalista e sociólogo avalia que situação pode se reverter com uma lei que já existe, mas que precisa ser cumprida.

Rolim é voz ativa na área da segurança pública



Dormitórios degradantes, colchões furados, infiltrações e doenças que correm de cela em cela. Some-se a este cenário desolador um preso por sobre o outro, tal qual uma pilha de livros esquecida em uma velha estante. Superlotado e descuidado, o sistema prisional brasileiro vive dias difíceis com as constantes rebeliões que espalham medo do norte ao sul do país. Em entrevista exclusiva à Blasting News Brasil, Marcos Rolim, doutor e mestre em Sociologia, jornalista e professor da Cátedra de Direitos Humanos do IPA-RS, cobra uma aplicação mais severa da Lei de Execuções Penais (LEP).

Blasting News Brasil: Que tipo de medida poderia ser adotada para reverter esse quadro vivido nos presídios brasileiros?

Marcos Rolim: A Lei de Execuções Penais (LEP) em vigor no Brasil é avançada e prevê uma série de normas para que a pena de prisão tenha um efeito efetivamente ressocializador. Ocorre que ela é solenemente ignorada e desrespeitada. Talvez não exista uma outra lei tão sistematicamente descumprida pelo Poder Público quanto a LEP. Há várias medidas para se reverter o quadro e a primeira delas seria diminuir a demanda por encarceramento. Presídios superlotados não permitem a classificação dos condenados e a individualização das penas. É também a superlotação que promove o descontrole e agencia oportunidades ótimas para a formação de facções criminais. Quaisquer que sejam as medidas adotadas, entretanto, nenhuma delas será capaz de reformar o sistema se os responsáveis pela gestão dos estabelecimentos e pela fiscalização das penas não forem rigorosos na exigência de padrões de decência e humanidade.

BN: Recentemente, rebeliões bárbaras ganharam espaço na mídia em estados como Paraná, Maranhã e Bahia e tiveram cenas cruéis, como mortes e decapitações. O tráfico de drogas e a disputa entre facções é o grande mal a ser enfrentado?


MR: Os motins e as rebeliões no sistema costumam ser cruéis quando envolvem disputas de poder entre facções e acertos de contas. Na maior parte das vezes, entretanto, as rebeliões funcionam como válvulas reguladoras. Quando a situação se torna insuportável, os pactos se rompem e há a eclosão do protesto. Por conta do movimento, ajustes são providenciados, reivindicações são em parte atendidas, mutirões são realizados. As coisas, então, se acalmam e se retoma um novo ciclo na “panela de pressão”.

BN: No RS, temos a situação do presídio central, em terríveis condições e com lotação já esgotada. A construção de novas casas de detenção poderia ser uma saída aceitável a curto prazo?

MR: A ampliação do número de vagas sempre irá amenizar os efeitos da crise, mas não será solução enquanto a demanda de encarceramento seguir crescendo. O Brasil tem mais de meio milhão de presos – o terceiro maior contingente de presos em números absolutos no mundo - e um déficit de 300 mil vagas. Seria preciso construir mil presídios de 300 vagas para que o déficit fosse equacionado, o que é impensável pelos custos pressupostos. Ainda que houvesse recursos para tanto, quando tivéssemos concluído as novas casas prisionais, já haveria um novo déficit de vagas pressionando o sistema. O problema, então, tem que ser enfrentado na “outra ponta”, reduzindo a demanda por encarceramento pelo efeito de uma política séria de prevenção e pela mudança na legislação penal. O correto seria reservar as penas de prisão para os delitos praticados com violência real. Pelas particularidades do Brasil e excepcionalmente à regra mencionada, entendo que os condenados por corrupção também deveriam cumprir penas de prisão. Todos os demais delitos deveriam ser punidos com penas alternativas e socialmente úteis, ou tratados por mecanismos restaurativos.

sexta-feira, 14 de agosto de 2015

JUSTIÇA PODE OU DEVE FORÇAR OBRAS EM PRESÍDIOS?



ZERO HORA 14 de agosto de 2015 | N° 18261


KYANE VIVES


DECISÃO JUDICIAL. Justiça pode forçar obras em cadeias


Por unanimidade, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu ontem que o Judiciário pode obrigar governos a realizar obras emergenciais em presídios, independentemente de dotação orçamentária. O relator do processo, ministro Ricardo Lewandowski, se disse perplexo com a situação dos presídios brasileiros – 360 mil vagas para uma população carcerária de 600 mil presos – e defendeu uma mudança no quadro.

O julgamento partiu de uma ação civil pública do Ministério Público do RS contra o Estado, para que promovesse uma reforma geral no albergue de Uruguaiana.

O juiz local determinou a obra no estabelecimento. Entretanto, o Estado recorreu ao Tribunal de Justiça (TJRS). Após o TJ entender que não era seu dever obrigar o Executivo a reformar cadeias, o MP recorreu ao STF.

– O governo vai ter de cumprir as determinações judiciais e estabelecer formas de cumpri-las – disse o promotor Luciano Vaccaro.

A Procuradoria-Geral do Estado disse que “precisa tomar conhecimento sobre o resultado do julgamento para se manifestar”.

segunda-feira, 3 de agosto de 2015

O PROBLEMA É DA ESTRUTURA PENITENCIÁRIA



ZERO HORA 03 de agosto de 2015 | N° 18246

ENTREVISTA

“O problema é da estrutura penitenciária”


SÉRGIO MIGUEL ACHUTTI BLATTES, Desembargador da 3ª Câmara Criminal do TJIndicado pela assessoria de comunicação do Tribunal de Justiça do Estado, o desembargador Sérgio Miguel Achutti Blattes conversou com ZH sobre a crise do semiaberto no Estado.

Qual sua opinião sobre o semiaberto?

A lei, como está redigida, me parece perfeita. A pena não é só punitiva. Visa, também, ressocializar o preso (para), gradualmente, ser reinserido na sociedade. Mas, na teoria, a coisa é uma. Na prática, é outra.Hoje tem delinquentes praticando crimes no semiaberto e no aberto. Isso não significa nenhum demérito a esse sistema porque sabemos que há presos do regime fechado praticando crimes. Então, o problema é da estrutura penitenciária, não da legislação.

Juízes de execução concederam milhares de prisões domiciliares para presos do semiaberto por falta de vaga nos albergues. O senhor concorda?

Se o preso tem direito de estar no semiaberto, não posso colocá-lo em um regime mais gravoso, o fechado. Mas posso colocar em um menos gravoso. Se o Estado não tem condição de dar a ele o que a lei lhe garante, o Estado não pode dar a ele menos do que ele tem direito. Seria a mesma coisa que um plano de saúde oferecer um quarto semiprivativo, mas só tenha privado. Ele não pode mandar o paciente para o ambulatório.

É levado em consideração o direito individual do preso. Não seria melhor preservar o direito coletivo da sociedade, já que ele pode cometer crimes nas ruas?

O preso tem de ter comportamento que autorize a progressão. Ela não é obrigatória, não é automática, contém requisitos objetivos e subjetivos. O preso pode implementar tempo e não progredir de regime. Mas, mesmo que ele fique todo o tempo preso, não há como prever que ele vai sair dali e vá cometer um crime.

Mesmo concedendo milhares de prisões domiciliares não surgiram vagas nos albergues. Por quê?

O Estado não providencia vagas. Não há investimentos nesta área. Vivemos em uma época de penúria, em que o preso é tratado como lixo humano, infelizmente. Ao ser preso, perde toda a dignidade. Ele não é preso, é depositado.

O Estado lavou as mãos na geração de vagas à medida que foram concedidas prisões domiciliares?


O Estado não é o Poder Executivo. Os três poderes, Executivo, Legislativo e Judiciário, compõem o Estado. Se há falha do Judiciário em liberar os presos, isso também passa pelo Legislativo, que faz leis anacrônicas, e passa pelo Executivo, que não dá os meios necessários. Então, esse é um problema do Estado tripartido.

A CONTROVÉRSIA DO SEMIABERTO



ZERO HORA 03 de agosto de 2015 | N° 18246


JOSÉ LUIS COSTA


UM DIA DEPOIS de contar histórias de vítimas assassinadas por criminosos que deveriam estar presos, mas acabaram soltos por falhas no sistema, ZH apresenta alternativas para enfrentar o problema


Qual a solução para o semiaberto? Manter o sistema atual, com melhorias na estrutura e na vigilância ou acabar com ele, instituindo um regime único, o fechado, autorizando a progressão apenas na fase final do cumprimento de pena com a liberdade condicional? O tema divide opiniões, é discutido há décadas por autoridades e volta ao centro dos debates à medida que cresce a criminalidade protagonizada por apenados.

Pelo menos duas grandes reformas na legislação penal elaboradas por juristas chegaram ao Senado entre 2012 e 2013, mas seguem em estudo. As propostas (leia quadro) não terminam com o semiaberto e uma delas até propõe a progressão de regime antecipada para quem estiver em presídio superlotado. No Supremo Tribunal Federal, é aguardado desde 2011 o julgamento de um recurso, provocado por más condições dos albergues gaúchos, que pode abrir as celas para 66,5 mil apenados do semiaberto no país.

Nos últimos tempos, o tema envolve com mais intensidade a sociedade. Em junho, uma lista com cem mil assinaturas partiu do Rio Grande do Sul rumo a Brasília, propondo a congressistas o fim do regime semiaberto. A iniciativa foi do Movimento Paz Novo Hamburgo, em parceria com ONG Brasil sem Grades – organizações gaúchas que propõem medidas para redução da violência e maior rigor na legislação penal.

O Paz Novo Hamburgo surgiu em 2014, após o assassinato do empresário Gabriel da Silva Rodrigues, 32 anos, vítima de um assaltante foragido do semiaberto, um dos casos abordados na edição dominical de Zero Hora.

– Acreditamos que o aumento do tempo no regime fechado vai reduzir a criminalidade, já que a medida por si só inibe a prática ilícita. Afinal, são mais anos de confinamento e longe das ruas – diz o empresário Luiz Fernando Oderich, presidente da ONG Brasil Sem Grades.

OLHARES DIVERGENTES

O modelo defendido pelas duas entidades vai ao encontro da posição de juízes gaúchos que atuam em varas de execução criminal (VEC). Em 2013, magistrados encaminharam uma sugestão que chegou ao Senado na qual autores de crimes com morte, por exemplo, passariam metade do tempo de condenação no regime fechado e só depois poderiam sair das grades para a liberdade condicional. Mas essa posição encontra divergências dentro do próprio Tribunal de Justiça do Estado e entre outras autoridades e especialistas. O advogado Aury Lopes Junior defende a vigência dos regimes progressivos.

– Querem acabar com o semiaberto não porque ele seja ruim, mas sim pela incompetência de fiscalizar e de manter casas prisionais adequadas. Agora, diante da falência do sistema prisional, aceito discutir proposta de mudança – observa o criminalista, professor universitário e doutor em Direito Penal.

A defensora Ana Paula Pozzan, dirigente do Núcleo de Defesa em Execução Penal da Defensoria Pública Estadual, concorda que o semiaberto virou um produtor de criminalidade, mas é favorável à manutenção dos albergues, aliada a uma ampla reforma da política prisional.

– Deveríamos ter casas sem superlotação, com condições dignas de cumprimento de pena em todos os regimes. O Estado perdeu o controle de cadeias. Tem preso que recebe assistência, como material de higiene e limpeza, de uma facção. Quando vai para o semiaberto tem de pagar, assaltando, matando. Há casos em que o apenado não quer ir para o semiaberto com medo de morrer.

Promotora que atua junto à VEC na Capital, Débora Balzan apoia a manutenção do modelo atual em condições adequadas.

– A tendência das pessoas é ser contrária ao semiaberto porque não funciona de acordo com a lei. Mas o semiaberto serve para o apenado ser testado, sair para trabalhar. O Estado tem de investir em albergues – argumenta.



Mobilização da comunidade transformou albergue em NH


O assassinato de Gabriel Rodrigues, vítima de um assalto frustrado por um foragido do semiaberto em junho de 2014, provocou comoção em Novo Hamburgo e desencadeou uma mobilização incomum. Depois de chorar a morte do empresário de 32 anos e protestar contra a violência, amigos, parentes e representantes da comunidade arregaçaram as mangas. Embora contrário à existência do regime semiaberto, o grupo decidiu promover melhorias no albergue local, a única casa prisional da cidade. A primeira iniciativa foi criar o movimento PAZ Novo Hamburgo, composto por 42 entidades, entre ONGs, sindicatos, clubes e escolas.

– A morte do Gabriel foi um estopim do sentimento de insegurança na cidade. O luto resultou em um novo tempo, tempo de somar forças. A sociedade tem de fazer a sua parte e dá para fazer – diz a coordenadora do PAZ, a advogada Andrea Schneider.

A partir da mobilização, foram obtidos recursos junto à prefeitura e à Câmara de Vereadores para a instalação de nove câmeras de vigilância no albergue. Os equipamentos registram imagens no interior e no entorno do Instituto Penal da cidade, monitoradas por agentes penitenciários e compartilhadas com a Guarda Municipal e a Brigada.

– Se alguém é flagrado com um celular no pátio, vai para o castigo durante 10 dias. Presos reclamam que aqui está pior que no regime fechado – afirma o diretor do albergue, César Corrales.

As câmeras ajudaram a reduzir fugas. Desde a instalação, em 24 de março, foram registrados quatro casos. Antes desapareciam, em média, 20 detentos a cada mês.

O PAZ Novo Hamburgo também firmou parcerias para fiscalizar os presos que trabalham fora. Uma vez por mês, integrantes do movimento passaram a acompanhar agentes penitenciários, guardas municipais, policiais civis e militares, em blitze para checar se, de fato, apenados estavam no serviço – dos 240, cerca de 120 têm atividade externa. Na primeira inspeção, em fevereiro, sete detentos não foram encontrados no emprego. Na última, apenas dois. Quem não é localizado responde a um procedimento administrativo disciplinar, podendo regredir para o regime fechado. E o empregador que abona frequências indevidas ou emite documento falso de contratação de apenado é indiciado por falsidade ideológica.

Diante das mudanças implementadas, 30% dos presos do albergue já pediram transferência para outro lugar.


O que pode mudar na legislação penal

No Senado Federal


Pelo menos duas alterações de lei estão em debate, relacionadas ao tempo de pena e à progressão de regime:

-A reforma do Código Penal (PLS 236) tramita no Senado desde julho de 2012. Em dezembro de 2013, chegou à Comissão de Constituição e Justiça, onde permanece.

-O projeto mantém o atual modelo de cumprimento de penas, mas estipula uma nova escala para progressão de regime, aumentando o tempo no fechado de três quintos para dois terços (para crimes hediondos).

-A reforma da Lei de Execução Penal (PLS 513) começou em abril de 2013, chegou ao Senado em dezembro daquele ano e segue na Comissão de Constituição e Justiça.

-O projeto proíbe presos em delegacias de polícia, prevê melhorias nos serviços de saúde e educação ao apenado e a progressão de regime antecipada caso a penitenciária esteja lotada, ponto que promete gerar intenso debate.

No Supremo Tribunal Federal
-Desde maio de 2011, o Supremo avalia a possibilidade de mandar para casa presos do semiaberto por falta de vagas ou condições indignas nos albergues brasileiros.

-O tema está nas mãos do ministro Gilmar Mendes, relator do Recurso Especial Nº 641320, interposto pelo Ministério Público do Estado, que se insurgiu contra a decisão do Tribunal de Justiça do Estado de conceder prisão domiciliar para um apenado do semiaberto, de Jaguari, em 2009.

-Em maio de 2013, durante dois dias, Mendes organizou debates públicos sobre o assunto no STF, inclusive com a presença de autoridades gaúchas, para obter informações que o ajudem a decidir seu voto. Caso o ministro confirme a decisão do TJ, a tendência é de que juízes de todo o país sigam a orientação do STF, concedendo prisões domiciliares em massa. O Brasil tem 66,5 mil presos no semiaberto. No Estado são 7,6 mil, sendo que 1,3 mil já estão em casa, usando tornozeleiras eletrônicas.







COMENTÁRIO DO BENGOCHEA
- O modelo do regime semiaberto deve ser extinto. Ou é fechado ou é aberto, ambos sob controle total do Estado. O erro está na falta de um sistema de justiça criminal integrado, ágil, coativo, estruturado, desvinculado tecnicamente da gestão partidária e capaz de exigir, sob as penas da lei, deveres e responsabilidades do poderes e órgãos da justiça criminal e da execução penal.